Condenação com base em prova administrativa

Na sessão da 1ª Câmara Criminal, da última terça-feira, fui voto vencido numa apelação, em face do crime de roubo.

No voto-vista, demonstrei, com todas as letras, que não havia prova judicializada apontando o apelante como autor do crime.

Deixei consignado, ademais, que, conquanto estivesse a vítima na sala das audiências com o acusado, ao tempo da instrução, o juiz e o representante do Ministério Público se preocuparam em fazer o reconhecimento do acusado; e bastava, para tanto, que fosse indagado da ofendida se aquele cidadão, colocado à sua frente, tinha, ou não, participado do crime.

A despeito dessa gravíssima omissão, o acusado foi condenado e a decisão mantida em segundo grau. E, o que é mais grave, com base, exclusivamente, em provas produzidas em sede administrativa, numa total e flagrante afronta aos mais comezinhos princípios que disciplinam a espécie.

Um dos argumentos que serviu de base para manutenção da decisão de primeiro grau foi  que o acusado tinha o passado de crimes, numa invocação perigosa do Direito Penal do autor. 

Eu ainda fiz ver aos meus pares que o réu deve ser julgado pelo que fez, em face do fato que praticou e não em razão do que é ou do que tenha feito no passado.

Nada disso adiantou! A decisão de primeiro grau foi mantida. Fui vencido, mais uma vez. Todavia, somo Sísifo, não sou de desistir.

Não perco o estímulo de continuar pregando a necessidade de que se respeite as franquias constitucionais dos acusados, ainda que venha a ser alvo de críticas vindos do que supõem que garantismo  só vale para os criminosos de colarinho branco.

Na apelação  nº 003985-2011, o fato quase se repetia, pois o apelante foi condenado com base em prova extrajudicial, com a agravante de que a prova administrativa foi adulterada.

Felizmente, os meus pares compreenderam a gravidade do fato e seguiram o meu entendimento.

Em determinado fragmento do voto, anotei:

“[…]Embora a magistrada faça alusão ao termo de reconhecimento fotográfico positivo de fls. 37, e as imagens das cenas do assalto arquivadas no CD assentado às fls. 247, como provas que, supostamente, robustecem o conjunto probatório que dá suporte à condenação pelo crime de formação de quadrilha, o certo é que nem mesmo a confissão do apelante na fase inquisitorial (prova principal), se presta para sustentar a condenação.

Digo isso porque, ao analisar o referido depoimento, pude notar uma gravíssima adulteração, uma rasura no depoimento, para ser mais preciso, na parte em que o apelante afirma: “[…] QUE é verdadeira a imputação que lhe é feita, ou seja, de ter participação no assalto ao Banco do Brasil na cidade de Santa Luzia do Tide, levado a efeito no dia 30.06.09, por volta das 14:30 horas; […]”. (fls. 17) (sem grifos no original).

Com efeito, é notória, aliás, grotesca, a tentativa de “correção” deste depoimento, onde se vê, claramente, que no texto original estava grafado “[…] QUE não verdadeira […]”, sendo o “não” apagado, usando-se um corretivo, e inserido o verbo “é”, manuscrito em caneta, resultando numa informação manipulada, de que o apelante estava confessando a prática delitiva[…]”

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Habeas corpus. Falta de fundamentação idônea

Não é incomum  magistrados, descurando de sua condição de garantista, decretarem prisões preventivas exclusivamente em vista da gravidade do crime, com desprezo pelas circunstâncias que envolveram a ação criminosa.

É verdade que, ao tempo em que judiquei na primeira instância, agi com muito rigor em face dos roubares. E se voltasse à primeira instância agiria da mesma forma, por entender que, ao lado das drogas ilícitas e  do desvio de verbas públicas, o roubo é o flagelo do nossos  dias. Com a agravante de que os roubadores, de arma em punho, saem sempre dispostos a matar ou morrer; e podendo matar, claro, eles não morrem. Por isso, em face deles,  sempre agi com muito rigor, sem descurar, claro, das peculiaridades de cada caso, pois nem sempre a capitulação do crime condiz com a perigosidade do autor. Cada caso, pois, sempre mereceu de mim, com de resto deve merecer de todos nós,  analise particularizada, levando em conta todas as circunstâncias que envolveram o atuar reprochável.

Mas voltando ao tema central dessas reflexões, é preciso, de uma vez por todas, deixar claro que somente a gravidade do crime, isoladamente considerada, à míngua de qualquer outra circunstância, não autoriza, desde o meu olhar, a prisão cautelar, tida e havida, nos regimes garantistas, como extrema ratio da ultima ratio.

Inobstante, os magistrados de primeiro grau ainda insistem, repito, em decretar prisões, com esteio, tão somente, na gravidade do crime, a autorizar,  por isso, a  restituição da liberdade do paciente, via do habeas corpus.

No voto que publico a seguir, em determinado fragmento,  anotei, verbis

“[…]A prisão cautelar, como é cediço, é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos na legislação de regência, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação definitiva[1].

Ressalta-se, ainda, que o juízo valorativo da gravidade genérica do crime imputado ao paciente, desvinculada de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312, do CPP, não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar[…]”.

Mais adiante, já agora refletindo em face da Lei, consignei, litteris:

“[…]Importante registrar, ademais, que, após a vigência da Lei 12.403/2011, a necessidade da prisão preventiva deve passar por um filtro de ponderação e análise escalonada, só sendo cabível quando as demais medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP não se mostrarem idôneas[…].

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