Tenho sido muito mais criticado pelo que faço do que pelo que deixo de fazer. Isso é uma amozônica contradição, só explicável em face da nossa condição de ser humano – a pior e mais perigosa espécie das criadas por Deus. Com efeito. Tenho sido alvo de acerbas críticas em face do rigor com que trato criminosos violentos e/ou contumazes. Mas, digo logo, não adiante reclamar, não adiante me chamar de tirano, de mau e coisas que tais, pois que não mudo a minha compreensão em torno dessa questão. Não entendo e não aceito autoridade pusilânime. O acusado que é preso hoje – claro que me refiro ao criminoso violento e/ou recalcitrante – não pode retornar ao convívio social, sem antes pagar pelo crime. Infelizmente, em face do esgotamento de minha agenda e da falta de condições de trabalho, tenho sido obrigado a colocar acusados em liberdade, ainda que não mereçam, porque não posso agir como um meliante. Se se verifica excesso de prazo, não hesito em relaxar a prisão ilegal. É o mínimo que se espera de um magistrado garantista. Mas isso não pode ser uma regra. Réu perigoso, contumaz, violento, recalcitrante, descomprometido com a ordem pública, tem que ficar preso – ainda que provisoriamente.
Em despacho recente, pregando a necessidade de que os magistrados não se acovardem diante do criminoso violento, lancei despacho indeferimento o pedido de liberdade provisório, do qual destaco o excerto abaixo, verbis:
Tenho reafirmado – conquanto, muitas vezes, não veja reverberar – que é preciso que nós, representantes das instâncias formais responsáveis pela persecução criminal, não pareçamos, aos olhos da sociedade, pusilânimes, descomprometidos, acomodados, dispostos a apenas usar do poder, nos beneficiando do que ele tem de mais sedutor – dinheiro, carro preto, celular pago pelo estado, status, puxa-saquismo, tapa nas costas, bom salário, elogios gratuitos, etc.
O que tenho visto, ao longo dos meus mais de vinte anos de carreira, é uma excessiva e odiosa passividade, lassidão, de acomodação diante dos criminosos mais audaciosos. O que tenho visto – lamentando, estarrecido, estupefato – é que, ao que parece, todos perderam a sensibilidade. Diante do quadro de quase guerra civil que se descortina diante dos nossos olhos, o que tenho visto é um apego excessivo, obstinado à letra da lei, sem a mais mínima preocupação com os mais lídimos interesses da sociedade. Mata-se, estupra-se, rouba-se, lesiona-se, atenta-se contra o pudor, contra o meio-ambiente, contra a família, contra as instituições, contra a honra, contra a integridade física, contra os costumes, iterativamente, reiteradamente, repetidamente, às escâncaras, às claras, na frente de todos, de cara limpa, sem pudor para – ufa! – , no outro dia, o meliante ser colocado em liberdade, agora de posse de um passaporte, chancelado pelo PODER JUDUCIÁRIO, para matar, roubar, furtar, lesionar, atentar contra o pudor, estuprar, etc, etc, etc. Nesses casos não se trata de cumprir a lei. É puro descaso, é puro desprezo pela vítima, pela sociedade. Nós não podemos continuar de cócoras diante do criminoso violento e contumaz. Já passamos da hora de endurecer. A vida está aí para ensinar que, muitas vezes, à falta uma palmada, tem-se desvirtuado o caminho dos filhos. Da mesma sorte, devo dizer, por causa de nossa indolência, da nossa pachorra, mutios foram os meliantes que voltaram ás ruas e tiraram a vida de nossos semelhantes. Tenho a mais absoluta convicção de que muitas foram as vidas salvas em face das incontáveis prisões que tenho mantido. E não me importo que digam que atuo em harmonia com o movimento law and order, porque não sou dos tais que pugno por mais leis, pela criminalização da fatos irrelevantes. Eu só pugno para que se cumpra, com rigor, as que estão postas aí. Afinal, foi assim que a criminalidade refluiu em Nova York, foi assim que os níveis de violência sucumbiram em Bogotá.
A pena de prisão pode, sim, ser uma iniqüidade. Mas ela ainda é a única resposta eficaz para ilícito grave. E, se preciso, deve ser antecipada. Sob uma perspectiva histórica pode, até, quem sabe, abolir a prisão, como se fez com a pena de morte em vários países. A generalidade dos cientistas, nada obstante, está de acordo de que, até hoje, ainda não se concebeu uma forma de reação antidelitual eficiente contra crimes graves e criminosos recalcitrantes para substituir a prisão, apesar da certeza de que não reeduca e não regenera.
A LIBERDADE PROVISÓRIA não foi pensada para favorecer a quem tem conduta deletéria em sociedade. Já deparei-me, muitas vezes, com a concessão de LIBERDADE PROVISÓRIA a réus recalcitrantes infratores. Não levo esse pecado para o túmulo, no entanto. Para mim é um desalento ter que colocar em liberdade um acusado, quando não tenha mais como manter a sua prisão, em face de excesso de prazo. Sou obrigado a fazê-lo, na totalidade das vezes, porque não posso não sou um marginal togado. Quando o Estado não nos dá condições de trabalhar, quem tem que se sacrificar, infelizmente, é a sociedade e não o acusado. Um juiz garantista não pode, sob qualquer condição, se colocar inerte diante de um constrangimento ilegal. Deve só lamentar, mas deve restituir a liberdade do acusado sob coação. Não é o acusado, nada obstante, do acusado R. S. C.. Ele não está submetido a constrangimento ilegal e não faz por merecer o benefício que postula, devendo, por isso, ser mantido preso.
Excelente, posicionamento. Quem dera todos os magistrados agissem de modo parecido.
Interessantíssimo seu ponto de vista. Muitas vezes o clamor pelos direitos humanos é tão latente que realmente se esquecem os motivos ensejadores da prisão. Claro fica, a meu ver, que a prisão, por vezes, principalmente nos crimes sexuais, não é suficiente para “regenerar” o criminoso.