Informações em face de habeas corpus, com reflexões sobre a supressão de instância

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“[…]Tenho entendido – e nem me importo de ser minoria – que aquele que pratica crime violento – ou com ameaça de violência -, sobretudo se essa violência é exercida com emprego de arma, não faz por merecer, em princípio, a sua liberdade provisória.

Nessa linha de pensar, é preciso convir, inobstante, que, como consignei acima, cada caso deve ser analisado a partir de suas peculiaridades, daí que, na minha avaliação, não faz sentido a opção feita pelo paciente de suprimir a instância […]”

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

Cuidam-se de informações, em face de habeas corpus.

Em determinado fragmento questionei a supressão de instância, nos termos abaixo, verbis:

  1. Antes de deter-me na ratio do mandamus, importa gizar, preliminarmente, que a paciente, ao invés de postular, neste juízo, a sua liberdade provisória, caminho que era de se esperar que trilhasse, agitou, de logo, o writ sub examine, em instância superior.
  2. O paciente, assim agindo, colocou em movimento um gravíssimo precedente – supressão de instância -, que precisa, sem demora, ser expungido do nosso meio; absurdo que deve ser combatido, com veemência, afinal não se pode, ao talante das partes interessadas, subtrair um julgamento do seu juiz natural.
  3. Se assim não for, data vênia, logo, logo os juízes de primeira instância não mais decidirão sobre a liberdade ou prisão dos acusados que respondam a processo sob a sua jurisdição, o que, releva grafar, é um absurdo, pra dizer o mínimo.
  4. E, reconheçamos, ninguém melhor que o juiz condutor do feito para saber da necessidade, ou não, de manter-se preso determinado acusado – desde que, claro, não esteja a se deparar com uma flagrante ilegalidade, mesmo porque, tenho dito e redito, a ninguém é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio.
  5. A impetrante, reitero, antes de agitar o writ na segunda instância, deveria, sim, buscar alcançar, no juízo singular, no juízo natural, a liberdade provisória do paciente.

A seguir, as informações, por inteiro:

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Poder Judiciário

Fórum da Comarca de São Luis

Juízo da 7ª Vara Criminal

São Luis – Maranhão

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Ofício 206/2009-GJD7VC São Luis,02 de setembro de 2009

Excelentíssimo senhor

Desembargador Mário Lima Reis

Relator do hc nº 24193/2009-São Luis(Ma)

Impetrante: Amanda Valéria Almeida Pires

Paciente: Raimundo Santos Pereira

Ser e parecer, eis a questão [1]

“[…]O juiz pode, com efeito, passar pouco tempo na comarca e produzir muito, como pode, noutro giro, nela fixar residência e nada produzir.

Da mesma forma, o magistrado pode se deslocar ao Fórum todos os dias, pela manhã e pela tarde, e pouco produzir, como pode, permanecendo em casa, produzir muito.

Compreendo, pelo sim e pelo não, que o correto mesmo é morar na comarca e ir ao Fórum todos os dias, pela manhã e pela tarde.

É necessário, ademais, que a Corregedoria acompanhe, com rigor, a produtividade dos juízes e tempo em que permanecem na comarca.

É que, na minha avaliação, não basta o juiz trabalhar, é preciso parecer, também, que trabalha.

A presença do magistrado na comarca, full time, e no Fórum, também em tempo integral, deixa transparecer, aos olhos da opinião pública, que, efetivamente, trabalha.

O ideal, pois, na minha avaliação, é que o juiz fixe residência na comarca – e trabalhe. O correto mesmo, desde meu olhar, é que o juiz se desloque para o seu local de trabalho, pela manhã e pela tarde – e que trabalhe.

Não basta apenas ir à comarca. Não basta apenas ir ao Fórum. É preciso, nos dois casos, que o magistrado produza. Noutras palavras: não basta ao magistrado ser trabalhador. É preciso que, no mesmo passo, pareça trabalhador.

Não há nada mais desgastante para imagem do Poder Judiciário que a ausência do magistrado no seu local de trabalho.

Pega mal, muito mal mesmo, o cidadão procurar um juiz no Fórum, seja da Capital, seja do interior, e não o encontrar.

O juiz que só permanece na sua comarca 3(três) dias na semana, 12 dias no mês, pode até ser trabalhador, mas não parece.

O juiz que só permanece na comarca terças, quartas e quintas-feiras, que chega ao fórum às 10 horas da manhã, que não vai ao Fórum, como regra, no período da tarde, pode até ser trabalhador, mas, aos olhos dos jurisdicionados, não parece[…]”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

01.00. Colho o presente para prestar a Vossa Excelência as informações que me foram requisitadas, em face do mandamus epigrafado.

02.00. Da ratio essendi do writ apanho os seguintes fragmentos:

I – que foi preso em flagrante no dia 06 de junho do corrente – e preso continua – por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Código Penal;

II – que os objetos roubados foram de valor insignificante;

III – que, em liberdade, não se constitui numa ameaça à sociedade;

IV – que a custódia antecipada só em casas excepcionais;

V – que o direito à liberdade é a regra e a prisão, exceção.

03.00. Antes de deter-me na ratio do mandamus, importa gizar, preliminarmente, que a paciente, ao invés de postular, neste juízo, a sua liberdade provisória, caminho que era de se esperar que trilhasse, agitou, de logo, o writ sub examine, em instância superior.

04.00. O paciente, assim agindo, colocou em movimento um gravíssimo precedente – supressão de instância -, que precisa, sem demora, ser expungido do nosso meio; absurdo que deve ser combatido, com veemência, afinal não se pode, ao talante das partes interessadas, subtrair um julgamento do seu juiz natural.

04.01. Se assim não for, data vênia, logo, logo os juízes de primeira instância não mais decidirão sobre a liberdade ou prisão dos acusados que respondam a processo sob a sua jurisdição, o que, releva grafar, é um absurdo, pra dizer o mínimo.

04.01.01. E, reconheçamos, ninguém melhor que o juiz condutor do feito para saber da necessidade, ou não, de manter-se preso determinado acusado – desde que, claro, não esteja a se deparar com uma flagrante ilegalidade, mesmo porque, tenho dito e redito, a ninguém é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio.

05.00. A impetrante, reitero, antes de agitar o writ na segunda instância, deveria, sim, buscar alcançar, no juízo singular, no juízo natural, a liberdade provisória do paciente.

05.01. Todavia, por razões que desconheço, procurou alcançá-la por outra via que não a previamente estabelecida.

05.01.01. E não se argumente que nesta vara não se conceda liberdade provisória aos roubadores, para justificar as razões da via eleita.

05.01.02. Nesta vara, todos sabem, apesar do rigor com que trato essas questões, analiso cada caso a partir de suas peculiaridades – e não poderia ser diferente, pois, afinal, magistrado não pode – nunca, sob qualquer pretexto – ser confundido com justiceiro.

06.00. Feita a digressão, o que posso dizer, agora, em face do mandamus, a guisa de informações, é que o paciente se acha preso, sim, em razão de decisão de um juiz monocrático, ou seja, em razão da homologação da sua prisão em flagrante (doc.01).

07.00. O que posso dizer, ademais, é que o paciente foi denunciado neste juízo por crimes de roubo, qualificados pelo emprego de arma branca e em concurso material (doc.02).

08.00. Da denúncia pode-se ver que o paciente, no mesmo dia, praticou três assaltos, em desfavor de Luzinete Pires Costa, Elieth Cristina Lobato e Antonio Rodrigues Lima, todos eles (os roubos) com a utilização de arma branca, para quebrantar a resistência dos ofendidos (cf. doc.02)

09.00. Da proemial destaco, para ilustrar, os seguintes fragmentos, só a guisa de reforço.

10.00. Primeiro, a síntese dos crimes praticados, verbis:

Noticiam os autos do inquérito policial em epígrafe que na data de 06 de junho de 2009, por volta das 09h00, na estrada do Gapara, o denunciado praticou crimes de roubo em desfavor de Luzinete Pires Costa, Elieth Cristina Lobato e Antonio Rodrigues Lima.

Conforme restou apurado, o denunciado, armado com uma faca, posicionou-se junto ao buraco de um muro localizado na Av. Sabiá, com o objetivo de assaltar os transeuntes que por ali passavam.

11.00. Agora, o ataque à primeira vítima, literris:

A primeira vítima dessa empreitada criminosa foi a sra. Luzinete Pires Costa que, ao retornar da feita onde fora fazer compras, foi surpreendida pelo denunciado, o qual, empunhando uma faca, segurou-a pelo braço e ordenou que entregasse o celular. Luzinete, contudo, conseguiu desvencilhar-se e correr, impedindo, assim, a consumação do roubo.

12.00. A seguir, segundo crime praticado, literris:

Logo em seguida, ainda posicionado no mesmo local, o denunciado veio a surpreender o ciclista Antonio Rodrigues, o qual sob ameaça de uma faca, teve que entregar o seu relógio ao assaltante.

13.00. Agora, o último ilícito imputado ao paciente, verbis:

A terceira vítima foi a Sra. Elieth Cristina Lobato Araújo, que também passava por aqueles imediações. Desse vez Raimundinho utilizou-se de violência física puxando-a pelos cabelos e exigindo a entrega do celular. Diante da resistência da ofendida, o denunciado apossou-se de uma sacola de compras e da quantia de R$ 10,00 que tinha em mãos.

10.00. Finalmente, a menção ao concurso de crimes, verbis:

A conduta do denunciado configura o crime de roubo qualificado pelo emprego de arma na forma do concurso material de crimes, posto que, mediante mais de uma ação, chegou a praticar três delitos idênticos contra três vítimas distintas, sendo que um destes não chegou a se consumar.

11.00. Não bastasse a gravidade dos três roubos praticados – à luz da denúncia, claro – o paciente, impende anotar, responde a mais duas ações penais públicas –

uma na 5º Vara Criminal ( processo nº 221432006) e outro na 11ª Vara Criminal (processo nº 281182008) -,

a deixar transparecer que, em liberdade, diferente do que alega no writ, pode, sim, se constituir numa ameaça à ordem pública.

12.00. Os crimes que teriam sido praticados pelo paciente, não se pode obscurecer, são crimes que se caracterizam pelo ferrete da violência – ou da ameaça de violência.

13.00. Compreendo, pedindo vênia aos que discordam de minhas posições, que, diante de crimes desse matiz, não se pode tergiversar.

13.01. É preciso, pois, em face da gravidade dos crimes e da perigosidade do agente, agir com o necessário rigor, o que não se significa, necessariamente, a manutenção da prisão provisória, conquanto seja a mesma recomendável.

14.00. Tenho entendido – e nem me importo de ser minoria – que aquele que pratica crime violento – ou com ameaça de violência -, sobretudo se essa violência é exercida com emprego de arma, não faz por merecer, em princípio, a sua liberdade provisória.

14.01. Nessa linha de pensar, é preciso convir, inobstante, que, como consignei acima, cada caso deve ser analisado a partir de suas peculiaridades, daí que, na minha avaliação, não faz sentido a opção feita pelo paciente de suprimir a instância .

15.00. Essas, Excelência, as informações, em face do writ epigrafado.

16.00. Coloco-me, agora, à disposição de Vossa Excelência, para qualquer informação adicional, subscrevo-me,

Atenciosamente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


[1] Esta e outras crônicas você encontra o meu blog – www.joseluizalmeida.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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