Hoje, pela manhã, numa audiência com vários acusados de assalto, um dos advogados, reafirmando o que tenho dito aqui neste blog, disse-me que, ao se dirigir à sala de audiências, uma pessoa lhe indagou para onde estava indo, tendo ele respondido que ia fazer uma audiência na 7ª Vara Criminal. O interlocutor, segundo me disse o referido advogado, deixou entrever que me tem como uma pessoa má. Essa atitude nada mais é que uma consequência da disseminação da minha imagem como um carrasco, em face do tratamento que dispenso aos meliantes perigosos.
Devo dizer que sou mesmo rigoso no enfrentar a criminalidade violenta e recalcitrante. Sou rigoroso, mas não sou injusto – pelo menos procuro não sê-lo.
O despacho a seguir, concluído agora mesmo, às 21:50 horas é uma eloquente demonstração de que não sei ser injusto.
Vamos, pois, ao despacho, para o qual peço vossa atenção, caro leitor.
Processo nº 15299/2006
Ação Penal Pública
Acusado: W. V. C. e outro
Vítima: Sérgio Henrique Carneiros Lobato
Vistos, etc.
Os autos sub examine albergam ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra W. V. C. e J. M. S., por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, do CP.
Os acusados foram presos e autuados em flagrante, no dia 1º de julho do corrente, cuja peça deu início à persecução criminal(fls. 06/11).
No dia 17 de julho, portanto 16(dezesseis) dias após a prisão dos acusados, foi concedida a LIBERDADE PROVISÓRIA ao acusado J. M. S. pelo juiz que me substituía, em face de encontrar-me em gozo de férias(fls.78/83).
O acusado W. V. C., nada obstante, permaneceu preso e preso se encontra até a data atual, passados 139 (cento e trinta e nove) dias de sua prisão.
O pleito do acusado J. M.S. foi deferido, disse-o acima, por um colega que me substituiu nas minhas férias. Os argumentos que o levaram a decidir-se pela LIBERDADE PROVISÓRIA do acusado estão absolutamente corretos, nada obstante contrários ao meu entendimento. É que, no PODER JUDICIÁRIO, há juízes mais e menos liberais. Esses magistrados, tidos como liberais, não suportam, de regra, as prisão antes de uma sentença condenatória transitada em julgado.
O pleito formulado pelo acusado W. V. C. foi examinado e indeferido pelo signatário desta decisão, tido e havido como magistrado, digamos, menos liberal. É que, diferente dos liberais, entendo que, a despeito do princípio da presunção de inocência, pode-se e deve-se, sim, manter preso quem comete crime grave, como é o roubo qualificado.
Todos sabemos que, no mundo jurídico, há sempre duas correntes acerca desta ou daquela questão. Nesse sentido há magistrados que entendem que a gravidade do crime não justifica a prisão preventiva do acusado e há magistrados, nada obstante, que pensam de forma diametralmente oposta. Entre os primeiros está o magistrado que concedeu a LIBERDADE PROVISÓRIA do acusado J.M. S.; entre os segundos estão os que, como eu, entendem que a gravidade do crime, isoladamente, autoriza a prisão ante tempus.
Diante de crimes como o albergado nos autos, tenho entendido e tenho decidido, iterativamente, no sentido de que quem assalta não merece estar solto. Na minha ótica, quem rouba, máxime à mão armada, age indiferente às conseqüências. Assim é que, se preciso matar, o assaltante não hesita. Podendo matar, pois, o assaltante não morre.
Tenho entendido e tenho decidido que a mantença da prisão de um assaltante é um uma homenagem que se presta à vítima e as pessoas de bem. A vítima e as pessoas que giram em sua volta, não compreendem, com razão, como se assalta hoje e se está em liberdade amanhã.
Diante dessa sensação de impunidade, a população já começou a reagir. Não tem sido poucas, por isso, as vezes em que a população se encarregou de prender o assaltante para, no mesmo passo, torturá-lo.
O quadro de violência que se descortina em nossa frente, é curial compreender, exige de nós outros – pelo menos essa é a minha compreensão -, responsáveis pela persecução criminal, a adoção de medidas enérgicas, tendentes não só a punir os agressores da ordem pública, como também incutir nas pessoas a certeza – ou pelo menos a sensação – de que o crime merece escarmento.
Com essa convicção tenho decidido e indeferido, sem comiseração para com os meliantes, os vários pleitos que a mim me são formulados no sentido de conceder LIBERDADE PROVISÓRIA a assaltantes.
Conquanto venha agindo com inexcedível rigor no enfrentar questões como a emoldurada nos autos, tenho me sentido incomodado com o tratamento diferenciado que vem sendo dado nos autos sub examine aos dois acusados. Um deles, J. M. S., disse-o acima, está em liberdade, tendo praticado o mesmo crime que o co-réu W. V. C., que, nada obstante, permanece preso. Diante desse quadro, com dois acusados nas mesmas condições, mas recebendo tratamento dispare, me sinto na obrigação de reparar a injustiça que me toma de assalto.
Com efeito, malgrado entenda devam os acusados de crimes praticados com violência, ou ameaça de violência, contra a pessoa, merecer tratamento rigoroso, sinto-me no dever de, enquanto agente responsável pelo garantismo penal, reparar a desigualdade de tratamento que vem sendo dado aos dois acusados.
Para restabelecer o tratamento isonômico a ambos os acusados, vejo defronte dos meus olhos duas possibilidades: uma, determinar a prisão de J. M. S.; a outra, determinar a soltura do acusado W. V. C..
Depois de muito ponderar, entendi – como efetivamente entendo – que a solução mais justa é colocar em liberdade o acusado W. V. C., em tributo ao princípio da presunção de inocência, o que faço, aqui e agora, concedendo-lhe LIBERDADE PROVISÓRIA, sob compromisso, ex vi do parágrafo único, do artigo 310, do Digesto de Processo Penal.
Expeça-se, pois, o necessário alvará de soltura, para que o acusado W. V. C. seja colocado em liberdade, se por outra razão não se encontrar preso.
Tome-se-lhe por termo o compromisso.
Prosseguir, depois, de acordo com o despacho antes lançado.
São Luis, 17 de novembro de 2006.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida
José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
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