Concurso de pessoas. Participação de menor importância

No voto que vou publicar a seguir enfrentei a tese da de participação de menor importância (art. 29,§1º, do CP)

Em determinado excerto, anotei:

“A verdade é que os dois acusados, ora apelantes, agiram em conjunto, adotando o princípio da divisão do trabalho, no qual ambos tomaram parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de tal modo que, para mim, ambos podem ser qualificados como verdadeiros autores da empresa criminosa”.

Noutro excerto, aduzi:

“O partícipe, é da sabença comum, exerce uma atividade secundária, que adere a uma principal. Na coautoria, como se vê nos autos sub examine, a realização da empresa criminosa é conjunta, ou seja, mais de uma pessoa pratica a mesma infração. Coautoria é, por bem dizer, a própria autoria. Todos participam da realização do comportamento típico, ainda que não pratiquem os mesmos atos executivos, bastando, tão-somente, que cada um contribua na realização da figura típica e que essa contribuição seja considerada relevante no aperfeiçoamento do crime”

A seguir, o voto, por inteiro.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINALSessão do dia 31 de agosto de 2010.

Nº Único: 0011315-26.2010.8.10.0000

Apelação Criminal Nº 011765-2010

1º Apelante Advogado

2º Apelante

Defensor Público

Apelado

Incidência Penal

Relator

Acórdão Nº_____

:A. A. D. :M. R. G.

:D. A. da S.

:C. C. C. A.

:Ministério Público Estadual

:Artigo 157,§2º, I e II, c/c artigo 70, ambos do CP

:Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

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Ementa. PENAL. PROCESSO PENAL. COAUTORIA. O PRINCÍPIO DA DIVISÃO DO TRABALHO. A PRÁTICA DE ATOS EXECUTIVOS. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL. À LUZ DO QUE PRESCREVE O ARTIGO 29 DO CP. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO.

1. Quando os autores do fato, através de atos de execução, realizam a conduta descrita no tipo penal, com total domínio do fato, não há se falar em participação de menor importância.

2. A atuação, em conjunto, dos apelantes, na execução da ação típica, impõe a responsabilização de ambos, nos precisos termos do artigo 29, do Código Penal brasileiro.

3. Apelo desprovido, para manter, incólume, a decisão de primeiro grau.


Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís(MA), 31 de agosto de 2010.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº 117652010 – São Luís


Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de apelação manejado por C. C. C. e M. R. G., inconformados com a decisão do juízo de primeiro grau, que os condenou por incidência comportamental no artigo 157, §2º. I e II, c/c artigo 70, ambos do Código Penal.

Vejo da proemial que os apelantes, no dia 19 de maio de 2007, por volta das 14h00, em companhia de outros dois indivíduos ainda não identificados, mediante grave ameaça exercida com emprego de revólver, adentraram no salão de beleza denominado Fino Trato, localizado na Avenida B, Quadra 11, nº 22, Maranhão Novo, nesta cidade, de propriedade de J. S. R., subtraindo dos clientes e empregados sete aparelhos celulares e a quantia aproximada de R$ 1.000,00 (mil reais), tendo os autores do fato, logo após a consumação do roubo, trancado as vítimas no banheiro para garantir o sucesso da empreitada criminosa.

Colho da exordial, ademais, que o proprietário do salão, que se encontrava em sua residência, situada ao lado do estabelecimento comercial em comento, ao perceber o que ali ocorria, cuidou de contatar com a polícia, que conseguiu prender os dois apelantes, com os quais foi apreendida parte da res mobilis, razão pela qual foram presos e autuados em flagrante.

Depois de regular processamento, os dois apelantes foram condenados no juízo de base.

É contra essa decisão que se insurgem agora.

O primeiro apelante, às fls. 240/242, alega:

I – que o conjunto probatório carreado aos autos é contraditório e não tem o condão de macular a versão apresentada pelo acusado;

II – que, enquanto a vítima L. M. S. B. afirmou que o recorrente estava armado, a também vítima J. M. de L. afirmou que, na verdade, quem estava armado era o corréu C. C.;

III – que a vítima P. P. M. não faz menção a qualquer arma; e

IV – que, na espécie, há de incidir o artigo 29 do CP, pelo que requer provimento ao apelo, com a diminuição das penas infligidas.

O segundo apelante, de seu lado, às fls.247/249, argumenta:

I – que a sentença guerreada não se coaduna com o substrato probatório;

II – que o juiz tem a obrigação de alicerçar a sua decisão em provas contundentes e que não deixem dúvidas acerca da culpabilidade do autor do fato;

III – que os policiais militares que conduziram o apelante afirmam não ter sido encontrado arma com o mesmo, desmentindo, assim, as afirmações das vítimas;

IV – que as declarações das ofendidas são contraditórias;e

V – que, por isso, requer provimento ao apelo, para que as penas infligidas ao recorrente sejam diminuídas, ex vi do artigo 29, §2º, do CP.

O Ministério Público, em suas contrarrazões, às fls. 284/290, ponderou:

I – que a sentença deve ser mantida, integralmente, porque prolatada de acordo com as provas amealhadas;

II – que restou efetivamente provado que os dois acusados, no interior de um salão de beleza, denominado Fino Trato, no dia 19 de maio de 2007, por volta das 14h00, promoveram a subtração de bens dos clientes, mediante grave ameaça, com uso ostensivo de arma de fogo; e

III – que os dois apelantes aderiram subjetivamente à ação delitiva, daí a inviabilidade de reconhecer-se a participação de menor importância, de um e de outro.

O Ministério Público de segundo grau, depois de detida análise das provas colacionadas nos autos, concluiu:

I – ser inviável a tese das defesas de que deva ser reconhecida a participação de menor importância;

II – que o conjunto probatório demonstra, de forma inequívoca, a prática dos crimes narrados na denúncia;

III – que a palavra da vítima, em casos que tais, tem especial importância;e

IV – que as provas dos autos foram bem sopesadas pelo juiz de base, daí por que entende deva ser mantida a decisão vergastada.

É o relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes estão os pressupostos de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço.

Ao exame das razões do apelo verifico que a pretensão dos apelantes é beneficiarem-se da redução das penas infligidas no juízo de base, à invocação do §1º, do artigo 29, do CP.

Após detida análise das provas, concluo, sem a mais mínima hesitação, que os argumentos dos apelantes não prosperam, pois que, ao que vejo do conjunto probatório, ambos concorreram, na mesma medida, para realização da empreitada criminosa.

É consabido que, de lege lata, todo aquele que concorre para o crime, causa-o em sua totalidade, razão pela qual ele responde integralmente.

É verdade que a concepção monística do Código Penal brasileiro restou mitigada em face do §1º, do artigo 29, do CP, antes mencionado.

Ocorre, entrementes, que, no caso presente, todos participaram, na mesma medida, na realização da figura típica, ainda que se pudesse questionar que não tenham praticado atos de execução.

A verdade é que os dois acusados, ora apelantes, agiram em conjunto, adotando o princípio da divisão do trabalho, no qual ambos tomaram parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de tal modo que, para mim, ambos podem ser qualificados como verdadeiros autores da empresa criminosa.

É de relevo que se diga que na coautoria, que se verificou no caso presente, “não há relação de acessoriedade, mas a imediata imputação recíproca” [1], visto que cada um desempenhou uma função fundamental na consecução do objetivo comum.

No caso sob retina, ao que entrevejo das provas produzidas, os domínio do fato pertencia, também, aos dois apelantes, que

“….em razão do princípio da divisão de trabalho, se apresentam como peça essencial na realização do plano global.” [2]

É de relevo que se consigne, nessa linha de argumentação, que o partícipe não pratica a conduta descrita pelo preceito primário da norma penal. O partícipe, bem se sabe, realiza uma atividade secundária, através da qual contribui e favorece a execução da conduta proibida.

Não é, no entanto, que se vê no caso sub examine, como, aliás, bem ponderou o juiz de base. No caso em comento, os dois acusados, e outros meliantes não identificados, praticaram atos de execução, ambos tiveram papel destacado na realização do comportamento típico, daí a impropriedade de falar em participação de menor importância.

O partícipe, é da sabença comum, exerce uma atividade secundária, que adere a uma principal. Na coautoria, como se vê nos autos sub examine, a realização da empresa criminosa é conjunta, ou seja, mais de uma pessoa pratica a mesma infração. Coautoria é, por bem dizer, a própria autoria. Todos participam da realização do comportamento típico, ainda que não pratiquem os mesmos atos executivos, bastando, tão-somente, que cada um contribua na realização da figura típica e que essa contribuição seja considerada relevante no aperfeiçoamento do crime.

A seguir, excertos dos principais depoimentos colhidos ao longo da jornada probatória, os quais evidenciam, a mais não poder, que, in casu sub examine, está-se a defrontar a coautoria, como bem anotado na decisão fustigada.

L. M. S. B., às fls. 138, afirmou, verbis:

“ Que reconheceu na polícia e em audiência os dois elementos que foram presos como dois dos autores do assalto;que eram na realidade quatro assaltantes;que um dos elementos presos estava armado, que era o denunciado M. R. G. os outros estavam desarmados;que subtraíram da depoente um aparelho celular V3 e a quantia de 70,00 (setenta reais); que não sofreu agressão física de nenhum dos assaltantes; que o elemento armado mandou que todas as clientes e funcionários do salão entrassem num pequeno banheiro; que a depoente que na ocasião estava no oitavo mês de gestação e não entrou no banheiro; que apenas algumas dessas pessoas foram vitimas do assalto; que a arma foi usada como utilização geral sem ser apontada para uma determinada pessoa; que todos os assaltantes pegaram das vitimas naquela circunstâncias […]” (Sic)

(fls. 138/139)

J. M. de L., às fls. 140, litteris:

“ que eram quatro assaltantes mas apenas um estava armado; que o elemento armado chamado C. C. se aproximou da depoente e a fez a primera vitima, pedindo-lhe o celular e anunciando o assalto tirou também o celular da sua colega R., também funcionária do salão, a qual entregou o celular e uma quantia de dinheiro que não sabe precisar quanto, em audiência reconheceu o C. C. como um dos autores do assalto; que não sofreu nenhuma agressão física por parte dos assaltantes; que a depoente recuperou o seu celular mas a sua colega não recuperou […]” (Sic) (fls 140)

P. P. M.:

“ […] que estava na segunda sala do salão e que apenas viu dois assaltantes e que ambos estavam armados […]” (Fls. 141)

Ao que assoma dos autos, indene de dúvidas, é que ambos os apelantes contribuíram, decisivamente, para o desdobramento causal do evento, na mesma proporção, na condição de coautores, reafirmo, daí que devem responder pelo fato típico em razão da norma de extensão do concurso, na mesma proporção, vez que não entrevejo participação de menor importância, como, aliás, não a viu o magistrado de base e o Ministério Público de segundo grau.

É cediço que nem todo comportamento constitui participação. Para ser considerado como tal, há que existir eficácia causal, facilitando, como se viu no caso presente, a realização da conduta típica.

A verdade que assoma dos autos é que, podemos dizer, ambos o apelantes, à luz da teoria finalista, tinham total domínio do fato, ambos tinham poder de decisão, ambos praticaram atos de execução, por isso ambos devem ser responsabilizados na mesma proporção.

Ao que antevejo do quadro probatório, reafirmo, no caso em comento não existiu relação de acessoriedade, visto que cada um dos autores do fato desempenhou uma função fundamental na consecução do objetivo comum.

O domínio do fato, reafirmo, in casu sub examine, pertencia a ambos os apelantes, que,

“…em razão do princípio da divisão de trabalho, se apresentam como peça essencial na realização do plano global” [3]

Não se pode afirmar, à luz do que dos autos consta, que os apelantes, com efeito, tenham tido participação de menor importância, daí que, desde meu olhar, agiu com acerto e desvelo o juiz de primeiro grau.

A propósito da quaestio, os Tribunais têm decidido nesse mesmo diapasão, como se vê das ementas a seguir transcritas, verbis:

“Somente se aplica a redutora por participação de menor importância ao partícipe, nunca ao co-autor”.[4]

No mesmo sentido:

“Havendo o liame subjetivo entre os agentes, divisão de tarefas, pluralidade de condutas e relevância das ações, sabendo cada qual o que deveria fazer e o que sua comparsa faria, ocorre a co-autoria e não a participação de menor importância.”[5]

Na mesma senda:

“A co-autoria não exige atos de execução material, como o disparo de tiros. Identifica-se pela efetiva cooperação do agente na prática delituosa, pela unidade de propósitos vinculando os co-autores das diversas ações, dirigidas ao resultado final desejado ou, mesmo, assumido como dolo eventual.”[6]

No mesmo diapasão:

“ Não há o que se falar em participação de menor importância, mas de co-autoria, se o acervo probatório indica que o agente dividiu com outrem as tarefas de espoliar os bens da vitimas, ainda que, para a execução do crime, a sua tarefa tenha sido de recolher o numerário enquanto o outro comparsa ameaçava as vitimas apontando-lhas uma arma de fogo, evidenciando, pois,a atuação conjunta dos dois, vinculados física e psicologicamente para o evento ilícito.”[7]

Com as considerações supra, conheço do presente recurso, para, em conformidade com o parecer ministerial, negar-lhe provimento, mantendo, integralmente, r. sentença de primeiro grau.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 31 de agosto de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] Cezar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Peal, Parte Geral, Vol. I, Saraiva, 2000, p.385.


[2] ibidem

[3] Cezar Roberto Bitencourt, Código Penal comentado, 5ª edição, saraiva, 2009, p. 100

[4] TJPR, Apelação 0395110-4, Rel. José Carlos Dalacqua.

[5] TJDF, Apelação 20040910106882, Rel. Edson Alfredo Smaniotto.

[6] RT 663/320.

[7] TJMG, Apelação 2.0000.00399163-1/000, Rel. Antônio Armando dos Anjos.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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