Juiz independente

Neutro, não; independente, sim.

É assim que penso.

É a partir dessa elementar constatação que tenho julgado.

Tenho dito que muito me apraz  ser um magistrado independente, mas convicto de que não posso ser neutro.

A verdade é que não tenho nenhum vínculo, com quem quer que seja, a pôr em risco a minha independência.

Mas tenho afirmado, com  mesma  sofreguidão, da linha de pensar de  Zaffaroni, que não sou neutro, porque juiz neutro é uma inviabilidade antropológica.

Todavia, sou independente, sim, conquanto não deixe de, na condição ser humano,  levar-me, algumas vezes,  pela emoção, pelas minhas convicções ideológicas, pela minha formação moral e intelectual.

Registro, pés fincados no chão,  que não estou entre os que imaginam que se pode, pelo Direito, aperfeiçoar o ser humano, pois esta meta, registro, com Paulo Nader, pertence à Moral.

Mas sou dos tais que  tem a convicção de  que só decide bem,  só pode supor-se um juiz honrado,  conquanto distante da perfeição, o magistrado que, sob as talares, age com independência, que não se deixa levar por pressões de amigos ou apaniguados.

É assim que sou. É assim que tenho decidido – sem peias e sem amarras, convicto da relevância do papel que desempenho na sociedade.

Procuro, ao decidir, depois de ouvir a minha consciência, fazê-lo a partir da constatação de que a majestade de uma decisão não se faz tão somente à luz do Direito Positivo, mas à luz de uma visão mais ampla, que vai além,  que transcende o plano meramente normativo, com destaque para a base principiológica que põe em relevo a dignidade da pessoa humana.

A propósito da independência do magistrado, transcrevo, a seguir, excerto da entrevista de Ellen Grace, à revista Veja, desta semana:

“Pertencer ao Supremo, o topo de pirâmide judiciária, é uma dignidade tão grande que não admite vinculações, subordinações, sujeições a nenhuma instância. A melhor homenagem  que um ministro pode fazer ao presidente que o nomeou é ser um bom juiz. Ou seja, um juiz isento. Não vejo ninguém atrelado à mesma linha do governo que o nomeou. Seria  uma pessoa menor aquela que se atrelasse a uma linha político-partidária. O Supremo faz, sim, política. Mas política ampla, de desenvolvimento nacional, de contribuição ao crescimento do país, de atenção às realidades nacionais. A primeira virtude de um juiz tem de ser a independência. E a independência não é coisa abstrata.É independência do poder econômico, do poder político, do poder da imprensa e da opinião pública, independência dos próprios preconceitos. Felizmente, vejo essa independência posta em prática diariamente não apenas no Supremo, mas em todo Judiciário, que é o menos  corrupto dos poderes”

Banco Nacional de Mandados de Prisão

Certidão ajudará no acompanhamento de mandados

A partir da próxima sexta-feira (26/08), o chamado Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), em fase de elaboração pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estará pronto para receber informações dos tribunais. Nesta terça-feira (23/08) foi apresentado o modelo de certidão de mandado de prisão do banco. O BNMP foi criado pela Resolução 137, do CNJ, para centralizar os mandados de prisão de todo o país. “A certidão tem o objetivo de dar conhecimento público daqueles mandados que ainda não foram cumpridos. E mandados não cumpridos significam dizer que os procurados continuam na rua”, alertou o juiz auxiliar da Presidência do Conselho, Marivaldo Dantas, durante reunião do Sistema de Informações Penais da Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp).

Os tribunais têm um prazo de até seis meses (retroativos ao dia 26 de julho) para começar a alimentar o banco com as informações que serão disponibilizadas para consulta. Os mandados de prisão que serão publicados no BNMP serão aqueles não cumpridos e sem caráter sigiloso. Nos casos de operações policiais que exigem cumprimento simultâneo de inúmeros mandados de prisão, por exemplo, esses poderão não ser disponibilizados no sistema para não prejudicar o andamento dos trabalhos, por decisão do juiz.

Infoseg – Após a apresentação do modelo, na reunião da Enasp, os representantes dos órgãos de segurança pública sugeriram a integração do novo sistema à Rede Infoseg, o maior sistema de informações de segurança pública do país, coordenado pelo Ministério da Justiça. O objetivo é reduzir a possibilidade de problemas operacionais, como a duplicidade de informações. “Se esses sistemas não forem integrados, o maior receio é a existência de informações conflitantes, que poderão, por exemplo, causar uma perigosa insegurança entre os agentes participantes das operações policiais”, exemplificou Marivaldo Dantas.

A atualização das bases de dados dos sistemas de segurança pública do país é uma das metas que o CNJ coordena na Enasp. Além desta meta, o Conselho Nacional de Justiça também está com a responsabilidade de propor medidas que contribuam para a redução das prisões em delegacias. Cabe ao órgão, ainda, o acompanhamento dos tribunais para que as ações penais dos crimes de homicídio doloso (distribuídas até 2008) superem a fase de pronúncia, e que as ações distribuídas até 2007 sejam julgadas.

Enasp – Lançada em fevereiro de 2010, a Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp) foi criada para mapear, solucionar e julgar os crimes contra a vida não resolvidos até 2007. O programa é resultado de uma parceria entre o CNJ, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Ministério da Justiça e propõe ações coordenadas com vários órgãos de segurança para combater a violência.

A Resolução 137, do CNJ, uniformiza as informações que devem ser incluídas no banco. De acordo com o artigo 2º da resolução, cabe ao Conselho a criação e a manutenção do sistema, cujas informações estarão disponíveis na internet para o público em geral. O BNMP será disponibilizado na rede mundial de computadores, assegurado o direito de acesso às informações a toda e qualquer pessoa, independentemente de prévio cadastramento ou demonstração de interesse, sendo de responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça a sua manutenção e disponibilização.

Segundo o art. 3º, o mandado de prisão terá por objeto uma única pessoa e conterá dados como número do documento, nome e qualificação da pessoa procurada e sua fotografia, entre outros. A norma prevê também que eventuais solicitações de esclarecimentos sobre os dados constantes do BNMP devem ser encaminhadas diretamente ao órgão judiciário responsável pela expedição do mandado de prisão.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícia

Direito em movimento

Fabricante responde por carro que concessionária não entregou

Sidnei Beneti
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a fabricante de veículo deve responder solidariamente em processos movidos por consumidores que, embora pagando, não receberam o bem negociado com a concessionária. Os ministros basearam a decisão em precedente segundo o qual o sistema de comercialização de automóveis, por meio de concessionárias autorizadas, impõe a responsabilidade solidária entre o fabricante e o comerciante.

O recurso julgado na Terceira Turma foi apresentado por consumidora de São Paulo que fechou negócio para compra de um Fiat novo, dando seu veículo usado como parte do pagamento. Diz o processo que ela chegou a pagar R$ 19.800. No entanto, a concessionária encerrou as atividades e deixou de entregar vários carros, entre eles o da recorrente. A consumidora ingressou na Justiça contra a revendedora e ganhou, mas, como não recebeu o ressarcimento, decidiu acionar também a fabricante.

A juíza de primeira instância reconheceu a responsabilidade da Fiat Automóveis S/A, em sentença que, depois, veio a ser reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No julgamento da apelação interposta pela empresa, o tribunal considerou que o fato de a concessionária ser vinculada à marca “não implica solidariedade ampla e total da fabricante”.

Os desembargadores observaram que, “se um veículo é vendido e apresenta defeito ou o serviço da concessionária é prestado de forma deficiente, há solidariedade entre a concessionária e a montadora”, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No entanto, segundo eles, a fabricante não tem nenhuma interferência na administração da concessionária e não pode ser responsabilizada por um ato negocial “independente e exclusivo” praticado por esta última, como foi a venda do veículo. Por isso, o TJSP afastou a legitimidade da Fiat para figurar como ré na ação.

No recurso ao STJ, a consumidora afirmou que, ainda que ela não tivesse chegado a adquirir um produto da Fiat, a empresa deveria ter sua responsabilidade solidária reconhecida, pois o negócio lesivo foi feito com uma de suas concessionárias autorizadas – ou seja, com uma empresa escolhida pela fabricante para comercializar seus veículos.

O ministro Sidnei Beneti, relator do recurso, afirmou que a jurisprudência do STJ “tem se posicionado no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o comerciante de veículos”. Como precedente, citou decisão da Quarta Turma no recurso especial 402.356: “Considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo” – o que, inclusive, permite que a demanda seja direcionada contra qualquer um deles.

Em decisão unânime, a Terceira Turma acompanhou o voto do ministro Beneti para dar provimento ao recurso da consumidora e restabelecer a sentença de primeira instância que havia julgado procedente a ação contra a Fiat.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Criação de novos municípios

Acompanhei, à distancia, o julgamento da Adin da OAB/MA, em face da pretensão da Assembléia Legislativa de deflagrar o processo de criação de novos municípios. Confesso que me surpreendeu a decisão. Mas só nos resta respeitá-lá, na convicção de que os colegas que votaram contra a liminar o fizeram com esteio em judiciosos argumentos. Vamos aguardar o exame do mérito. O que NAO se pode é julgar os colegas que, soberanamente, entenderam NAO devesse ser concedida a liminar.

Do site Migalhas Jurídicas

Capacidade postulatória

Defensor público sem inscrição na OAB não pode advogar

O desembargador Marrey Uint, da 3ª câmara de Direito Público do TJ/SP, negou capacidade postulatória a um defensor público de Araraquara sem inscrição na OAB. O magistrado considerou obrigatória a inscrição para o profissional atuar em juízo.

Em despacho de 19/8, o magistrado julgou nula a capacidade postulatória do profissional em apelação movida pela Fazenda do Estado e pela Prefeitura de Araraquara. O recurso contesta sentença em ação sobre direito a tratamento médico e distribuição grátis de medicamentos, que tem Frederico Teubner como defensor público.

O desembargador Uint determinou que a Defensoria Pública do Estado de SP nomeasse novo defensor público para o caso, inscrito na OAB. Caso isso não ocorra, a OAB deverá ser informada e nomear um advogado integrante do Convênio de Assistência Judiciária com o governo estadual.

Uint questionou uma recente decisão da 2ª Câmara de Direito Privado, classificando-a como “incidental”, em que a turma julgadora reconheceu capacidade postulatória a um defensor público não inscrito na OAB, em ação movida por um advogado de Araçatuba.

Em sua decisão, o desembargador afirmou que o cargo de defensor público é privativo de advogado, pois exerce efetivamente atividade advocatícia, assim como os demais advogados públicos.

“O Estatuto da Advocacia (lei Federal 8.906/94 – clique aqui) não deixa dúvidas, todo advogado público deve ser inscrito na OAB para exercer seu múnus público. Se, porventura, um defensor pedir baixa de sua inscrição na Ordem, deve ser afastado imediatamente, pois perdeu sua capacidade postulatória, privativa dos advogados, e todos os seus atos podem ser considerados nulos, em prejuízo do jurisdicionado”, disse o presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, que comentou a decisão.

Confira abaixo a íntegra da decisão.

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Vistos.

Segundo informa a Seccional Paulista da OAB, através do Ofício Circular CP 732/11, alguns Defensores Públicos solicitaram a baixa de suas inscrições na entidade com intuito de obstarem a cobrança de anuidade, por entenderem que tal vinculação é desnecessária ao desempenho de suas funções, valendo-se para tanto do § 6º, do artigo 4º da Lei Complementar nº 80/94, que dispõe o seguinte: “A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público” (Art. 4º, § 6º da Lei Complementar nº 80/94, incluído pela Lei Complementar nº 132/2009).

Pondera que o cargo de Defensor Público é privativo de advogado, sendo certo, então, que a inscrição nos quadros da entidade constitui-se em condição para posse no cargo, ao passo em que seu cancelamento pode dar ensejo ao exercício ilegal da profissão. A Defensoria Pública, por sua vez, também encaminhou expediente de caráter geral, consubstanciado no Ofício SGPDOC nº 32974/2011, onde defende a posição de seus membros e a legalidade do ato de desligamento da OAB. Da mesma forma, a Associação Paulista dos Defensores Públicos APADEP divulgou nota oficial justificando a conduta dos seus pares.

Considerando que compete ao Magistrado, guardião do Devido Processo Legal, presidir o processo, valendo-se para tanto de seus poderes, inclusive do poder geral de cautela, nos termos dos artigos 125, 126 e 798 do CPC, e tendo em vista que neste feito o Defensor Frederico Teubner de Almeida e Monteiro cancelou sua inscrição na OAB, contrariando, então a necessidade de representação em juízo mediante advogado legalmente habilitado, conforme disposto no art. 36 do CPC, cabe-me proferir decisão para que o feito tenha o seu regular prosseguimento, o que faço pelas razões a seguir deduzidas: Assim como os Procuradores das Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno, os Defensores Públicos também são advogados, logo, compete à OAB, na qualidade de entidade da classe respectiva, fiscalizar e qualificar o desempenho desses profissionais, seus filiados. Nesse sentido, o § 1º do art. 3º do Estatuto da OAB Lei Federal nº 8.906/94, verbis: “Art. 3º, § 1º – Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”. (grifei) Note-se que o acima disposto não implica em ofensa à independência funcional da Defensoria Pública, assegurada constitucionalmente pelo art. 134, § 2º da Constituição Federal.

Contudo, por exercerem efetivamente atividade advocatícia, assim como os demais advogados públicos, os defensores são regidos por um duplo regime, composto por regras previstas tanto na regulamentação de sua profissão como no estatuto da advocacia, que uma vez integradas funcionam como um microssistema jurídico. Afinal, a Lei 8.906/94, que regulamenta a profissão de advogado, nem de longe contraria a Lei Complementar nº 80/94, responsável por regular a Defensoria Pública, não havendo então que se falar em antinomia ou hierarquia entre tais normas, sendo pacífico o convívio entre ambas por respeitarem cada qual seu respectivo âmbito de atuação, evidenciada sua compatibilidade material. Não à toa, pois, que a Lei Complementar nº 80/94, criada com a missão de organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, bem como prescrever normas gerais para sua organização nos Estados, exige do candidato ao cargo de Defensor Público a sua inscrição pessoal no quadros da OAB: “Art. 26 – O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga. (…) § 2º – Os candidatos proibidos de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse no cargo de Defensor Público”.(grifei) É dizer que além da prévia aprovação em concurso, o ingresso na carreira da Defensoria Pública está condicionado a outras exigências, com destaque para a necessidade de regular registro do candidato na OAB. Em que pese tal comando constar de dispositivo da Lei Complementar nº 80/94 no capítulo referente à carreira da Defensoria Pública da União, o mesmo se aplica às demais Defensorias do Estado brasileiro.

Afinal, a Defensoria Pública deve ser compreendida como um só órgão, composto pela Defensoria Pública da União, as dos Estados e a do Distrito Federal, em atenção ao Princípio Institucional da Unidade. Ainda sobre a mesma Lei, ora “in examine”, digno de nota é apontar para o aparente conflito nela contida, pois, ao mesmo tempo em que dispõe em seu art. 4º, §6º, que a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua investidura no cargo também estabelece a inscrição junto à OAB como pré-requisito indispensável para que tal ato de provimento se confirme (art. 26 da Lei nº 80/94). A pseudo contradição, contudo, não existe, porquanto a capacidade postulatória decorrente do §6º, do art. 4º refere-se à desnecessidade de o defensor público receber procuração para representar em juízo.

Basta a sua identificação, ao contrário dos advogados que precisam de mandato expresso. Acrescente-se, ainda, que entender que uma única frase da lei (LC nº 80/94) seja capaz de isentar o defensor da filiação obrigatória denota percepção simplória do ordenamento jurídico, chocando-se com as mais básicas regras de hermenêutica. Afinal, a literalidade da lei nem sempre condiz com seu real alcance, de tal modo que, antes de aplicar uma norma constante de um diploma legal, deve o operador do direito esgotar a leitura e compreensão das demais disposições legais que a acompanham. É a chamada interpretação sistemática, que para Savigny “refere-se à conexão interna que congrega todos os institutos e regras jurídicas em uma grande unidade”, de tal forma que uma norma singular não existe isoladamente, mas sim dentro de um contexto de preceitos jurídicos.

Sobre o assunto, vale trazer a lição de Luís Roberto Barroso, para quem “não é possível compreender integralmente alguma coisa seja um texto legal, uma história ou uma composição sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem a compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema é vital”. (Interpretação e Aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, 7ª edição, 2009, p. 140). No mesmo sentido, ao equiparar o Princípio da Unidade da Constituição à Interpretação Sistemática, o professor Virgílio Afonso da Silva, traduzindo passagem do jurista e filósofo alemão Karl Larenz, formula o seguinte: “As normas jurídicas não pairam umas ao lado das outras de forma desvinculada, mas estão em múltipla conexão entre si. Assim, as regras que formam o direito da compra e venda, o direito de locação ou o direito hipotecário fazem parte de um regramento coordenado, que se baseia em determinados pontos de vista diretivos.

(…) Desse modo, a interpretação de uma norma deve levar em consideração a conexão de sentidos, o contexto, a localização sistemática da norma e sua função no contexto geral do regramento em questão”. (Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodológico, in Interpretação Constitucional, Ed. Malheiros, p.126 )

Com efeito, além da interpretação sistemática, “in casu”, e como já dito, o próprio Estatuto da Defensoria prevê disposição que exige a inscrição de seus membros no Órgão de Classe, de modo que prestigiar isoladamente o art. 4º, §6º é fazer “letra morta” do art. 26 da Lei Complementar nº 80/94, o que não faz o mínimo sentido no contexto geral da norma. Ainda no que concerne à obrigatoriedade de inscrição na OAB, cumpre ressaltar que a proposta original da Lei Complementar nº 132/2009, que modificou a redação primeira do Estatuto dos Defensores Públicos, previa, em seu art.16, a exclusão da inscrição do defensor público na OAB, bem como supressão do seu § 2º.

Contudo, tais mudanças foram vetadas pelo Presidente da República, sob o seguinte argumento: “O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro é condicionado à inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Por sua vez, a atuação da Defensoria Pública, nos termos da Constituição, ocorre mediante o exercício da atividade de advocacia. Dessa forma, ao excluir a referida inscrição dos requisitos exigidos dos candidatos participantes no concurso de ingresso na Carreira da Defensoria Pública da União, o projeto afronta a sistemática vigente, abrindo a possibilidade para que bacharéis em direito exerçam a advocacia, independentemente de aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil, daí a necessidade de veto à alteração proposta para a redação do art. 26 da Lei Complementar no 80, de 1994 e do art. 16 do projeto de lei, cujo texto revoga o § 2o do artigo mencionado. Impõe-se, em consequência, o veto ao art. 16, a fim de se manter a vigência do § 2o do art. 26, bem como do § 2o do art. 71, em vista de sua conexão temática.”(Mensagem de veto nº 802/2009, encaminhado pelo Exmo. Sr. Presidente da República ao Presidente do Senado Federal).

Ora, como pode o operador do direito, valendo-se de mera interpretação literal de dispositivo de lei (§6º, do art. 4º da Lei Complementar 80/94), ignorar a exegese sistemática, o processo legislativo constitucional e com ele as razões do próprio veto acima expostas, para tentar restabelecer a idéia de que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos independe de vinculação à OAB, em completa afronta à ordem vigente?! É interpretação no mínimo egocêntrica, pois o artigo 97 da Lei Complementar Estadual nº 988/2006, que organiza a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, estabelece expressamente: “Art. 97 – São requisitos para a posse: I – Inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil; (…)”.

Aliás, além de referido diploma estadual exigir do candidato aprovado a sua inscrição pessoal no quadros da OAB para fins de posse, importante ainda ressalvar que, ao contrário da Lei Complementar Federal nº 80/94, a Lei da Defensoria Pública Bandeirante (Lei Complementar nº 988/2006) não cogita da possibilidade da capacidade postulatória do defensor derivar tão somente de sua investidura no cargo, o que, mais uma vez, corrobora com o entendimento até aqui exposto, sustentando a imprescindibilidade do registro do membro da Defensoria Pública nos quadros da OAB, como forma de legitimar o regular exercício de sua função. Não bastasse, para extirpar qualquer resquício de dúvida, vale lembrar, ainda, o que preceitua o texto constitucional a respeito:

“Art. 133 – O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. §1º – Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”. (grifei)

Como sabido, a Constituição não se ocupa de palavras inúteis e desnecessárias; assim, quando o §1º, do art. 134, da Lei Maior, veda o desempenho das atividades próprias da advocacia privada, pelos membros da Defensoria Pública, inegavelmente está o legislador constituinte a se referir ao Defensor Público como verdadeiro Advogado que é, dos necessitados, sendo a limitação que lhe é imposta decorrente do regime jurídico da função e da exclusividade obrigatória.

Em suma, tem-se que além do regime próprio a que se subordinam, os Defensores Públicos sujeitam-se também ao Estatuto da Advocacia, devendo, por conseguinte, observar a necessidade da inscrição pessoal para atuarem, sob pena de seus atos serem considerados nulos, conforme preceitua o art. 4º daquele estatuto. Por sinal, essa também é a inteligência do Código de Processo Civil que, em seus artigos 36 e 37, prevê a obrigatoriedade da representação da parte em juízo, mediante advogado legalmente habilitado, seja ele público ou privado, entendendo-se por advogado legalmente habilitado, aquele que se encontra inscrito no quadro da Entidade de Classe dos Advogados, conforme preceitua o art. 3º, “caput” do Estatuto da Advocacia.

Observe-se, também que o “caput” do art. 20 do CPC, inserido em capítulo referente às despesas processuais, preceitua que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Tais honorários, decorrentes da sucumbência e privativos dos advogados, também são concedidos à própria Defensoria Pública nas ações em que obtêm êxito, o que só comprova a natureza de sua atividade, constituindo-se, ainda, em verba orçamentária (art. 4º, XXI, da Lei Complementar nº 80/94 e art. 8º, III da Lei Complementar Estadual nº 988/2006). Sobre o tema, aliás, a Justiça Federal já teve a oportunidade de se manifestar, afirmando na oportunidade o seguinte:

“(…) A questão posta em discussão, nessa via recursal, diz respeito à obrigatoriedade ou não da inscrição dos Defensores Públicos Estaduais nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil/MS.
Do exame do presente recurso, não verifico, de pronto, a plausibilidade de direito nas alegações da agravante a justificar o deferimento da providência requerida. Isso porque, o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal estabelece que: ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. Por outro lado, o §1º, do art. 3º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) estabelece expressamente que: ‘Art. 3º – O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). § 1º – Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Art. 4º – São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas’. Portanto, ante a previsão expressa do dispositivo legal supracitado, conclui-se pela obrigatoriedade da inscrição dos advogados públicos na OAB, aí inseridos os Defensores Públicos, como ocorre no caso em exame”. (Agravo de Instrumento nº 0034212-76.2010.4.03.0000/MS, Rel. Des. Alda Basto, TRF da 3ª Região, j. em 26.11.2010 )

Portanto, por qualquer ângulo que se enfoque e ao contrário do que a Defensoria Pública quer fazer crer, a inscrição dos Defensores Públicos nos quadros da OAB não é medida facultativa, mas condição essencial para o exercício do cargo.

E nem se diga, por fim, que o julgamento da 2ª Câmara de Direito Privado desta Corte, que aceitou a capacidade postulatória dos Defensores Públicos, independentemente de inscrição pessoal na OAB, deva ser observado, afinal, em que pese os seus nobres argumentos, referida decisão ainda não pode ser considerada um precedente em sua essência, haja vista ter sido exarada em caráter incidental, quando tinha por matéria de fundo assunto diverso. Prova disso é que, no âmbito desta mesma Corte, foi proferida decisão pelo eminente Des. Jacob Valente, da 12ª Câmara de Direito Privado, no mesmo sentido do ora adotado.

Em face do exposto, e diante da atual situação do representante do Apelado, conforme consulta eletrônica anexa, oficie-se à Defensoria Pública do Estado de São Paulo para que indique novo defensor regularmente inscrito nos quadros da OAB Seção de São Paulo, no prazo de 05 (cinco) dias. Escoado o prazo sem indicação, oficie-se à OAB – Seccional de São Paulo para que nomeie advogado participante do Convênio de Assistência Judiciária.

Regularizados os autos, tornem conclusos.

São Paulo, 19 de agosto de 2011.

Marrey Uint Relator


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Hans Kelsen

Autobiografia do jurista Hans Kelsen é lançada no STF

Organizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, juntamente com seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, a obra “Autobiografia de Hans Kelsen” foi lançada hoje na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do STF, em Brasília. O livro, publicado pela Editora Forense, celebra o centenário da “Teoria Pura do Direito”, de Kelsen, bastante conhecida no meio jurídico.
O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, abriu o evento ressaltando a importância de Hans Kelsen, que “influiu profundamente na história o no pensamento jurídico ocidental” com a obra que criou a Teoria Pura do Direito.
Em seguida, em seu discurso, o ministro Dias Toffoli ressaltou que, na obra, o leitor terá contato com “elementos pitorescos”, como o fato de Hans Kelsen ter terminado seus últimos 20 anos de vida lecionando numa faculdade de ciências sociais no oeste norte-americano (EUA). O leitor também poderá vivenciar as impressões que Hans Kelsen teve de suas primeiras aulas de direito: “as primeiras aulas que assisti na Faculdade de Direito e Ciência Política da Faculdade de Viena, causaram-me amarga decepção”.
Dias Toffoli informou que a obra “fará compreendermos muito do que Kelsen desenvolveu”. Também possibilitará, segundo o ministro, conhecer as razões que levaram o jurista a desenvolver a sua Teoria Pura do Direto, “as suas origens e aqueles que contribuíram para a formação dessa teoria”.
Hans Kelsen nasceu em 1881 na cidade de Praga e graduou-se em Direito pela Universidade de Viena, em 1906, onde foi professor aos 30 anos. Exerceu a magistratura na Corte Constitucional da Áustria e emigrou para os Estados Unidos, em 1940, tornando-se professor de Ciência Política da Universidade de Berkeley.
As anotações do ministro Dias Toffoli e do professor Otavio Luiz Rodrigues Junior integram um estudo introdutório de 45 páginas do livro (“Hans Kelsen, o Jurista e suas Circunstâncias”), que traz parte da história da vida de Kelsen, já que a autobiografia foi escrita em 1947, quando ele tinha 66 anos. O jurista faleceu em 1973, aos 91 anos de idade. A introdução, portanto, acrescenta fatos que não são narrados pelo próprio autor.
KK/EH

Carta de Calandra

ASCOM/AMB
23.08.2011  20:39
Estado de S. Paulo publica carta do Presidente da AMB

O Jornal ‘O Estado de S. Paulo’ publicou, no dia 15 de agosto, na seção “Notas & Informações”, carta assinada pelo Presidente da AMB, Nelson Calandra.

A mensagem de Calandra é uma resposta ao editorial “Corrupção na Justiça”, publicado pelo veículo, quatro dias antes, e que aponta desvios no Poder Judiciário, baseado em um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Dedo apontado para irregularidades não julgadas em definitivo pelo CNJ, e muito menos pelo Supremo, é uma violação que fragiliza o Estado de Direito”, aponta Calandra em sua nota.