Condenação com base em prova administrativa

Na sessão da 1ª Câmara Criminal, da última terça-feira, fui voto vencido numa apelação, em face do crime de roubo.

No voto-vista, demonstrei, com todas as letras, que não havia prova judicializada apontando o apelante como autor do crime.

Deixei consignado, ademais, que, conquanto estivesse a vítima na sala das audiências com o acusado, ao tempo da instrução, o juiz e o representante do Ministério Público se preocuparam em fazer o reconhecimento do acusado; e bastava, para tanto, que fosse indagado da ofendida se aquele cidadão, colocado à sua frente, tinha, ou não, participado do crime.

A despeito dessa gravíssima omissão, o acusado foi condenado e a decisão mantida em segundo grau. E, o que é mais grave, com base, exclusivamente, em provas produzidas em sede administrativa, numa total e flagrante afronta aos mais comezinhos princípios que disciplinam a espécie.

Um dos argumentos que serviu de base para manutenção da decisão de primeiro grau foi  que o acusado tinha o passado de crimes, numa invocação perigosa do Direito Penal do autor. 

Eu ainda fiz ver aos meus pares que o réu deve ser julgado pelo que fez, em face do fato que praticou e não em razão do que é ou do que tenha feito no passado.

Nada disso adiantou! A decisão de primeiro grau foi mantida. Fui vencido, mais uma vez. Todavia, somo Sísifo, não sou de desistir.

Não perco o estímulo de continuar pregando a necessidade de que se respeite as franquias constitucionais dos acusados, ainda que venha a ser alvo de críticas vindos do que supõem que garantismo  só vale para os criminosos de colarinho branco.

Na apelação  nº 003985-2011, o fato quase se repetia, pois o apelante foi condenado com base em prova extrajudicial, com a agravante de que a prova administrativa foi adulterada.

Felizmente, os meus pares compreenderam a gravidade do fato e seguiram o meu entendimento.

Em determinado fragmento do voto, anotei:

“[…]Embora a magistrada faça alusão ao termo de reconhecimento fotográfico positivo de fls. 37, e as imagens das cenas do assalto arquivadas no CD assentado às fls. 247, como provas que, supostamente, robustecem o conjunto probatório que dá suporte à condenação pelo crime de formação de quadrilha, o certo é que nem mesmo a confissão do apelante na fase inquisitorial (prova principal), se presta para sustentar a condenação.

Digo isso porque, ao analisar o referido depoimento, pude notar uma gravíssima adulteração, uma rasura no depoimento, para ser mais preciso, na parte em que o apelante afirma: “[…] QUE é verdadeira a imputação que lhe é feita, ou seja, de ter participação no assalto ao Banco do Brasil na cidade de Santa Luzia do Tide, levado a efeito no dia 30.06.09, por volta das 14:30 horas; […]”. (fls. 17) (sem grifos no original).

Com efeito, é notória, aliás, grotesca, a tentativa de “correção” deste depoimento, onde se vê, claramente, que no texto original estava grafado “[…] QUE não verdadeira […]”, sendo o “não” apagado, usando-se um corretivo, e inserido o verbo “é”, manuscrito em caneta, resultando numa informação manipulada, de que o apelante estava confessando a prática delitiva[…]”

A seguir, o voto, por inteiro:

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 09 de agosto de 2011.

Nº Único: 0000907-39.2011.8.10.0000

Apelação Criminal Nº 003985-2011 – Santa Luzia(MA)

Apelante : F.
Advogado : O.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, § 2º, I e V (três vezes), c/c art. 71, e art. 288, parágrafo único, todos do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº104812/2011

 

Ementa. PENAL E PROCESSUAL PENAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA. ESTABILIDADE ASSOCIATIVA. CONFISSÃO NA FASE INQUISITORIAL. TERMO DE DEPOIMENTO RASURADO. PROVA INIDÔNEA. ABSOLVIÇÃO. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES E RESTRIÇÃO DE LIBERDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A configuração do crime de quadrilha ou bando, tipificado no art. 288, do CPB, exige demonstração da estabilidade associativa, sob pena de caracterizar mero concurso eventual de agentes (art. 29, do CPB).

2. Na dicção do art. 155, do CPP, a condenação não pode se fundar, exclusivamente, em elementos informativos colhidos no inquérito, salvo as provas de caráter irrepetível. Se a prova inquisitorial que deu suporte à condenação pelo crime de quadrilha está rasurada, adulterada, avulta ainda mais sua imprestabilidade para sustentar um édito condenatório.

3. Emergindo dos autos, o quanto baste, provas suficientes da autoria e materialidade do crime e roubo circunstanciado, o desfecho condenatório é de rigor.

4. Apelo conhecido parcialmente provido.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo, em parte, com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar parcial provimento ao recurso, para absolver o apelante ao crime de quadrilha qualificada, manter sua condenação pelo crime de roubo qualificado, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiuy Nicolau..

São Luís, 09 de agosto de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº. 003985-2011 – Santa Luzia(MA)

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo advogado O., em favor de F., contra sentença oriunda da 2ª Vara da Comarca de Santa Luzia, que condenou o apelante por incidência comportamental no art. 157, § 2º, I e V (três vezes), c/c art. 71, e art. 288, parágrafo único, todos do CPB, à pena de 13 (treze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e ao pagamento de 132 (cento e trinta e dois) dias-multa.

Narra a denúncia, que no dia 30 de junho de 2009, por volta das 14:30 horas, a agência do Banco do Brasil situada na Comarca de Santa Luzia foi roubada por uma quadrilha fortemente armada, da qual o apelante era integrante.

Relata a exordial, em seguida, mais precisamente:

[…] Segundo se logrou apurar, a quadrilha se reuniu na noite do 29 de junho de 2009, na cidade de Açailândia/MA, sendo que, naquela mesma noite, o bando foi levado até a BR 222, nas imediações de Santa Luzia (próximo ao Posto Leitão), ficando escondidos no matagal existente naquela localidade, onde já estavam as armas de fogo acima descritas.

O bando foi levado ao local num veículo S 10 de cor preta, de propriedade do denunciado Luís Alberto Lago Sousa, vulgo Luizinho da Norsergel.

No dia do crime, ou seja, em 30 de junho de 2009, já por volta das 11:00 horas, o bando deixou o local com as armas enroladas em sacos e se posicionaram próximo à zona urbana de Santa Luzia, mas, ainda, escondidos.

[…]

Chegando à mencionada agência bancária, o bando, em cena digna de filmes de faroeste, chegaram atirando para cima, bem como em direção às vidraças e portas existentes no banco/vítima.

Em ato contínuo, adentrou na agência JÚNIOR, PAULO, RAIMUNDO e FÁBIO e mediante grave ameaça exigiram que os funcionários do banco abrissem cofres e caixas eletrônicos, lhe entregando todo o dinheiro existente no local. Ao todo foi subtraída a quantia aproximada de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).

Enquanto a subtração estava em curso, o denunciado FRANCISCO MORENO SILVA, vulgo POPÓ, JAMANTA ou GORDO, ficou do lado de fora da agência, dando cobertura e fazendo reféns para utilização como escudo humano numa eventual reação policial. O denunciado LUÍS ALBERTO LAGO SOUSA, vulgo LUIZINHO DA NORSEGEL não participou da subtração propriamente dita, uma vez que sua função era dar fuga aos membros do bando.

Concluída a subtração, a quadrilha empreendeu fuga utilizando o mencionado veículo Van, bem como um veículo Celta roubado em frente à agência do banco/vítima. Consta das imagens realizadas por cinegrafista amador e divulgadas em diversos veículos de comunicação que o denunciado F. M. S., vulgo POPÓ, JAMANTA ou GORDO assumiu do veículo Van após o assalto.

(sic)

Assevera a exordial, que após o assalto, o bando saiu em fuga rumo ao município de Buriticupu, liberando os reféns ainda na saída da zona urbana de Santa Luzia, e, após percorrerem cerca de 20Km, abandonaram o veículo celta que haviam subtraído, e atearam fogo.

Afirma, ainda, que os integrantes da quadrilha percorreram mais3 Km, e abandonaram também o veículo Van que era conduzido pelo apelante, e encontraram o corréu “Luizinho da Norsergel”, que ali os aguardava em seu veículo S 10, levando todos para um matagal, nas proximidades da BR, na direção de Buriticupu, onde permaneceram escondidos, até o dia seguinte, quando “Luizinho da Norsergel” ali retornou para buscá-los, levando parte para Buriticupu, e outra parte para Açailândia.

Por derradeiro, diz a inaugural que as armas foram todas enterradas naquele matagal, onde os assaltantes ficaram escondidos, e o dinheiro subtraído ficou em poder de um indivíduo conhecido por JUNIOR, o qual era o líder do bando.

A denúncia foi instruída com os autos do inquérito policial n. 36/2009

Recebimento da denúncia, e decretação de prisão preventiva, às fls. 65/66.

Resposta escrita à acusação, às fls. 80/86.

O corréu L. foi citado por edital, conforme se vê às fls. 106/107, sendo, em seguida, aplicado o art. 396 do CPP, desmembrando-se o processo em relação a ele (decisão de fls. 109/110).

No curso da instrução foram ouvidas as testemunhas M. (fls. 134/135), J. (fls. 136/137), S. (fls. 138/139), J. (fls. 140) e J.(fls. 141), todas arroladas pelo Ministério Público.

Em seguida, após deliberação concorde das partes, passou-se, diretamente, à qualificação e interrogatório do apelante, às fls. 142/144, para, ao fim, ouvir uma testemunha do juízo, Sra. M.,  às fls. 145.

Em continuidade à instrução, procedeu-se à oitiva de mais duas testemunhas do juízo, o Sr. M., às fls. 184/185, e o Sr. E., às fls. 206/207.

 Foram inquiridas, ainda, as testemunhas D. e R. conforme termo de audiência de fls. 241, cujo registro dos depoimentos está na mídia óptica de fls. 241v.

O Ministério Público apresentou suas razões finais, às fls. 248/257, requerendo a condenação do apelante, como incurso nas sanções dos arts. 157, § 2º, I, II, IV, por três vezes, e art. 288, do CPB.

Na mesa fase processual, o apelante requereu às fls. 260/263 sua absolvição, argumentando, em sinopse, fragilidade do suporte probatório. Requereu também, nesta mesma peça, a devolução dos bens apreendidos na fase inquisitorial, inclusive uma quantia em dinheiro, e a concessão da liberdade provisória.

Sobreveio a sentença de fls. 272/289, na qual o juízo de base condenou o apelante por incidência comportamental no art. 157, § 2º, I e V (três vezes), c/c art. 71, e art. 288, parágrafo único, todos do CPB, à pena de 13 (treze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e ao pagamento de 132 (cento e trinta e dois) dias-multa.

Contra essa decisão, a defesa interpôs o presente apelo, fls. 292, alegando em suas razões às fls. 297/303, nas quais, em essência, reitera o argumento de insuficiência de provas para alicerçar um édito condenatório.

Nas contrarrazões assentadas às fls. 305/313, o Ministério Público de base requereu o conhecimento e improvimento do apelo, devendo ser mantida, integralmente, a sentença ora guerreada.

Aportado os autos nesta Corte, foram encaminhados à PGJ, tendo a Procuradora de Justiça, Mariléia Campos dos Santos Costa, manifestado-se às fls. 328/330 pela baixa dos autos, a fim de que o apelante fosse pessoalmente intimado da sentença condenatória, pleito este acolhido às fls. 332, e providenciado às fls. 348/349.

Com o retorno dos autos, a Procuradora de Justiça Mariléia Campos dos Santos Costa, em seu parecer conclusivo às fls. 354/358, opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo, mantendo-se íntegra a sentença ora guerreada.

É o relatório.

Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação sob análise, dele conheço.

A linha defensiva do presente apelo circunscreve-se em, essência, na tese de anemia do suporte probante, incapaz de sustentar a condenação.

Nesse contexto, a defesa desenvolve seus argumentos da seguinte forma:

I – que o apelante foi preso nove dias antes do fato delituoso em apuração, e somente confessou a autoria delitiva porque, segundo disse, fora torturado na fase inquisitorial;

II – que seu depoimento na fase administrativa foi supostamente adulterado pela autoridade policial, algo que, no seu entender, macularia todo o processo de nulidade;

III – que a prova material do crime, consubstanciada em imagens captadas por um cinegrafista amador, cujo CD está acostado às fls. 247, são imprestáveis para arrimar uma condenação, porque não é possível reconhecer o apelante naquelas imagens; e

IV – que os depoimentos testemunhais, em momento nenhum, apontam a autoria ou participação do apelante no crime.

Primeiramente, analisemos o acervo probatório atinente ao crime de formação de quadrilha qualificada, cuja caracterização, desde já adianto, não encontra amparo em prova idônea nos autos.

É cediço que o crime de formação quadrilha, por ser um crime plurisssubjetivo, ou de concurso necessário, exige inequívoca demonstração da estabilidade associativa dos integrantes, de molde a diferenciar-se do concurso eventual de agentes, norma de extensão prevista no art. 29, do CPB.

Analisando com a devida acuidade o édito condenatório, mais especificamente, o capítulo em que a magistrada a quo trata do crime de formação de quadrilha, fls. 275/279, pude perceber que, a rigor, a única prova que conduz ao desfecho condenatório, para este crime, é o depoimento do apelante na fase inquisitorial.

Embora a magistrada faça alusão ao termo de reconhecimento fotográfico positivo de fls. 37, e as imagens das cenas do assalto arquivadas no CD assentado às fls. 247, como provas que, supostamente, robustecem o conjunto probatório que dá suporte à condenação pelo crime de formação de quadrilha, o certo é que nem mesmo a confissão do apelante na fase inquisitorial (prova principal), se presta para sustentar a condenação.

Digo isso porque, ao analisar o referido depoimento, pude notar uma gravíssima adulteração, uma rasura no depoimento, para ser mais preciso, na parte em que o apelante afirma: “[…] QUE é verdadeira a imputação que lhe é feita, ou seja, de ter participação no assalto ao Banco do Brasil na cidade de Santa Luzia do Tide, levado a efeito no dia 30.06.09, por volta das 14:30 horas; […]”. (fls. 17) (sem grifos no original).

Com efeito, é notória, aliás, grotesca, a tentativa de “correção” deste depoimento, onde se vê, claramente, que no texto original estava grafado “[…] QUE não verdadeira […]”, sendo o “não” apagado, usando-se um corretivo, e inserido o verbo “é”, manuscrito em caneta, resultando numa informação manipulada, de que o apelante estava confessando a prática delitiva.

É certo e recerto que o art. 155, do CPP, estabelece o princípio da judicialização da prova penal, exceto as de caráter irrepetível, ao estatuir que:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

(sem destaques no original)

Com base nessa premissa jurídica, posso afirmar: se o juiz não pode condenar, unicamente, com provas obtidas na fase inquisitorial, parece óbvio, até despiciendo dizer, que não poderá condenar, tão só, com arrimo em provas inquisitoriais adulteradas. Admitir uma condenação criminal deste jaez, é espezinhar, desprezar, menoscabar, por completo, as mais elementares e inasfatáveis garantias individuais, enraizadas no postulado constitucional do devido processo legal e seus consectários.

Ora, se a prova que serviu de norte para a condenação é absolutamente imprestável, as provas que supostamente a confirmam não podem, por si sós, servir para este fim em relação ao crime de formação de quadrilha. As provas acessórias, que, em tese, confirmavam a confissão extrajudicial do apelante, não se sustentam de per si.

Isso porque, só é possível extrair a necessária estabilidade associativa do bando daquela confissão na fase inquisitorial. As demais provas somente confirmam que a conduta delituosa foi praticada em concurso de agentes, já que se restringem ao episódio do assalto à agência do Banco do Brasil,em Santa Luzia.

É dizer, em outros termos, os depoimentos testemunhais, e provas materiais (gravação da ação delituosa no banco) não dá conta da existência de outras práticas criminosas, ou, sequer, que os integrantes da quadrilha se conheciam, e que aquele roubo praticado à agência do Banco do Brasil de Santa Luzia não era uma ação isolada dos assaltantes.

De fato, naquele depoimento perante a autoridade policial, o apelante teria confessado que havia tentado entrar para o bando mais de uma vez, algo não permitido por um integrante, de nome Júnior. Relata, ainda, que a quadrilha teria assaltado um banco no município de Arame. Por fim, informou que só foi convidado para integrar o bando para esta ação delituosaem Santa Luizado Tide.

Essa prova, não fosse a adulteração, poderia ser utilizada para sustentar a condenação pelo crime de quadrilha ou bando, se comungada com as demais provas acessórias; mas, da maneira como produzida, é imprestável para qualquer coisa que seja, numa persecução criminal, sobretudo, para condenar.

Advirto, por imperativo de consciência jurídica, notadamente, adotando-se uma postura garantista, como de praxe o venho fazendo em minha atividade judicante, que, por mais bárbaro e reprovável que seja o delito, a condenação deve, necessariamente, escorar-se em provas idôneas, claras e seguras, acerca da prática delitiva. Caso contrário, a absolvição, diante da instrução débil, é de observância rigorosa.

Nesse sentido, é imperiosa a absolvição do apelante pelo crime de quadrilha ou bando, em razão da total imprestabilidade da prova que deu suporte para a sua condenação por esta prática criminosa.

Passemos, doravante, a analisar a ocorrência do crime de roubo qualificado.

De plano, advirto que a autoria e materialidade delitiva serão examinadas em conjunto, posto que nenhum dos bens subtraídos foi recuperado.

Com efeito, é possível inferir, de forma cristalina, a autoria e materialidade delitivas, através das imagens captadas por cinegrafista amador, registradas na mídia óptica acostada às fls. 247, que nos mostram, de forma inequívoca, a ação dos assaltantes, mais precisamente, do apelante, que permanecia do lado de fora, mantendo várias pessoas em seu poder, utilizando-as como uma espécie de “escudo humano”, de forma a assegurar o sucesso da empreitada criminosa (assalto à agência do Banco do Brasil).

Extraio das referidas imagens, também, que os assaltantes subtraíram dois veículos para empreenderem fuga do local, um celta de cor prata, e uma van de cor branca; eles fugiram da cena do crime empunhando as armas de fogo ostensivamente, para fora das janelas dos veículos, e, ao que parece, um deles disparou da van branca, com uma arma de fogo, na direção do cinegrafista, que logo após, cessou a filmagem.

Antes de adentrarem nos veículos e se evadirem, observa-se aos 1’40” de filmagem, que um indivíduo encapuzado, trajado de calça jeans e camisa branca, corre da agência bancária e entra na van, pela porta do motorista.

Esse indivíduo de camisa branca, pelo que se depreende dos demais depoimentos acostados aos autos, é o apelante. Nesse norte, esclareceu o PM José Alves dos Santos, em seu depoimento de fls. 136/137:

[…] que já conhecia o Sr. F. de vista nesta cidade; que participou de uma blitz realizada no dia 09 de julho de 2009; que F. foi abordado conduzindo uma motocicleta de cor vermelha; que assistiu um vídeo do assalto cinco dias após sua realização; que no vídeo viu dois assaltantes encapuzados; que segundo as características físicas e a maneira de andar, reconheceu o Sr. F.; […] que no dia da abordagem foi encontrada R$ 1547,00 (mil, quinhentos e quarenta e sete reais) em poder do abordado; […] que o depoente suspeitou através das características físicas que o réu Francisco teria sido o homem que aparece no vídeo com uma pistola na cintura conduzindo uma van; que essa suspeita veio do fato do Sr. F. ser gordo; […]

(sem destaques no original)

De modo a robustecer, ainda mais, o acervo probante, colhe-se o depoimento de suma importância, prestado na fase judicial, de S., que no dia do fato delituoso, estava na van que foi tomada de assalto pelo apelante e seus comparsas, e durante o percurso, até chegarem próximo à cidade de Santa Luzia, foi ameaçado pelo apelante, que na ocasião, ressalte-se, estava sem capuz. Nas palavras da testemunha (fls. 138/139):

[…] que no dia 30 de junho de 2009 fazia uma viagem da Fazenda onde trabalhava para a cidade de Santa Inês; que iria realizar operações bancárias na CAIXA de Santa Inês; que a viagem era de van; que houve um assalto com a van, perto do Povoado Santa Cruz; que os assaltantes ingressaram na van como passageiros normais; que após três quilômetros anunciaram um assalto, afirmando que precisariam da Van apenas para fazer o assalto ao Banco; que o acusado apontou uma arma para a sua cabeça e mandou o depoente ficar calado e fechar os olhos; que após mias três quilômetros os assaltantes determinara que o motorista parasse a Van; que os assaltantes que estavam dentro da Van e chamara outras pessoas que estavam do lado de fora; que em ato contínuo saíram de uma solta mais oito envolvidos e ingressaram na Van; que ainda dentro da Van o acusado F. colocou a mão no bolso da testemunha e subtraiu o valor equivalente a R$ 700,00 (setecentos reais); que a testemunha chegou a pedir para F. deixá-la permanecer com o dinheiro, mas F. não atendeu e ainda agrediu a testemunha com um “mão aberta na cara”; que em seguida, o acusado F. determinou a testemunha que descesse do veículo e fosse para a parte detrás da Van juntamente com os demais supostos envolvidos; que em ato contínuo seguiram viagem até a Agência do Banco do Brasil em Santa Luzia – MA; que durante toda viagem o acusado F. não estava utilizando capuz; que F. só colocou capuz no rosto quando já estava nas proximidades da Agência do Banco do Brasil; que os oito envolvidos que entraram na Van posteriormente a F. já estavam encapuzados desde o momento que ingressaram no veículo; que ao chegar em frente ao Banco do Brasil todos os dez envolvidos pegaram algum tipo de armamento, desceram da Van, atiraram nos vidros da agência e anunciaram o assalto; que a testemunha não sabe dar maiores detalhes sobre a participação de cada um dos envolvidos, pelo fato de já estarem todos encapuzados e também pelo fato estar como refém; que o assalto durou aproximadamente nove minutos; que escutou diversos tiros durante o assalto; que os assaltantes fizeram outras pessoas como refém na ocasião do assalto, além dos passageiros da Van; que após o assalto, os assaltantes ingressaram novamente na Van portando diversas sacolas; […] que a testemunha foi liberada logo após o assalto, ou seja, ainda em frente à agência do Banco do Brasil; que o depoente viu duas funcionárias do banco seguirem viagem juntamente com os assaltantes na qualidade de refém; que foi pedido a testemunha que observasse bem a fisionomia do acusado F., sendo que a mesma insistiu que tem plena certeza de que se trata da mesma pessoa que lhe abordou com uma arma de fogo na data dos fatos, tendo participado do assalto; […] que a arma usada por Francisco no dia do assalto era uma pistola 380; […]

(sic)

(sem destaques no original)

O senhor S. é uma testemunha chave, importantíssima para o descortinamento da autoria delitiva no caso em exame, porque, a um só tempo, foi algoz da conduta criminosa do apelante, sendo privado de sua liberdade enquanto estava na Van, ameaçado pelo apelante, constantemente, com uma arma de fogo, sendo até agredido; além disso, presenciou todos os atos do iter criminis, desde a preparação do grupo de assaltantes, que se reuniram na van, encapuzaram-se e armaram-se fortemente, para a consecução do assalto à agência do Banco do Brasilem Santa Luzia.

É de se ressaltar, ainda, que o apelante não estava encapuzado no momento em que ingressou na van, e, em seguida, anunciou o assalto, o que só corrobora a certeza do reconhecimento do apelante feito pela testemunha.

Com efeito, o conjunto probatório carreado aos autos, qual seja, as imagens gravadas na mídia acostada às fls. 247, que mostra, claramente, a ação delituosa do apelante e seus comparsas, aliado ao testemunho firme, sem hesitação, do Sr. Samuel Alves de Jesus, só podem convergir para o desfecho condenatório, do crime de roubo qualificado.

Nesse contexto, assevere-se que essas mesmas provas evidenciam, de forma cristalina, as duas qualificadoras vislumbradas, acertadamente, pela juíza sentenciante.

O uso de arma de fogo é absolutamente incontestável, posto que o registro áudio-visual acostado às fls. 247 demonstra os assaltantes desferindo vários disparos com armas de fogo, muitos, munidos de espingardas. É possível ver e ouvir, claramente, esses disparos de arma de fogo. Nas imagens registradas a partir de 1’40”, observa-se o apelante correndo para adentrar na van, munido de uma espingarda.

Essas mesmas imagens mostram que várias pessoas eram mantidas como reféns, em frente à agência (privação da liberdade das vítimas); elas estavam agrupadas, de modo a servir de proteção, uma espécie de “escudo humano”, à ação delituosa do apelante e seus comparsas, para o fim de garantir o sucesso da empreitada criminosa.

Portanto, as provas carreadas aos autos, notadamente o registro audiovisual acostado às fls. 247, demonstram, com nitidez absoluta, a ocorrência das duas qualificadoras, previstas nos incisos I e V, do § 2º, do art. 157, do Código Penal, o que demonstra o acerto da condenação, quanto à este crime de roubo qualificado.

Doravante, analiso, ex officio, a higidez da resposta penal.

Como dito, a configuração do crime de quadrilha ou bando, a mim, não restou demonstrado quantum satis, porque, repiso, a demonstração da necessária estabilidade do bando não encontra amparo em qualquer prova idônea nos autos.

Consequentemente, é de rigor o afastamento da resposta penal, relativa ao crime de quadrilha.

Por outro lado, o édito condenatório, na parte da dosimetria e fixação da resposta penal para o crime de roubo qualificado é absolutamente irrepreensível, nada tendo a retocar.

As circunstâncias judiciais foram todas sopesadas de forma concretamente fundamentada, e agravada a pena-base em dois anos, à vista de três circunstâncias valoradas – a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime.

Considerando a concomitância entre a confissão espontânea e a reincidência, a magistrada preponderou, acertadamente, esta última circunstância legal.

À vista das majorantes, previstas nos incisos I e V, do § 2º, do art.157, ajuíza singular aumentou a pena em seu patamar mínimo – 1/3 (um terço).

E, por fim, incrementou a pena em mais 1/3 (um terço), considerando a continuidade delitiva, em razão de três roubos comprovados nos autos, (agência bancária e dois veículos).

Assim, deve permanecer íntegra a resposta penal de 11 (onze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e o pagamento de 132 (cento e trinta e dois) dias-multa.

Com essas considerações, conheço do presente recurso, para, acolhendo em parte o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, dar parcial provimento ao apelo, para absolver o apelante do crime de quadrilha qualificada, o que faço com fulcro no art. 386, VII, do CPP, e manter sua condenação pelo crime de roubo qualificado, à pena de 11 (onze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e ao pagamento de 132 (cento e trinta e dois) dias-multa, permanecendo íntegra a sentença condenatória em todos os seus demais termos.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão,em São Luís, 09 de agosto de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Condenação com base em prova administrativa”

  1. Para refletir…

    Quando chega ao ponto de um Procurador da República que ostenta as elevadas características que Rodrigo de Grandis, vem e lança a pena contra essa situação de arbitrariedade generalizada, é porque de fato a situação é delicada:

    “Não se duvida ou discute que o principal atributo do juiz em especial o juiz criminal é a imparcialidade. ( … ) Aquele magistrado que, antes de lhe chegar as mãos os autos de um processo criminal, com todas as peculiaridades e minúcias do caso concreto, tenciona reprimir o crime e, assim, banir uma particular injustiça, quer por força de um compromisso moral, quer psicológico ou mesmo religioso, pode ser tudo, mas não será um juiz ( … ) Livre – nos Deus de tal juiz cruzado, pronto a acometer e a reduzir a pó tudo que lhe cheire heresia ”. ( Grifo nosso).

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