Informações em face de habeas corpus, com reflexões sobre a supressão de instância

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“[…]Tenho entendido – e nem me importo de ser minoria – que aquele que pratica crime violento – ou com ameaça de violência -, sobretudo se essa violência é exercida com emprego de arma, não faz por merecer, em princípio, a sua liberdade provisória.

Nessa linha de pensar, é preciso convir, inobstante, que, como consignei acima, cada caso deve ser analisado a partir de suas peculiaridades, daí que, na minha avaliação, não faz sentido a opção feita pelo paciente de suprimir a instância […]”

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

Cuidam-se de informações, em face de habeas corpus.

Em determinado fragmento questionei a supressão de instância, nos termos abaixo, verbis:

  1. Antes de deter-me na ratio do mandamus, importa gizar, preliminarmente, que a paciente, ao invés de postular, neste juízo, a sua liberdade provisória, caminho que era de se esperar que trilhasse, agitou, de logo, o writ sub examine, em instância superior.
  2. O paciente, assim agindo, colocou em movimento um gravíssimo precedente – supressão de instância -, que precisa, sem demora, ser expungido do nosso meio; absurdo que deve ser combatido, com veemência, afinal não se pode, ao talante das partes interessadas, subtrair um julgamento do seu juiz natural.
  3. Se assim não for, data vênia, logo, logo os juízes de primeira instância não mais decidirão sobre a liberdade ou prisão dos acusados que respondam a processo sob a sua jurisdição, o que, releva grafar, é um absurdo, pra dizer o mínimo.
  4. E, reconheçamos, ninguém melhor que o juiz condutor do feito para saber da necessidade, ou não, de manter-se preso determinado acusado – desde que, claro, não esteja a se deparar com uma flagrante ilegalidade, mesmo porque, tenho dito e redito, a ninguém é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio.
  5. A impetrante, reitero, antes de agitar o writ na segunda instância, deveria, sim, buscar alcançar, no juízo singular, no juízo natural, a liberdade provisória do paciente.

A seguir, as informações, por inteiro: Continue lendo “Informações em face de habeas corpus, com reflexões sobre a supressão de instância”

“Quero as minhas mãos de volta”

Quem se limita às informações veiculadas na televisão, nas revistas semanais e nos jornais impressos, certamente não tem noção dos horrores de uma guerra. Um bom filme e um bom livro podem traduzir, sim, a dimensão e as consequências de uma guerra

Recentemente, li o livro de Asne Seierstad – 101 dias em Bagdá – acerca da invasão americana ao Iraque. Comoveu-me sobremaneira a história de Ali, que perdeu a familia e os braços, em face de um míssil americano.

É esse excerto do livro que vou transcrever a seguir, para que, juntos, reflitamos sobre a estupidez de uma querra.

“[..] Num quarto do terceiro piso está Ali. O mundo desse rapaz de 12 anos ficou reduzido a estas quatro paredes, um lençol, um cobertor de poliéster sujo e uma toalha. Está deitado numa cama e por dele foi construída uma armação de ferro, sobre a qual há um cobertor marrom e branco. Ali precisa de ar em volta do corpo, nada deve tocar diretamente. Ao seu lado está Jamila, sua tia. Espanta as moscas sem cessar para evitar que pousem sobre as queimaduras.

A barriga e o peito do rapaz estão cheios de crostas vermelhas, marrons, amarelas, negras e brancas. Toda sua pele, da cabeça até o quadril, sofreu lesões quando um míssil atingiu a sua casa.

– O estado dele é crítico – disse o chefe da equipe médida. – Trinta e cinco por cento do corpo tem queimaduras de terceiro grau. Bem, do que resta do seu corpo. Se ainda tivesse os braços, as queimaduras afetariam praticamente 50% do corpo. Se ficar aqui, irá, com certeza, morrer – prosseguiu o médico em iglês – Aí, as infecções…

O míssil atingiu a casa de Ali dez dias antes, no meio da noite. A mãe – grávida de cinco meses -, o pai e o irmão mais novo morreram na mesma hora. O cobertor da cama de Ali pegou fogo e os seus braços ficaram de tal maneira queimados que foi necessário amputá-los. Era o único sobrevivente da família.

Estamos a alguns metros de distância sem saber o que dizer. É Ali quem rompe o silêncio.

-Quero as minhas mãos de volta.

A sua voz é fraca, um pouco perturbada. Os lábios tremem ligeiramente ao falar. O rapaz tem fortes dores e no hospital não há análgésicos suficientes. Os pensamentos devem ser mais dolorosos que as feridas.

– Todos morreram. A minha mãe, o meu pai, o meu irmão mais novo e todos os amigos da rua. Destruíram quatro casas – conta Ali. – Não quero mais voltar para lá, não sobrou nada.

Fica calado novamente, não tem forças para continuar a falar. Pede à tia que lhe cubra o corpo queimado com uma toalha para que ele não veja a si mesmo. Embora os braços tenham desaparecido, as dores e os pensamentos permanecem.

-Poderei ter mãos de novo? Pergunta Ali uma última vez[…]”

Não foi possível ler essa passagem do livro e conter as lágrimas.

Ali é apenas mais um das vítimas inocentes dos que usam – e abusam – do poder, fingindo exerce-lo em nome do povo.

Judiciário: a auto-defesa

Li no blog do Ricardo Noblat

http://oglobo.globo.com/pais/nOblat/

O que o brasileiro mais reclama do Judiciário é lentidão e falta de acesso. Por isto, juizados especiais e justiça do trabalho são sempre os melhores avaliados.

Mas, paradoxalmente, a agilidade só será obtida se antes for coibido o excesso de acessibilidade de uns. Hoje, uns tem acesso demais. Outros de menos. Ou nenhum.

O Superior Tribunal de Justiça, presidido por Cesar Asfor, na 4ª Turma integrada por Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho, João Otávio Noronha e Luiz Felipe Salomão, aplicou multa por procrastinação ou litigância de má-fé em 20% dos processos julgados. Alto percentual, provavelmente pioneiro. Aponta para um caminho possível.

Usar a Justiça é diferente de abusar da justiça. Quando, o fisco ou concessionárias de serviço público, com milhões de consumidores, propõem ações e recursos temerários ou protelatórios que engarrafam a justiça, a auto-defesa do Judiciário se impõe.

Os que assim abusam seguem lógica financeira. É melhor proliferar ações e recursos e perder, do que reconhecer o direito do consumidor ou contribuinte e pagar logo. Ganhar ou perder não importa. Importa é adiar. É financiar a ilegalidade potencial. A lógica do contencioso abusivo é transformar o judiciário no financiador a médio prazo da ilegalidade provável.

Nesta estratégia contenciosa, sobra para o consumidor/contribuinte quem no fundo com seus impostos paga os custos do juiz, escrivão, tribunais. Ao se auto-defender, o juiz se alia ao consumidor e ao contribuinte. E se legitima, a si e a democracia.

Esta auto-defesa somente será possível, se impossível for a parte abusante de calcular quanto ganhará. Se for introduzido pelo juiz um fator de imprevisibilidade financeira. Além de multa, outro fator seria o dano moral. Sempre incalculável de antemão.

Conforme Ancelmo Gois, o STJ agora editou súmula onde devoluções indevidas de cheques por bancos, geraram danos morais ao correntista. A força dissuasiva do dano moral é sua imprevisibilidade financeira. Ajuda a desobstruir a justiça.

Danos morais, também podem ser impostos inclusive ao fisco, quando colocam nome de contribuinte no Serasa ou nos serviços de proteção ao crédito, equivocada ou açoidadamente.

O problema jurídico, é que ao impor uma multa a uma petição abusiva do governo, quem acaba em geral pagando por este abuso é o contribuinte. A lei já prevê responsabilização de quem praticou a política de abuso judicial.

O Código Penal define como crime “Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido”. A responsabilização é pois do fiscal, do procurador, ou responsável imediato pelo abuso. E não apenas o governo. Ou pelo menos, os dois.

A Quarta Turma do STJ presta enorme serviço ao fixar jurisprudencialmente uma tipologia para aplicar multas: recursos contra súmulas, recursos contra decisões repetitivas, e recursos contra jurisprudência pacificada.

O caminho é este. Bom ativismo judiciário. Ou bom protagonismo do Poder Judiciário, como ensinou e prefere assim denominar, na FGV Direito Rio, o Min. Ricardo Lewandoski.

Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio