Sentença absolutória. Preliminar de Nulidade. Direito de Presença. Inocorrência.

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de furto.

Em determinado momento expendi argumentos acerca da ampla defesa.

  1. Todos sabemos que, no Processo Penal, a defesa se apresenta sob dois aspectos: defesa técnica e autodefesa. A defesa técnica é indeclinável e deve, por isso, ser plenamente exercida. A defesa técnica é indisponível, pois é uma garantia de que o acusado litigará com o autor da ação penal com paridade de armas. Acerca dessa questão a lição de ANTONIO SCARANCE FERNANDES, segundo o qual “em duas direções manifesta-se o princípio da igualdade no direito processual: dirige-se aos que se encontram nas mesmas posições no processo – autor, réu, testemunha -, garantindo-lhes idêntico tratamento; dirige-se, também, aos que esteja, nas posições contrárias de autor e de réu, assegurando-lhes idênticas oportunidades e impedindo que a um sejam atribuídos maiores direitos, poderes, ou impostos maiores deveres ou ônus do que a outro”. [5]
  2. JOSÉ FREDERICO MARQUES, refletindo acerca da par conditio, obtempera, citando J.C.MENDES DE ALMEIDA, que o contraditório impõe “que se dê às partes ‘ocasião e possibilidade’ de intervirem no processo, de modo especial, ‘para cada qual externar seu pensamento em face das alegações do adversário’ ”.[6]
  3. Reafirmo que a defesa técnica há de ser plena, manifesta durante todo o processo, assegurando ao acusado, em todas as etapas do iter processual, as garantias que lhe são constitucional e legalmente conferidas, tais como o contraditório, o direito à prova e a garantia do duplo grau de jurisdição.
  4. Ao contrário da defesa técnica, o direito de autodefesa, embora não possa ser desprezado pelo magistrado, é renunciável, ou seja, poderá o acusado, se assim desejar, declinar sua presença no interrogatório e em outros atos processuais de instrução, bem como abster-se de postular pessoalmente aquilo que lhe é permitido por lei.
  5. A autodefesa apresenta-se sob três aspectos: a) direito de audiência, quando, pessoalmente, tem a oportunidade de defender-se, apresentando ao juiz da causa sua versão dos fatos; b) direito de presença, por meio do qual lhe é facultado acompanhar os atos de instrução e, assim, auxiliar o defensor na realização de sua defesa; e c) direito de postular pessoalmente sua defesa, interpondo recursos, impetrando habeas corpus e formulando pedidos relativos à execução de pena.

A seguir, a decisão, integralmente.

 

PROCESSO Nº 8222007
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO: E. S. C.
VÍTIMA: L. M.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra E. S. C., devidamente qualificado na inicial e no termo de qualificação e interrogatório, por incidência comportamental no artigo 155, caput, c/c o artigo 14, II, do CP, em face de, no dia  17 de janeiro de 2007, por volta das 11h00, nas proximidades da parada de ônibus do Anel Viário,  ter sido preso em flagrante, depois de ter tentado furtar dinheiro de L. M..


A persecução criminal teve início com o auto de prisão e flagrante do acusado. (fls.06/12)
Recebimento da denúncia às fls. 38/39.
O  acusado  foi qualificado e interrogado às fls. 47/49.
Durante a instrução criminal foi ouvida a vítima, L. M.(fls.94)
O acusado foi reinterrogado, nada acrescentando ao que já tinha dito no interrogatório anterior.(fls.117/118).
Na fase do 499 as partes  não requereram diligências. (fls.134v.).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais,   pediu a absolvição do acusado com espeque no inciso VI, do artigo 306 do CPP.(fls.137/141)
A defesa, de sua parte, pediu a anulação do processo, em face de ter sido maltratado o direito de presença do acusado e, quanto ao mérito, que seja o mesmo absolvido, com espeque no inciso IV ou VI, do artigo 386, do DPP.(fls. 145/151)

Relatados. Decido.

01.    Antes de examinar a questão de fundo, devo enfrentar a preliminar de nulidade agitada pela defesa.
02.   Devo dizer, de logo, que todos os magistrados que militam em São Luis, a exemplo de todos os magistrados do Brasil –  salvo alguma exceção que desconheço –  têm usado da faculdade que lhe confere a lei,  para retirar da sala de audiências os acusados, quando se dão conta de que da sua presença possa resultar prejuízo à verdade material.
02.01.   Os magistrados assim procedem, muitas vezes,  em face mesmo de apelos feitos pelas testemunhas – sobretudo as vítimas -, de que não desejam se defrontar com o acusado e nem depor em sua presença.
02.01.01.   Essas manifestações das vítimas e das testemunhas – muitas vezes antes mesmo de entrarem na sala de audiências –  nos dão a certeza – a mim e a todos os magistrados comprometidos com a verdade material -,   sobretudo nos crimes de especial gravidade, que a presença do acusado na sala de audiências pode influenciar, negativamente, nos depoimentos a serem tomados, em detrimento, claro,  da verdade substancial.
02.02.   As testemunhas e as vítimas, nesse sentido, sequer esperam que se observem os efeitos da presença do acusado durante a tomada de depoimento. Elas já chegam e, de imediato,  apelam  aos céus e ao quem for possível na terra, para que não as deixem diante dos acusados. É medo mesmo! É pavor! É pânico, pura e simplesmente.
02.02.01.  Diante dessa situação, diante das manifestações inequívocas das testemunhas de que não desejam depor na presença dos acusados, só mesmo um magistrado irresponsável e descomprometido com o trabalho, com a verdade e com a sociedade, deixaria o acusado na sala de audiências, influenciando negativamente nos depoimentos a serem tomados.
02.02.02.  Diante dessa situação, só mesmo um magistrado destituído de sensibilidade exporia  a vida e a integridade das vítimas e testemunhas –   todas, como o próprio magistrados, indefesas e sem garantias de segurança dimanadas do estado.
03.    Tenho entendido, fruto de larga experiência no exame e enfrentamento dessas questões, que seria um desalento, um desserviço para verdade real ouvir-se as testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, estando o acusado na sala de audiências.
03.01.   Um magistrado que tenha o mínimo de compromisso com a verdade, não pode quedar-se inerte diante dessa situação.
03.01.01.  É que, deixar o acusado na sala de audiências, defronte da vítima que hostilizou com sua ação, diante de uma testemunha indefesa que vem a juízo colaborar com o PODER JUDICIÁRIO,  é o mesmo que admitir não ter nenhum compromisso com a ordem pública e com a verdade substancial.
04.    É preciso convir, com o mínimo de sensibilidade, com o mínimo de sensatez, com o mínimo de discernimento, com o mínimo de altivez, que vivemos uma quadra difícil e que ninguém – nem mesmo o magistrado –  tem garantia de que não sofrerá um revés decorrente de uma decisão que tomou,  condenando esse ou aquele meliante.
05.   O DEFENSOR PÚBLICO que subscreve as alegações finais é testemunha do pânico que toma conta das testemunhas e/ou das vítimas, sempre que o acusado se aproxima da sala de audiências.
05.01.   Mas, ainda assim, desempenhando o seu mister como se espera do grande profissional que é, levanta a questão sob retina, malgrado saiba que da ausência do acusado não resulta nenhum prejuízo para sua defesa.
06.   A verdade real não pode ser uma falácia. A verdade  substancial precisa ser alcançada – ou, pelo menos, buscada.
06.01.   Mas não se alcança a verdade, submetendo as testemunhas e vítimas ao vexame, ao pavor de falar defronte de um acusado violento,  perigoso e destemido –  perigosidade, violência e destemor demonstrados, à farta,  durante a realização da empreitada criminosa.
07.    O que acontece no dia-a-dia de uma vara criminal é sintomático. Poucas são as vezes que não se encerra uma audiência sem que se tenha assistido, estarrecido, cenas lamentáveis de testemunhas e vítimas – sobretudo de assaltos – descontroladas emocionalmente, em face da situação a que foram submetidas.
08.    As testemunhas,  o DEFENSOR PÚBLICO sabe muito bem ,  muito antes do início das audiências, apelam, dramaticamente,  a quem estiver presente – seja o JUIZ, seja o PROMOTOR DE JUSTIÇA, seja um funcionário da Secretaria – , que não  permita  que o autor do fato se defronte com elas.
08.01.   Muitas são as testemunhas que, ao fazerem esse apelo, já estão tomadas de pânico, muitas vezes ficando impossibilitada, até, de prestar depoimento.
09.    No exame dessas questões nunca perco de vista o interesse público. Todavia não deixo que se solape nenhuma das franquias constitucionais dos acusados, sujeitos de direito que são. Mas também não ajo – não tenho esse direito –  em detrimento da verdade material.
10.   Se é verdade que o acusado tem direito de presença, não é menos verdade que esse direito cede ao interesse da verdade material, ao interesse público.
10.01.   Não se deslembre, no exame dessas questões, que não há direito absoluto. O direito de presença do acusado, como qualquer direito, é relativo e cede, sempre que o interesse público assim o reclamar.
10.02.   Não se olvide, no exame de questões desse jaez, que o acusado deixa a sala de audiências, mas o DEFENSOR PÚBLICO nela permanece, respeitadas todas as suas prerrogativas, assegurando-se a defesa técnica do acusado em toda a sua inteireza.
10.03.   Não se perca de vista que o DEFENSOR PÚBLICO, no exercício desse mister, pode, até,  se esse for o seu entendimento, pedir a suspensão da audiência, para que restabeleça o seu contato com o acusado, naquilo que for interesse da defesa.
11.   O DEFENSOR PÚBLICO sabe que o que digo aqui não é pura retórica, pois tudo tenho feito  no sentido de não amaldiçoar à defesa dos acusados que são retirados da sala de audiências.
11.01.   É que, repito, a retirada do acusado da sala de audiência não se constitui em nenhum impedimento a que o DEFENSOR PÚBLICO continue mantendo contado com o seu representado.
12.   Reafirmo, a guisa de reforço, que o DEFENSOR PÚBLICO, com a retirada do acusado da sala de audiências, não fica impossibilitado de manter contato com ele, ao tempo em que se realiza o ato;  se deixa de fazê-lo, o faz spot sua. Basta que, nesse sentido, requeira o contato, que cuido de suspender o ato pelo tempo que se fizer necessário.
13.   O curioso, nessa linha de argumentação, é que o mesmo DEFENSOR PÚBLICO que alega a nulidade do ato nunca, durante qualquer ato, se dignou a tentar sequer conversar com o acusado ao tempo em que se toma um depoimento qualquer. E nada – nada! Nada! Nada! –  o impede de fazê-lo, repito.
13.01.   Se o quisesse, bastava que formulasse o pedido que seria rapidamente atendido, pois, afinal, ele sabe que, liberal como sou, jamais deixaria de atender um pleito formulado nesse sentido, ainda que em face dele a audiência se protraísse no tempo.
14.    Mas admitindo-se, só pelo prazer de argumentar, que nulidade adviesse, em face da retirada da sala de audiências do acusado, ela seria, quando muito,  relativa, a exigir a demonstração do prejuízo.
14.01.   Ao que vejo das alegações finais da defesa, o subscritor da peça em comento se limita a apontar a nulidade, sem se dignar a descrever  um único prejuízo que tenha sido infligido à defesa do acusado.
15.    Tivesse o DEFENSOR PÚBLICO, com diz nas alegações finais, motivos para contraditar as testemunhas, bastava que se dirigisse ao acusado, antes de qualquer depoimento, e lhe cientificasse do nome e endereço da testemunha a ser contraditada.  Ou que, no mesmo sentido, formulasse pedido para contatar com o acusado, ao longo da realização do ato. E se pedir, será atendido – incontáveis vezes, sem restrição.
16.   Releva dizer, nessa linha de argumentação, que o DEFENSOR PÚBLICO, antes do interrogatório do acusado, contata com ele pelo tempo que entende necessário.
16.01.   Nessa oportunidade, se o quisesse, poderia informar ao acusado o nome das testemunhas que viriam em juízo depor, para os fins que se fizessem necessários, até mesmo, se fosse o caso, para contraditá-las.
17.   Lado outro, tivesse o DEFENSOR PÚBLICO motivo para contradita, bastava que, no momento oportuno, pedisse a suspensão da audiência, até que contatasse com o acusado para esse fim. E seria atendido, reitero. Na mesma hora, de imediato, sem retardo, de pronto.
18.    É preciso convir, voltando ao tema prejuízo,  que se o DEFENSOR PÚBLICO não foi capaz de apontar nenhum prejuízo decorrente da ausência do acusado, ao tempo do depoimento da parte  ofendida ou das testemunhas, ter-se-á de convir que nulidade não há a ser expungida, a ser deletada, defenestrada, enfim.
19.00.   No ano passo, no meu blog – http://www.assimdecido.blogspot – publiquei um artigo de minha autoria, em face de questões desse jaez.
20.00.   Permito-me, aqui e agora, trazer à colação o artigo em comento, à guisa de reforço dos argumentos suso lançados, verbis:

A PRODUÇÃO DE PROVAS ESTANDO AUSENTE O ACUSADO – REFLEXÕES SOBRE A AMPLA DEFESA, O CONTRADITORIO E A IGUALDADE PROCESSUAL

SUMÁRIO. I-À guisa de Introdução. II – Os princípios do contraditório e da ampla defesa. III – O princípio da igualdade processual. IV – A defesa técnica e a autodefesa. V – Os princípios da ampla defesa, do contraditório e da igualdade processual, ausente o acusado durante a produção de provas.

I –À GUISA DE INTRODUÇÃO

Antes da vigente Carta Política brasileira, o que existiam no Brasil eram resquícios do processo ditatorial inquisitivo a permear as regras jurídicas relativas à persecução criminal; hoje, com a sua vigência, vê-se sedimentado, definitivamente, o modelo acusatório brasileiro. Com o novo texto constitucional prestigiou-se a separação de papeis entre acusador, julgador e defensor. Em face das diretrizes constitucionais em vigor, ao acusado foi conferido o status de titular de direitos e não mais objeto da persecução. Nesse sentido, a LEX MAGNA consagra princípios fundamentais a fim de resguardar a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, os direitos e garantias daqueles que se vêem acusados da prática de delitos. Dentre esses princípios destacam-se os da igualdade, da legalidade, do devido processo legal, do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade dos atos processuais, da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

II – OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no artigo 5°, inciso LV, da CF, nos seguintes termos: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

No Processo Penal, a efetiva contrariedade à acusação é imperativa para o atingimento dos escopos jurisdicionais, objetivos só alcançáveis com a absoluta paridade de armas conferida às partes. O réu, pelo princípio do contraditório, tem o direito de conhecer a acusação a ele imputada e de contrariá-la, evitando que venha a ser condenado sem ser ouvido. Trata-se da exteriorização da ampla defesa, impondo uma condução dialética do processo. Não se pode, efetivamente, falar em justiça pública, em verdade material, se ao acusado não tiver sido dada ampla oportunidade de defesa. O processo penal, num Estado Democrático de Direito, deve zelar pela preservação da liberdade jurídica da pessoa humana, assegurando o exercício pleno dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. [1] O processo penal só se desenvolve validamente, se, inicialmente, for dado ao acusado a oportunidade de conhecer a acusação, se todas as comunicações forem realizadas e se tiver ciência de todos os atos praticados.

Do princípio do contraditório decorrem duas importantes regras: a da igualdade processual e a da liberdade processual. Pela primeira, as partes acusadora e acusada estão num mesmo plano e, por conseguinte, têm os mesmos direitos; pela segunda, o acusado tem a faculdade, entre outras, de nomear o advogado que bem entender, de apresentar provas lícitas que julgar convenientes e de formular ou não reperguntas às testemunhas.

É através do contraditório que uma parte se coloca defronte da outra, que uma parte tem ciência dos atos praticados pela outra parte, para que possa contrariá-los, já que, pelo princípio da igualdade, ambas as partes estão em posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz.

Infere-se das colocações suso que a necessidade de informação e a possibilidade de reação são elementos essenciais do contraditório, que deverá ser exercido de forma plena – durante todo o desenrolar da causa – e efetiva – proporcionando condições reais de contrariedade dos atos praticados pela parte ex adversa. É de relevo que se diga que o contraditório não admite exceções. Deve, pois, em face de sua dignidade constitucional, ser substancialmente observado. O Estado tem o dever de proporcionar a todo acusado condições para o pleno exercício de seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade. Esta defesa há de ser completa, abrangendo não apenas a defesa pessoal (autodefesa) e a defesa técnica (efetuada por profissional detentor do ius postulandi), mas também a facilitação do acesso à justiça, por exemplo, mediante a prestação, pelo Estado, de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.

Colho da lição da PAULO RANGEL que “A instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto processual) em sua exordial”.[2]

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, a propósito, afirma “em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito ‘primário e absoluto’ da defesa”. [3]

Para VICENTE GRECO FILHO o contraditório “pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes,obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção de provas, fazendo no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais devem estar presentes; e recorrer quando inconformado”. [4]

À luz dos princípios da ampla defesa e do contraditório, a questão controvertido e que nos interessa nesse texto é saber se há nulidade a falta de requisição – ou não apresentação – de acusados presos para os atos de instrução. Sobre essa questão deter-me-ei, depois, mais amiúde.

III – O PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL

O art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações, ainda que subjetivamente desiguais os contendores em um processo judicial. Essa cláusula geral de isonomia perante a lei deve se traduzir, também, em igualdade processual, nada obstante na ação penal pública o estado se faça representar pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Ambos, Estado e particular, numa demanda, devem estar em plano de igualdade, como os mesmos poderes e faculdades. Com os mesmos deveres processuais. Por ser o princípio da isonomia mais efetivo no processo penal, caso seja violado, a ação penal, em princípio, é nula.

IV – A DEFESA TÉCNICA E A AUTODEFESA

Todos sabemos que, no Processo Penal, a defesa se apresenta sob dois aspectos: defesa técnica e autodefesa. A defesa técnica é indeclinável e deve, por isso, ser plenamente exercida. A defesa técnica é indisponível, pois é uma garantia de que o acusado litigará com o autor da ação penal com paridade de armas. Acerca dessa questão a lição de ANTONIO SCARANCE FERNANDES, segundo o qual “em duas direções manifesta-se o princípio da igualdade no direito processual: dirige-se aos que se encontram nas mesmas posições no processo – autor, réu, testemunha -, garantindo-lhes idêntico tratamento; dirige-se, também, aos que esteja, nas posições contrárias de autor e de réu, assegurando-lhes idênticas oportunidades e impedindo que a um sejam atribuídos maiores direitos, poderes, ou impostos maiores deveres ou ônus do que a outro”. [5]

JOSÉ FREDERICO MARQUES, refletindo acerca da par conditio, obtempera, citando J.C.MENDES DE ALMEIDA, que o contraditório impõe “que se dê às partes ‘ocasião e possibilidade’ de intervirem no processo, de modo especial, ‘para cada qual externar seu pensamento em face das alegações do adversário’ ”.[6]

Reafirmo que a defesa técnica há de ser plena, manifesta durante todo o processo, assegurando ao acusado, em todas as etapas do iter processual, as garantias que lhe são constitucional e legalmente conferidas, tais como o contraditório, o direito à prova e a garantia do duplo grau de jurisdição.

Ao contrário da defesa técnica, o direito de autodefesa, embora não possa ser desprezado pelo magistrado, é renunciável, ou seja, poderá o acusado, se assim desejar, declinar sua presença no interrogatório e em outros atos processuais de instrução, bem como abster-se de postular pessoalmente aquilo que lhe é permitido por lei.

A autodefesa apresenta-se sob três aspectos: a) direito de audiência, quando, pessoalmente, tem a oportunidade de defender-se, apresentando ao juiz da causa sua versão dos fatos; b) direito de presença, por meio do qual lhe é facultado acompanhar os atos de instrução e, assim, auxiliar o defensor na realização de sua defesa; e c) direito de postular pessoalmente sua defesa, interpondo recursos, impetrando habeas corpus e formulando pedidos relativos à execução de pena.

V – OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓIRO DA IGUALDADE PROCESSUAL AUSENTE ACUSADO DURANTE A PRODUÇAO DE PROVAS.

Viu-se acima a relevância da ampla defesa e do contraditório. Viu-se acima que a defesa técnica é indisponível e que a autodefesa é renunciável. Em virtude da constatação de que a autodefesa é disponível, não se há de falar em nulidade, se o acusado, intimado, deixa de se fazer presente a qualquer ato do processo. Nessa hipótese, deverá o magistrado , ex vi legis,[7] decretar a sua revelia, devendo o feito ter seqüência sem a sua intimação para qualquer ato do processo.

Mas uma coisa é o acusado renunciar à sua autodefesa; outra coisa é sem obrigado a renunciar a ela, por omissão do Estado. Isso pode ocorrer, verbi gratia, quando o Estado, mantendo-o sob custódia, em face de uma prisão provisória, deixa de apresenta-lo a audiência de inquirição de testemunhas, conquanto requisitado. Diante dessa hipótese, há de perquirir-se quais as conseqüências da não apresentação do acusado e da produção de provas, estando ele ausente, por culpa do Estado.

Primeiramente, devo grafar que o magistrado, de lege lata, em face da ausência do acusado, não pode decretar a revelia do acusado, vez que a ausência não se deu spont sua. O acusado, de efeito, não pode ser penalizado em face da omissão do Estado. Sobre essa questão não há o que discutir. Revelia, impende consignar, só se ele, acusado, moto próprio, decide não se fazer presente ao ato, embora intimado para esse fim.

Pois bem. Mas se o magistrado, conquanto não tenha sido apresentado o acusado, ainda assim, realiza o ato? Nessa hipótese, haverá nulidade? Ocorrendo nulidade, ela é do tipo relativa ou absoluta? O magistrado, em face da não apresentação do acusado deve, sem exceção, adiar o ato? Ou o magistrado, querendo, pode realizá-lo e nulidade haverá apenas se restar demonstrado que a ausência do acusado trouxe prejuízos para sua defesa?

Para responder a essas indagações vou formular algumas situações práticas, através das quais ver-se-á que o só fato de o acusado estar ausente ao ato não significa, necessariamente, que ocorra nulidade, do que se inferirá que, de rigor, o magistrado pode, sim, produzir provas, sem a presença do acusado.

Vamos, pois, às hipóteses.

1º hipótese.

O acusado não é apresentado, o juiz ouve testemunha. A testemunha ouvida, nada sabe informar acerca do fato narrado na denúncia. Não dá a mais mínima contribuição à verdade material.

2ª hipótese.

O acusado não é apresentado e a testemunha presta depoimento que lhe é absolutamente favorável.

3ª hipótese.

O acusado não é apresentado e a testemunha presta depoimento absolutamente compatível com a sua confissão.

4ª hipótese

O acusado não é apresentado e a testemunha ouvida presta depoimento que lhe é absolutamente desfavorável.

5ª hipótese.

O acusado não é apresentado e a testemunha, ouvida sem a sua presença, presta depoimento a ele inteiramente desfavorável, cujo depoimento, no entanto, não é levado em conta na decisão condenatória, que, ao reverso, se arrima nos depoimentos prestados com a presença do acusado.

6º hipótese.

O acusado não é apresentado, o juiz ouve testemunhas, cujos depoimentos são desfavoráveis ao acusado. Esses depoimentos são, depois, são levados em conta para edição do decreto condenatório e a defesa, oportuno tempore, quantum satis, demonstra o prejuízo decorrente da realização do ato, estando o acusado ausente.

Vamos, a agora, à análise das questões postas à intelecção.

Nas três primeiras hipóteses não haverá nulidade alguma. Nem mesmo relativa, à falta de prejuízo, uma vez que os depoimentos prestados foram absolutamente favoráveis e/ou não influenciaram na verdade substancial.

Na quarta hipótese poder-se-á, sim, cogitar de nulidade. Mas nulidade relativa, cumprindo ao acusado demonstrar o prejuízo para sua defesa, decorrente de sua ausência. Sem a prova de prejuízo, não há nulidade, mesmo na hipótese em comento, tendo em vista que, malgrado ausente o acusado, o mesmo se fez representar pelo defensor técnico.

Na quinta hipótese, também não haverá nulidade, pois que o depoimento, malgrado desfavorável ao acusado, não foi levado em conta na formação da convicção do magistrado, que arrimou a sua decisão em outras provas produzidas.

Na sexta hipótese, haverá nulidade e o juiz, sem enleio, deve anular o feito, para realizar nova instrução.

VI-CONCLUSÃO

De todo o exposto se conclui, sem a mais mínima duvida, que o só fato de o magistrado inquirir testemunhas sem a presença do acusado, não causa, ipse jure, nulidade. É necessário que se reafirme, nesse sentido, que não basta que o ato seja praticado em desconformidade com o modelo legal para que se declare uma nulidade. É indispensável a verificação de certos pressupostos – como se viu nas hipóteses acima elencadas – , os quais deverão ser analisados a partir de cada caso concreto.

Não se pode deslembrar, no exame de questões que tais, que nos ordenamentos modernos não há mais lugar para o denominado ‘sistema de legalidade das formas’. Hodiernamente, todos sabemos, vige o ‘sistema da instrumentalidade das formas’, “em que se dá mais valor à finalidade pela qual a forma foi instituída e ao prejuízo causado pelo ato atípico, cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação, a conveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado em desacordo com o modelo legal”. [8]

A ausência do acusado, motivada pela omissão do Estado, diferente do que se possa imaginar prima facie, não causa, necessariamente, nenhuma nulidade, mesmo porque o direito à presença do acusado durante a instrução processual não é absoluto; ele pode ceder, sim, se, no interesse, verbi gratia, da verdade material.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de certa feita, decidindo sob questão similar, afirmou que entendimento daquela Corte “orienta-se no sentido de que a presença do acusado na audiência de instrução, embora recomendável, não é essencial para a validade do ato, tratando-se de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação concreta do prejuízo, mormente se a oitiva das testemunhas foi acompanhada pelo defensor por ele constituído” [9]

No mesmo sentido a decisão do mesmo Sodalício segundo a qual “A ausência do réu na audiência de instrução não provoca sua nulidade, mormente se, devidamente requisitado, não compareceu o acusado, nem seu advogado, sendo-lhe, porém, nomeado defensor ad hoc, que atestou a inexistência de prejuízo para a defesa”.[10]

Na mesma senda a decisão que proclama que a “A ausência do acusado no depoimento da primeira testemunha arrolada pela acusação, no presente caso, não constitui causa de nulidade, uma vez que além de presente seu defensor, não foi demonstrado o prejuízo sofrido (pas de nullité sans grief)” [11]

Na mesma direção o aresto segundo o qual “A ausência do acusado, ainda que requisitado à autoridade policial, durante a realização de audiência de instrução, presente o seu defensor, constitui nulidade relativa que deve ser argüída no momento oportuno com demonstração de prejuízo, o que não ocorreu”.[12]

Na mesma trilha da tese esposada neste artgio a decisão que ensina que “Estando o réu preso na mesma comarca em que tramita o processo, a falta de requisição para o comparecimento a audiência de oitiva de testemunhas acarreta nulidade relativa, que deve ser alegada no momento oportuno. Hipótese em que, ademais, os testemunhos colhidos sem a presença do acusado sequer foram mencionados no decreto condenatório”.[13]

O SUPREMO SODALÍCIO tem decidido, também reiteradamente, no mesmo diapasão, ou seja, de que “Não é obrigatória a presença do réu na audiência de instrução, o que pode apenas configurar nulidade relativa que depende de argüição em tempo oportuno com a demonstração do dano efetivamente sofrido (arts. 500 e 571, inciso II, do CPP).[14]

Na mesma vereda e em socorro da tese a decisão de que “A não-requisição do preso para a audiência de oitiva da vítima e das testemunhas, sem que haja demonstração de prejuízo, não é causa de nulidade, sobretudo porque consta a presença de defensor em todos os atos processuais”. [15]

Com as considerações supra devo reafirmar que a ausência do acusado, necessariamente, não significa hostilização aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da igualdade processual. O juiz condutor do processo, portanto, não está obrigado a adiar o ato somente porque a autoridade policial, v. g., deixou de apresentar o acusado. Mas cabe a ele, enquanto fiador do garantismo, envidar todos os esforços para que a defesa se faça plena.
Essas questões envolvendo nulidades processuais, não podem ser vistas de forma estanque. Cada caso deve ser examinado apartir de suas circunstâncias.
Devo sublinhar, à luz do exposto, que é um despautério antever a nulidade de uma instrução criminal, apenas e tão-somente porque o acusado não se fez presente duante a produção de provas.
Gostaria muito de, um dia, assistir a um Defensor ou Advogado pedindo a anulação de um processo, sob esse fundamento, tendo sido a prova produzida inteiramente favorável à defesa. Tenho muita vontade de ver um defensor ou procurador pedindo a anulação de uma instrução, em face de um depoimento tomado sem a presença do acusado, que não influenciou em nada para definição da verdade substancial. Tenho muita vontade de assistir a um Defensor, ou advogado, pugnando pela anulação de um processo, em face da tomada de um depoimento sem a presença do acusado, cujo depoimento não teve nenhuma repercussão na decisão sob ataque.
Se um Defensor ou procurador, na via recursal, anular um processo nas hipóteses acima elencadas, terei a convicção de que, definitivamente, preciso reaprender o que significam ampla defesa, contraditório e igualdade processual.

[1] GOMES, Marcus Alan de Melo, A Prisão Provisória: Aspectos constitucionais e infraconstitucionais, apud GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Diretrizes constitucionais aplicadas no âmbito do Direito Processual Penal. Jus Navigandi.

[2] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 6ª edição, Lumenjuris, p. 15.

[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal, Sraiva, 2001, p. 15

[4] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, Sraiva, 1991, p. 65

[5] FERNANDES, Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, 4ª edição, Revista dos Tribunais, p.50.

[6] MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Bookseller, 1997, p. 87

[7] Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)

[8] GRINIVER Ada Pellegrini e outros, in AS NULIDADES NO PROCESSO PENAL, 7ª edição, Revista dos Tribunais, p.27.

[9] Processo HC 62238 / SP ; HABEAS CORPUS 2006/0147456-4 Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 06/02/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 12.03.2007 p. 280

[10] Processo HC 27890 / SP ; HABEAS CORPUS 2003/0056935-4 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 31/05/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.02.2006 p. 325

[11] Processo RHC 14378 / PR ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0060121-3 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 18/05/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 07.06.2004 p. 239
[12] Processo RHC 14199 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0038733-6 Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 26/08/2003 Data da Publicação/Fonte DJ 29.09.2003 p. 278
[13] Processo RHC 8915 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 1999/0069494-5 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 04/11/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 06.12.1999 p. 102
[14] HC 83409 / SP – SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 02/03/2004 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJ 26-03-2004 PP-00024 EMENT VOL-02145-02 PP-00342 RTJ VOL-00191-02 PP-00576 Parte(s) PACTE.(S) : ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA OIAS IMPTE.(S) : ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA OIAS COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

[15] HC 73826 / SP – SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 10/09/1996 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJ 16-11-2001 PP-00007 EMENT VOL-02052-01 PP-00162 Parte(s) PACTE. : MAURÍCIO ERMELINDO PANSANI IMPTE. : MAURÍCIO ERMELINDO PANSANI COATOR : TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

21.00.   Com as considerações acima, afasto a preliminar de nulidade e passo ao exame da matéria de mérito, devendo, antes, por óbvias razões, examinar, com percuciência, a prova amealhada nos autos, nos dois momentos da persecução criminal.
22.00.     Os autos sub examine albergam a pretensão do MINISTÉRIO PÚBLICO,   (res in judicio deducta ), no sentido de que seja apenado o acusado EDENELSON SILVA CASTRO, por incidência comportamental no artigo 155, caput, c/c artigo 14, II, do CP, em face de, no dia  17 de janeiro de 2007, por volta das 11h00, nas proximidades  de uma parada de ônibus, no Anel Viário, ter tentado furtar o senhor  LUCIANO MEIRELES.
23.00.   A persecução criminal (persecutio criminis) se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como  preconizado  no  direito  positivo brasileiro.
24.00.  Na primeira fase da persecução avultam de importância a palavra do ofendido, que disse ter visto o acusado correndo com o dinheiro nas mãos, que havia tirado do seu (do ofendido) bolso. (fls.07)
25.00.  O ofendido aduziu que o acusado retirou R$ 70,00(setenta) reais do seu bolso e que foi perseguido e pego por taxistas.(ibidem)
26.00.  Além do ofendido, foi ouvido, ademais, o acusado, o qual manifestou o desejo de só se manifestar em juízo.(fls.08)
27.00.  De importância vejo do caderno administrativo, ademais, o auto de apresentação e apreensão de fls. 10).
28.00.   Com esses e outros dados, foi deflagrada (deflagrare) a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF) ( nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio) tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO (artigo 5º, I, da CF)  , na proemial (nemo in indicium tradetur sine accusatione), denunciado o  acusado, por incidência   comportamental no artigo 155, caput, c/c artigo 14, II, do CP.
29.00    Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF)  , o acusado foi qualificado e interrogado.
30.00   O acusado, nesta sede, admitiu ser possuidor de maus antecedentes, pois que, esta era a quinta vez que estava sendo processado, já tendo sido, inclusive,  sentenciado duas vezes –  por uso de drogas e por furto.(fls.47/49).
31.00.   O acusado, conquanto declinasse, sem acanhamento, os seus péssimos antecedentes, negou que tivesse praticado o crime narrado na denúncia. (ibidem)
32.00.   O acusado admitiu que, no dia do fato, passou próximo à vitima e que, ato contínuo, os moto-taxistas das proximidades meteram a mão no seu bolso e retiraram  trinta e cinco reais, alegando que se tratava de dinheiro do ofendido.(ibidem)
33.00.   Em outro excerto o acusado alegou que o dinheiro em comento se destinava a compra de peças de bicicleta e que a vítima alegou que a importância dela subtraída tinha sido de R$ 170,00 (cento e setenta reais).(ibidem)
34.00.   Noutro naco o acusado disse que a vítima, inclusive, ao se dar conta do equívoco, quis desistir da acusação, porém foi impedida de fazê-lo.(ibidem)
35.00.   Dando prosseguimento à instrução, foi ouvido o ofendido, que, de seu turno, confirmou a ocorrência do crime, dizendo que, no dia do fato, apareceu um desconhecido que lhe pediu que pagasse um dose de bebida e que, quando tirou a carteira porta cédulas do bolso, o desconhecido aproveitou  a ocasião e lhe tomou a carteira, tendo sido, no entanto, perseguido e preso, com a ajuda de moto-taxistas.(fls.94)
36.00.   Essas as provas amealhadas.
37.00.   Vou, a seguir, expender as minhas conclusões em face delas.
38.00.   A prova judiciária, sabe-se, tem um claro, claríssimo objetivo, qual seja “ a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é com, com a verdade dos fatos”.
38.01.   Essa tarefa, de reconstruir a verdade dos fatos, não é fácil de ser cumprida, resultando, não raro, que, pese as várias provas produzidas, não se consegue a reconstrução histórica dos fatos, assomando dos autos, muitas vezes,  apenas a verdade processual.
38.01.01.  O processo, muitas vezes, produz apenas uma certeza  do tipo jurídica, mas que pode, sim, não corresponder à verdade da realidade histórica.
38.02.   Nos autos sub examine, é bem de ver-se, essa realidade histórica ficou ainda mais distante, tendo em vista que a principal prova – o depoimento do ofendido – carece de credibilidade.
39.00.   De efeito, além da prova judicial se restringir à palavra do ofendido, esta apresenta-se contraditória e sem caução no contexto probatório.
39.01.   Assim é que o ofendido, para o mesmo fato, apresenta duas versões conflitantes, a retirar a sua credibilidade.
39.01.01.  Na polícia disse que o acusado meteu a mão no seu bolso e saiu correndo com o seu dinheiro nas mãos.
39.01.02.  Em sede judicial, diferente, disse que o acusado pediu que lhe pagasse uma dose de bebida e que, quando pegou a carteira porta cédulas, o acusado a pegou e saiu correndo.
40.00.   Com essas duas versões para o mesmo fato, o ofendido autoriza a absolvição do acusado, de mais a mais porque foi a única prova produzida em sede judicial.
41.00.   A palavra do ofendido, todos sabem, nos chamados crimes clandestinas, tem especial relevância para definição da autoria, tendo em vista que, não raro, é a única testemunha dos acontecimentos.
41.01.   Todavia, para que se possa decidir com arrimo no depoimento do ofendido, é necessário que ele não destoe, não conflito e nem se mostre insulado no contexto probatório, pena de não servir para os fins colimados.
42.00.   Além de ter prestado o ofendido dois depoimentos conflitantes, há um dado a mais a desprestigiá-lo, qual seja, o valor apreendido em poder do acusado, imediatamente após a sua prisão.
43.00.   Convenhamos, se o acusado foi perseguido e preso, logo após a prática do crime, como se justifica que, tendo subtraído R$ 70,00(setenta reais), com ele só tenham sido R$ 20,00 (vinte reais)?
44.00.   Seria, a meu sentir, rematada tolice o acusado, podendo se desfazer da res furtiva por inteiro, guardar em seu poder uma pequena parte, para servir de lastro probatório em seu desfavor.
45.01.   Ademais, porque, viu-se acima, o acusado é macaco velho, escolado. Não é jejuno em matéria de crime, tanto que, ao ser preso, invocou o direito constitucional de permanecer calado.
46.00.   Repito, na esteira de argumentação do Ministério Público, que o depoimento do ofendido, isolado, nos moldes em que se apresenta, desservem aos fins colimados.
47.01.   Não se pode, francamente, condenar um acusado com base em prova claudicante, inconsistente – imprestável, enfim.
48.00.   É truísmo afirmar, mas devo dizê-lo, que “ para que o juiz declare a existência da responsabilidade  criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autoria”.
49.00.   Confesso, sinceramente, que, a par do patrimônio probatório, tenho sérias duvidas de que o crime tenha sequer ocorrido.
50.00.   O magistrado, importa gizar, só estará convicto de que o fato ocorreu e de que seja determinada pessoa a autora do ilícito, só terá a certeza  do crime e de sua autoria, “  quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos“.
51.00.   A prova que autoriza a condenação, todos sabemos,  “é a produzida na instrução processual, que é contraditória, perante o juiz que dirige o processo, e que forma sua convicção pelo princípio do livre convencimento fundamentado, vigorante em nossos processo”.
52.00.   A prova produzida sob os auspícios das franquias constitucionais do acusado, in casu sub examine,  não foram suficientes para definição de sua responsabilidade penal, daí ser irrefragável, inevitável  a sua absolvição, por insuficiência de provas.
53.00.   A verdade que dimana dos autos é que o MINISTÉRIO PÚBLICO denunciou o acusado por ter supostamente infringido um comando normativo, mas não logrou, entrementes, demonstrar, quantum sufficit, a sua responsabilidade pelo ocorrido.
54.00.   Sem que conseguisse o MINISTÉRIO PÚBLICO demonstrar tenha o acusado enfrentado um comando normativo penal, resta, debalde, com efeito, a sua pretensão, pois que, é ressabido “ de nada adiante o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstra que se encontra numa situação que permite a incidência da norma” .
55.00.   A finalidade da prova, nunca  é demais repetir, é o convencimento do juiz, que é seu destinatário, de que determinado acusado tenha infringido um comando normativo.
55.01.   No processo, a prova, bem por isso, não é um fim em si mesma.
55.02.   Sua finalidade é prática, ou seja, convencer o juiz . 55.02.01.  Não da certeza absoluta, a qual, devo dizer, é sempre impossível, “ mas a  certeza relativa suficiente na convicção do magistrado”.
56.00.   É de relevo que se diga que não é ao acusado que cabe o ônus de fazer prova de sua inocência.
57.01.   Nessa hipótese seria a consagração do absurdo constitucional da presunção da culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito.
57.01.01.  É órgão estatal que tem o dever de provar que tenha o réu agido em desconformidade com o direito.
58.00.   Decidir em desfavor do  acusado, com espeque em incertezas,  seria, a meu sentir, decidir arbitrariamente. Seria, releva dizer, afrontar o princípio da livre convicção, transformando-o em arbítrio,  pura e simplesmente.
59.00.   É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova.
59.01.   Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo.
60.00.   É de rigor que  o juiz deve fundamentar todas as suas decisões (Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 05 de outubro de 1.988 e Código de Processo Penal, artigo 381, III ).
60.01.   Todavia, o juiz só pode fazê-lo, se provas forem produzidas em sede judicial, das quais possa concluir pela responsabilização penal do autor do fato.
60.01.01.  Jejuno de provas  judiciais o processo acerca da culpabilidade do autor do fato, o magistrado não dispõe de dados que lhe permita fundamentar uma decisão.
60.01.02.  A menos que, absurdamente, pudesse decidir somente segundo sua experiência pessoal, segundo dados que não foram colhidos nos autos.
61.00.   O decreto condenatório precisa estar fincado sobre os elementos carreados ao processo e que ofereçam ao magistrado sentenciante a pacífica certeza da ocorrência dos fatos censurados e apontem sua autoria.
62.01.   Existindo fragilidade nas escoras probatórias, todo o juízo edificado padece de segurança, dando margem às arbitrariedades e pondo em risco o ideal de justiça preconizado pelas sociedades democráticas.
63.00.   In casu sub examine, as provas produzidas em fases policial e judicial, não são suficientes, para expedição de uma condenação criminal.
63.01.   E se as apresentadas não forem aptas a apoiar a convicção do magistrado, dando segurança para embasar um decreto condenatório, o acusado deve ser absolvido.
64.00.   Os Tribunais não discrepam, como sói ocorrer, como se pode ver na decisão segundo a qual “Ante a insuficiência de conjunto probatório capaz de sustentar um Decreto condenatório e, não restando demonstrada a autoria do delito por parte do recorrido, é de se conceder provimento ao recurso para, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, absolver o recorrente.
65.00.   No mesmo rumo a decisão de “não sendo o conjunto probatório suficiente para afastar toda e qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal do acusado, imperativa é a prolação de sentença absolutória. Inteligência do art. 386, VI, do CPP.
66.00.   Indícios, releva anotar, não autorizam a edição de um decreto de preceito condenatório. Se assim não fosse, estabeleci-ia  o arbítrio, pura e simplesmente.
67.00.   Nesse sentido a mais judiciosa jurisprudência, ou seja, no sentido de que “Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da autoria deve ser concludente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição do réu deve prevalecer”
68.00.   Navegando nas mesmas águas a decisão de que  “Inexistindo prova robusta para proferir-se um decreto condenatório, a melhor solução é a absolvição do acusado, atendendo ao princípio do in dubio pro reu, uma vez que, para ensejar uma reprimenda criminal, a autoria e a materialidade do delito têm de estar absolutamente comprovadas nos autos.
69.00.   Segue na mesma vereda a decisão de que “Não bastam indícios e presunções para que o estado-juiz possa condenar o acusado. É indispensável que a prova constitua uma cadeia lógica que conduza à certeza da autoria. Se um dos elos dessa cadeia mostra-se frágil, se algum mosaico do estrado probatório comparece destruído, outra alternativa não resta, a não ser a absolvição do acusado.
70.00.   A condenação criminal, num ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, “não pode ser ditada por mero juízo de probabilidade, devendo estar alicerçada em elementos seguros da autoria criminosa, mormente se considerado que o Direito Penal não opera com conjecturas, estando o sistema penal assentado na presunção de inocência do réu.
70.01.   A condenação, ao reverso, “deve basear-se em provas claras e seguras, produzidas sob o pálio do contraditório, ou em relevantes elementos de convicção colhidos na fase extrajudicial, desde que corroborados por prova judicial escorreita e tudo em respeito e em homenagem ao princípio da verdade real que, em matéria penal, deve sempre prevalecer sobre a verdade formal.
71.00.    TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência, ABSOLVER  EDENELSON SILVA CASTRO, da imputação que lhes é feita pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, o fazendo com espeque no inciso VI, do artigo 306, do Digesto de Processo Penal.
72.00.    P.R.I.C.
73.00.   Sem custas.
69.00.   Após o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.
70.00.   Comunicar o arquivamento, a seguir, à distribuição, para os devidos fins.
São Luis, 22 de setembro de 2008.

   Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Sentença absolutória. Preliminar de Nulidade. Direito de Presença. Inocorrência.”

  1. Bom dia Dr.
    Por acaso, navegando na internet, encontrei a sua manifestação. Muito bom a sua forma de pensar e agir. Estou lendo o artigo.

    Att.

    Chaban

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