Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Cuida-se de decisão de impronúncia.
Antecipo a seguir alguns excertos.
- A verdade é que os indícios de autoria não são sérios, não são críveis, não autorizam, por isso mesmo, a pronúncia do acusado.
- Não tenho a mais mínima dúvida de que o crime aconteceu. Isso é fato. Os indícios de autoria, nada obstante, não me parecem idôneos. Os elementos de prova nesse sentido, não formam o meu convencimento de que tenha sido o acusado o autor do crime.
- O magistrado, ao examinar essas questões, não pode, pura e simplesmente, lavar as mãos e remeter a quaestio ao Tribunal do Júri. O magistrado só deve pronunciar, se tiver segurança mínima da idoneidade dos indícios de autoria.
- O controle do magistrado sobre a admissibilidade da acusação necessita ser firme e fundamentado, de modo que, se assim não for, torna-se inadequado remeter o julgamento do processo ao Tribunal do Júri, sem qualquer perspectiva de haver condenação.
A seguir, a decisão, por inteiro.
Processo nº 169892005
Ação Penal Pública
Acusados Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo “Capim”
Vítima: Luis Fernando Leite Silva, vulgo “Luquinha”
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo Capim, devidamente qualificado na inicial, por incidência comportamental no artigo 121, caput, do Código Penal, em face de, no dia 25 de abril de 2004, por volta de 1h00, ter assassinado, com um tiro de revólver, cujos fatos estão narrados na denúncia, a qual, no particular, chamo para compor o presente relatório.
A persecução criminal teve início mediante portaria (fls. 06).
Certidão de óbito às fls. 10.
Laudo de exame em local de morte violenta às fls.31.
Laudo de exame de comparação balística às fls. 44/48.
Recebimento da denúncia às fls. 83/84.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls.88/90.
Defesa prévia às fls. 92.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas Joelson Rodrigues Palhano (fls. 99/100), Maria Cristina dos Santos Oliveira (fls. 101/102) e Joeberth Rodrigues Palhano. (fls.110/112)
O Ministério Público, em alegações finais, pediu, alfim, a impronúncia do acusado. (fls.120/126). No que foi secundado pela defesa.(fls.132/139)
Relatados. Decido.
01. Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo “Capim”, foi denunciado pelo Ministério Público ( ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), com legitimidade ad causam e ad processum para ocupar o pólo ativo da relação jurídica processual, à alegação de ter malferido o preceito primário do artigo 121, caput, do Codex Penal, porque teria assassinado Luis Fernando Leite Silva, vulgo “Luquinha”, fato que teria ocorrido no dia 25 de abril de 2005, por volta da 01h00 da manhã.
02. A denúncia formulada pelo Ministério Público estava acompanhada de um “suporte mínimo de prova” , daí a razão do seu recebimento, sabido que o só ajuizamento de uma ação penal já atinge a dignidade do acusado, “ de modo a provocar graves repercussões na órbita do seu patrimônio moral.”
03. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa do acusado, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
03.01. Na jurisdição penal, é consabido, a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva.
03.01.01. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.
04. Como de praxe no direito pátrio, em dois momentos distintos produziram-se dados probatórios, em face do crime de homicídio que vitimara Luis Fernando Leite Silva, vulgo “Luquinha”.
05. O procedimento administrativo teve início mediante portaria(fls.06).
06. Na fase pré-processual foram produzidas provas testemunhais – Cristina Leite Silva (fls.07), Maria Cristina dos Santos Oliveira (fls.08/09), Luis Cláudio Barbosa Santos (fls.13/14), Ana Célia Barbosa Santos (fls.15/16), Joerbeth Rodrigues Palhano (fls.24), Welligton Reis da Luz(fls.25/26), Joelson Rodrigues Palhano (fls.27), Paulo Santos Silva (fls.29), Maria dos Santos Oliveira (fls.73/74) e Elizabeth Santos Barbosa (fls.75/76) -, cujos depoimentos serviram de supedâneo para que o Ministério Público ofertasse a denúncia contra o acusado Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo “Capim”.
07. Dos depoimentos tomados em sede extrajudicial, impressiona, sobremaneira, o depoimento de Maria Cristina dos Santos, esposa do acusado, a qual narra, em detalhes estarrecedores, a ação do ofendido e seu comparsas.
08. Impressiona, ademais, o depoimento do acusado Luis Cláudio Barbosa Santos, no mesmo diapasão do depoimento de sua companheira Maria Cristina dos Santos.
09. O depoimento de Ana Célia Barbosa Santos, mãe do acusado, foi no mesmo sentido do seu depoimento e de sua companheira.
10. Os depoimento de Joerbeth Rodrigues Palhano, Wellington Reis da Luz e Joelson Rodrigues Palhano foram no sentido apenas de apontar a autoria do crime na direção do acusado.
11. O acusado, interrogado, reafirmou o que dissera antes, ou seja, que o ofendido e seus companheiros – Joerbeth, “Guxinim” e Welligton – atiraram contra a sua residência, forçaram e arrombaram a janela da frente de sua casa, com o objetivo de vingarem a morte de um membro da gangue nominado Paulo Vitor, que teria sido assassinado por um irmão do acusado nominado Adenilson.
12. Maria dos Santos Oliveira e Elizabeth Santos Barbosa, que a tudo – ou quase tudo – assistiram de sua casa, confirmaram os depoimentos do acusado e de sua companheira.
13. Com esses dados, e outros tantos, encerrou-se a fase administrativa, donde não entrevejo, ainda, indícios de que tenha sido o acusado o autor do crime.
14. Cediço que, cuidando-se, até aqui, de provas extrajudiciais, não se pode falar, validamente, em admissibilidade ou inadmissibilidade da acusação só com esteio nelas, pois que a prova pré-processual, embora relevante, não serve, isoladamente, solitária, para os fins colimados na pretensão punitiva do Estado.
14.01. Faz-se necessário, por isso, prosseguir na análise das provas produzidas, devendo, agora, ser objeto de exame a prova judicial, esta, sim, a prova por excelência, pois que bafejada pela ampla defesa e pelo contraditório, corolários do devido processo legal (due process of law).
15. Tendo às mãos o caderno inquisitório, o representante do Ministério Público, órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública, deflagrou a persecutio criminis in judicio.
16. Com a proposta ministerial ofertada ao Estado-Juiz, buscou o Ministério Público (artigo 129, I, da CF), submeter o autor do fato típico a julgamento perante seus pares, sabido que nec delicti manet impunita.
17. Albergando os autos matéria de competência do Tribunal do Júri, juiz natural para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, XXXVIII, da CF), o feito chega, à agora, à fase na qual dever-se-á decidir acerca da admissibilidade, ou não, da acusação, nos moldes preconizados nos artigos 408 e seguintes do CPP.
18. Registro que na construção da instrução probatória, eminentemente judicializada, nenhuma franquia constitucional do acusado deixou de ser respeitada ou foi postergada, assegurados, por isso, a ampla defesa e o contraditório, corolários do due process of law.
18.01. O contraditório e ampla defesa, constituíram-se, ao longo da persecução criminal, a base sólida sobre a qual se desenvolveu todo o processo, visando a proteção do acusado diante do aparato persecutório, realizando-se um processo justo e eqüitativo, único caminho aceitável para imposição de sanção de natureza penal.
19. A persecução criminal, em face do surgimento, do “conflito de interesses entre o direito de punir do estado e o direito de liberdade” do acusado, foi deflagrada, com sói ocorrer, em seus dois momentos, pelas autoridades policial e judiciária, a quem o Estado dotou de potestas coercendi, para praticam atos persecutórios, tanto no curso do inquérito policial quanto da relação processual.
20. Sob o manto do contraditório, ampla defesa e demais franquias constitucionais, o acusado Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo “Capim”, foi ouvido, tendo, na oportunidade, depois de relatar todas as cenas de violência protagonizadas por Joeberth, Welligton, “Luquinha” e “Guaxini”, os quais tentaram lhe matar em sua própria casa, negado a autoria do crime.(fls.88/90)
21. Realizado o interrogatório do acusado, donde se vê que negou a autoria do crime, passei a inquirir as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, iniciando por Joelson Rodrigues Palhano.
22. A testemunha em comento limitou-se a dizer que viu a vítima baleada e que Wellington lhe disse que tinha sido o acusado o autor do crime.(fls.99/100)
23. Maria Cristina dos Santos Oliveira, companheira do acusado, confirmou em juízo o que havia afirmado em sede administrativa, ou seja, de que o ofendido e seus comparsas – Joherbet, Wellignton e “Guaxini” – tentaram invadir a sua casa para matar o acusado.(fls.101/102)
24. Joerbeth Rodrigues Palhano, de sua parte, afirmou que ouviu da vítima que foi o acusado que a atingiu com um tiro de revólver. (fls.110/112)
25. Examinada as provas produzidas nas duas sedes – administrativa e judicial – concluo, na esteira de entendimento do Ministério Público, que as provas não autorizam a admissibilidade da acusação.
26. Em verdade, tem-se dois grupos de testemunhas bem distintos: as que faziam parte do bando do ofendido e as ligadas ao acusado, por laços de parentesco.
27. As testemunhas do bando do ofendido tentam, a qualquer custa, imputar a autoria do crime ao acusado; as testemunhas ligadas ao acusado, mais confiáveis, negam que ele tenha atirado contra “Luquinha”.
28. A conclusão a que chego, em face de tudo que foi produzido, é que, conquanto esteja provada a existência do crime, não há indícios de autoria idôneos a autorizar a admissibilidade da acusação.
29. É preciso convir quem sem um suporte probatório idôneo, não se pode, sem mais nem menos, transferir para o Tribunal do Júri Popular a responsabilidade de julgar um semelhante.
30. A verdade é que os indícios de autoria não são sérios, não são críveis, não autorizam, por isso mesmo, a pronúncia do acusado.
31. Não tenho a mais mínima dúvida de que o crime aconteceu. Isso é fato. Os indícios de autoria, nada obstante, não me parecem idôneos. Os elementos de prova nesse sentido, não formam o meu convencimento de que tenha sido o acusado o autor do crime.
32. O magistrado, ao examinar essas questões, não pode, pura e simplesmente, lavar as mãos e remeter a quaestio ao Tribunal do Júri. O magistrado só deve pronunciar, se tiver segurança mínima da idoneidade dos indícios de autoria.
33. O controle do magistrado sobre a admissibilidade da acusação necessita ser firme e fundamentado, de modo que, se assim não for, torna-se inadequado remeter o julgamento do processo ao Tribunal do Júri, sem qualquer perspectiva de haver condenação.
34. Tenho dito, no exame dessas questões, na esteira da melhor doutrina, que age muito mal o magistrado que, diante de casos de igual senda, se limita a lavar as mãos na hora da pronúncia, transferindo a responsabilidade do julgamento para o Tribunal do Júri.
35. Tudo de essencial posto e analisado, julgo improcedente a denúncia, para, de conseqüência, Impronunciar o acusado Luis Cláudio Barbosa Santos, vulgo “Capim”, nos termos do artigo 409 do Digesto de Processo Penal, por entender, na esteira do entendimento ministerial, que, malgrado provada a existência do crime, não há indícios sérios e idôneos acerca da autoria.
P.R.I.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.
Façam-se as comunicações de praxe.
São Luís, 05 de maio de 2007.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo penal, 4ª edição, Del Rey, 2005, p.80.
ibidem
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, 17ª edição, Atlas, 2005. p.28.
Brilhante sentença essa Dr, pois ao contráriuo do que se vê em casos tais, os Juízes jogam a responsabilidade em cima do corpo de jurados, sempre com a vaga alegação de que in dubio pro sociedade. Assim, depois de gastos desnecessários e longos debates o réu é absolvido por falta de provas e o Estado e todos os servidores desgastados aos olhos da sociedade, sempre com a singela alegação que não se faz justiça. Todos Juízes tinham de ter a coragem de V.Exª em aplicar a lei a cada caso concreto e não lavar as mãos jogando o caso para a sociedade. Parabéns!
Sou mineiro de Tarumirim, Minas Gerais, estudante do 8º período de Direito.
Parabéns pelas postagens. Estou lendo bastante coisas aqui.
A estrutura dessa sentença de impronúncia constitui uma belíssima peça de arquitetura jurídica.
Impressiona a maneira didática como é analisada a prova colhida nas duas fases da persecução criminal.
É esse senso de justiça que há de nortear os julgadores na apreciação de toda ação penal.
A precisão de seus escritos, certamente, decorrem do talento que lhe foi confiado pelo Criador.
Parabéns!
Que Magnitude esta respeitável SENTENÇA,é por isso que depois que conheci seu blog, só inicio os meus trabalhos apos uma breve leitura.
Parabéns, e continuei nos presenteando com tamanho saber jurídico.