O outro lado de mim. Três episódios que me fizeram refletir

Três fatos me marcaram profundamente nesta semana que está prestes a encerrar-se.1º episódio.

Primeiro foi a manifestação da mãe de um assaltante que me pediu, em nome de Deus, que liberasse seu filho. O argumento dessa mãe é que seu filho estava preso injustamente, pois que não teria participado do crime em razão do qual se encontra preso.
Só a mãe, devo dizer, não sabia que o acusado, em verdade, foi o idealizador dos assaltos e, ao que vejo nos autos, dos nove assaltantes, é o mais perigoso.
É claro que a mãe do acusado não acreditou em minhas palavras. Ela prefere crer que seu filho está sendo vitima de uma grande injustiça. É que, nos dias atuais, os pais perderam, definitivamente, o controle sobre os filhos. É um quadro grave. Eu, que aposto as minhas fichas na família, cada dia mais me atormento com o esfacelamento dessa importante instituição.
A degradação da família, não tenho dúvidas, é uma fato que contribuiu com a violência que se descortina sob os nossos olhos.2º episódio.

O segundo episódio que me chocou condiz com o tratamento desumano dispensado aos acusados – fato de resto da sabença de todos. Essa constatação tem me incomodado muito.
Ontem à tarde, por exemplo, vi chegar, para a audiência das 15:00 horas, um acusado literalmente ensopado de água – da cabeça aos pés. Indaguei ao policial quem tinha jogado água no acusado, tendo ele respondido que, em verdade, ele estava banhado de suor, pois na jaula das viaturas não tem ar condicionado.
Confesso que não me convenci com a explicação do policial, que estava visivelmente constrangido.
Há vários anos recebo acusados para audiência e nunca assisti a uma cena tão aberrante. Tenho certeza que, em verdade, o acusado foi colocado na gaiola ainda muito cedo e o veículo saí por aí cumprindo outras tarefas, sem que se importassem com o ser humana que estava enjaulado como um animal.
A cena repugnante me impressionou e me indignou. Tenha a nítida sensação de que o acusado correu risco de vida. Vou oficiar esta manhã a quem de direito, externando a minha indignação, na esperança que tais fatos não mais se repitam.

3ª episódio
O terceiro episódio diz respeito a uma dramática cena que se descortinou sob meus olhos. Nesse caso, um pai de família, algemado nos pés e nos punhos, recebeu, no meu gabinete, sua filha de cinco meses de idade e um filho de três anos. O pai, com a filha no colo e o filho agarrado à sua cintura, chorou, como choraram a sua mulher e sua mãe. O filho de três anos, sem nada entender, olha para os braços e para os punhos algemados do acusado. Tenho certeza que esses fatos marcarão, para sempre, a vida dessa criança. Infelizmente, o assaltante, quando se resolve pelo crime, não mede as conseqüências.

Esses três episódios me marcaram e me fizeram refletir.

Sou magistrado e trabalho com a letra fria da lei, mas não perco a minha capacidade de me indignar com certos fatos. Digo sempre que o agente público entrega o corpo e a mente ao trabalho, mas não pode alienar a sua alma.
O tempo e o convívio com marginais dos mais variados matizes não me fizeram perder a ternura, afinal, sou gente, acima de tudo.

O título foi tomado de empréstimo do livro de memórias de Sidney Sheldon.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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