Sentença condenatória. Lesão Corporal de natureza grave. Sedes da lesão. Perigo de Vida.

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de lesão corporal de natureza grave.

Os excereto a seguir publicados são da parte conclusiva da sentença, depois da análise criteriosa das provas produzidas.

  1. Devo dizer, inicialmente, que, para mim, a par do patrimônio probatório, não se tem dúvidas de que o crime existiu, que seu autor foi o acusado e que, ademais, não agiu sob nenhuma excludente de ilicitude.
  2. Do que dimana das alegações finais da defesa, a única questão controvertida é a prova técnica, com o que deixa entrever que também não tem dúvidas da existência do crime e de sua autoria.
  3.  A par, pois, dos argumentos da defesa no que se refere á prova técnica, passo, a seguir, a expender as minhas considerações.
  4. Pois bem. A defesa, em suas alegações finais, disse-o acima, postulou a desclassificação da imputação inicial, em face da imprestabilidade da prova pericial, à falta, por exemplo,  de motivação em suas conclusões.
  5. A defesa alega, ademais, que os peritos, dez dias depois, já concluíram que da lesão sofrida pela vítima resultou incapacidade para ocupações habitais por mais de trinta dias.
  6. Devo dizer, a propósito, que, se é verdade que o laudo acostada às fls. 11 deixa margens para dúvidas, em face da resposta precipitada e a destempo acerca do período em que o ofendido ficaria incapacitado para o desempenho das ocupações habitais, não é menos verdadeiro que o exame complementar acostado às fls. 234 defenestra o equívoco, pois que, nele, os peritos responderam à mesma indagação mais de cinqüenta dias após a ocorrência do crime.

A seguir, a decisão, por inteiro.

PROCESSO  Nº 230452005
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO: J. E. R. A., VULGO “GIGANTE”
VÍTIMA: L. D. S. G.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J. E. R. A., vulgo “Gigante”, devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 129 §1º, I e II, do CP, contra L. D. S. G., fato que aconteceu no bairro Sá Viana, por volta das 23h00na época dos festejos juninos, fazendo-se acompanhar o acusado do menos L. F. DE J., vulgo “Luizinho”, com a utilização de instrumentos pérfuro-cortantes, cujos fatos estão narrados na denúncia, que, por isso, passa a compor o presente relatório.

A persecução criminal teve início mediante portaria (fls. 07).
Laudo pericial às fls. 11/12.
Recebimento da denúncia às fls. 41/42.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls.61/63.
Defesa prévia às fls. 63v.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas L. C. P. (fls.196/198), L. D. S. G. (fls.199/202) e  J. M. S.. (fls.203/207)
O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu diligência na fase do artigo 499, que foi deferida (fls.231v.), com o acostamento aos autos do Exame Complementar. (fls.234)
A defesa, na mesma fase, nada requereu.(fls.236v.)
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu, alfim, a condenação do acusado,  nos termos da denúncia.  (fls.238/242)
O Defensor do acusado, de seu lado, pediu a desclassificação da imputação inicial, em face de não ter restado comprovada a incapacidade da vítima para as ocupações iniciais por mais de trinta dias, vez que o exame complementar foi realizado antes de fluir o prazo em comento.(fls.244/247)

Relatados. Decido.
01.00.   J. E. R. A., vulgo “Gigante”, foi denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (ne procedeta judex ex officio  e nemo judex sine actore), com legitimidade ad causam e ad processum para ocupar o pólo ativo da relação jurídica processual, à alegação de ter malferido o artigo  129, §1º, I e II,  do Codex Penal, porque teria lesionado  L. D. S. G.,  com instrumento pérfuro-cortante, fato que teria ocorrido no dia  02 de julho de 2005, por volta da 00h00, contando o acusado com o concurso de  L. F. DE J., vulgo “Luizinho”.
02.00.   A denúncia formulada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO estava acompanhada de um “suporte mínimo de prova”  , daí a razão do seu recebimento, sabido que o só ajuizamento de uma ação penal  já atinge a dignidade do acusado, “ de modo a provocar graves repercussões na órbita do seu patrimônio moral.”
03.00.   Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa do acusado, sabido que o  réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
03.01.   Na jurisdição penal, é consabido, a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva.
03.01.01.  São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.
04.00.   Como de praxe no direito pátrio, em dois momentos distintos produziram-se dados probatórios, em face do crime de  lesão corporal que teria sido praticado pelo acusado J. E. R. A., vulgo “Gigante”, contando com o concurso do menor  L. F. DE J., vulgo “Luizinho”.
05.00.      O procedimento administrativo teve início mediante portaria.(fls.07)
06.00.   Na fase pré-processual avulta de importância o depoimento do ofendido L. D. S. G., que narra, em detalhes, as lesões que sofrera, em face da ação do acusado J. E. R. A. e do menor  L. F. DE J..(fls.09/10)
07.00.   Da mesma sede entrevejo o EXAME DE CORPO DE DELITO, onde estão descrit.as as lesões produzidas no ofendido e a notícia de que foi submetido a uma cirurgia do tipo LAPAROTOMIA EXPLORADORA. (fls.11/12)
08.00.   Na mesma sede foi ouvido o acusado JORGE EDUARDO RABELO AZEVEDO, vulgo “Gigante”,  o qual confessou a autoria do crime de que cuidam os autos sub examine.(fls.17/18)
09.00.   Outros depoimentos relevantes foram colhidos em sede administrativa, convindo anotar que E. S. M. afirmou que o acusado  J. R. A., vulgo “Gigante”, e L. F. DE J., vulgo “Luizinho”, produziram duas lesões no ofendido, sendo que o acusado o lesionou pelas costas.(fls.24)
10.00.   A testemunha E. S. M., vulgo “Deco”, mesmo distante, disse que viu quando o acusado agarrou a vítima por trás enquanto L. F. DE J., vulgo “Luizinho”, lhe agredia pela frente com algo que tinha nas mãos, não sabendo informar, no entanto, se se tratava de um instrumento cortante. (fls.26)
11.00.   F. M. C. também foi ouvido em sede extrajudicial, tendo informado que observou o acusado J. E. R. A. e seu grupo agredindo fisicamente a vítima, porém não chegou a identificar quem o lesionou.(fls.31/32)
12.00.   De tudo que restou colacionado e analisado resulta da constatação de que o acusado J. E.R. A., vulgo “Gigante”, foi, sim, o autor das lesões produzidas no ofendido, contando com o concurso do menor  L. F. DE J., vulgo “Luizinho”.
13.00.   Cediço, no entanto, que, até aqui, cuidou-se se analisar apenas provas produzidas em sede extrajudicial, as quais, é consabido, isoladas, não se prestam a autorizar a edição de um decreto de preceito sancionatório.
14.00.   Faz mister, pois, persistir, com sofreguidão, analisando as provas produzidas nos autos,  na sede das garantias constitucionais.
15.00.   Pois bem. Com os  dados preambulares amealhados em sede extrajudicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO deflagrou a persecutio criminis in judicio, imputando ao acusado  J. E. R. A., vulgo “Gigante”, a pratica do crime de lesão corporal de natureza grave(artigo 129,§1º, I e II, do Digesto Penal.
16.00.   Com a proposta ministerial ofertada ao Estado-Juiz, buscou o MINISTÉRIO PÚBLICO (artigo 129, I, da CF),  submeter o autor do fato típico a julgamento perante o competente órgão judicial, sabido que  nec delicti manet impunita.
17.00.   Registro que na construção da instrução probatória, eminentemente judicializada, nenhuma franquia constitucional do acusado deixou de ser respeitada ou foi postergada,  assegurados, por isso, a ampla defesa e o contraditório, corolários do due process of law.
17.01.   O contraditório e ampla defesa, constituíram-se, ao longo da persecução criminal, a base sólida sobre a qual se desenvolveu todo o processo, visando a proteção do acusado diante do aparato persecutório, realizando-se um processo justo e eqüitativo, único caminho aceitável para imposição de sanção de natureza penal.
18.00.   A persecução criminal, em face do surgimento, do “conflito de interesses entre o direito de punir do estado  e o direito de liberdade”   do acusado, foi deflagrada, com sói ocorrer,  em seus dois momentos, pelas autoridades policial e judiciária, a quem o Estado dotou de potestas coercendi, para praticam atos persecutórios, tanto no curso do inquérito policial quanto da relação processual.
19.00.   Sob o manto do contraditório, ampla defesa e demais franquias constitucionais, o acusado  J. E. R. A. foi ouvido, tendo, na oportunidade, confessado que, no dia do fato, “brigou com a vítima, porque esta, antes, havia agredido um primo” seu, nominado W..(fls.61/63)
20.00.   O acusado, noutro excerto, disse não ser verdade que tenha agredido o ofendido “por causa de um real” e que, no dia do fato, ao deparar-se com a vítima, “lembrou-se do ocorrido com seu primo, tendo decidido, nessa hora, desforrar as agressões”. (ibidem)
21.00.    Convém anotar que a agressão que teria sofrido o primo do acusado seu deu no natal, ou seja, seis meses antes do fato criminoso de que cuidam os autos presentes.
22.00.   Dando seqüência à análise do depoimento do acusado, importa consignar que o mesmo, mais adiante, disse que, a despeito da briga com o ofendido e do fato de o mesmo ter sido lesionado, não sabe a quem atribuir a autoria da(s) lesão(ões)(ibidem)
23.00   O acusado, em outro fragmento, disse que, no dia do fato, estava acompanhado de seu irmão, J. E., o qual, no entanto, não teve qualquer participação durante a sua contenda com o ofendido.(ibidem)
24.00.   Mais adiante o acusado disse que, “ mesmo depois de encerrada a briga”, não se deu conta de que a vítima tivesse sido lesionada. (ibidem)
25.00.   A prova produzida em sede judicial não se limitou à palavra do acusado, que, já se sabe, confessou a autoria do crime.
25.01.   Nesta mesma sede, de efeito, foram produzidas várias provas testemunhais, cujos depoimentos analisarei a seguir, com a mesma detenção.
26.00.   Durante a instrução probatória foi ouvida, dentre outras, a testemunha  L. C. P., o qual, tergiversando, não trouxe elementos que pudessem definir como se deu a ocorrência. (fls.196/198)
27.00.   Mas, além da testemunha L. C. P. e do acusado, também foi ouvido nesta sede o ofendido, o qual, de seu turno, disse que, estando no arraial da Vila Embratel, apareceu o acusado e uns amigos, pedindo um real, tendo o ofendido atendido ao pedido.(fls.199/202)
28.00.   O ofendido prosseguiu dizendo que, depois, o acusado retornou e lhe pediu mais um real, tendo, nessa hora, dito que não tinha e tratou de sair do local, mas o acusado o agarrou por trás, lhe argolou e lhe furou. (ibidem)
29.00.   O ofendido disse que, em seguida, já lesionado pelo acusado, saiu correndo, mas LUIZINHO lhe deu um raspa, derrubando-o no chão, para, em seguida, correr para dentro da barraca de “Baixinho”, ocasião em que o acusado e seu comparsas passaram a jogar garrafas na sua direção. (ibidem)
30.00.   O ofendido afirmou que somente se recorda da lesão que lhe foi produzida pelo acusado, vez que, depois, não viu mais nada.(ibidem)
31.00.   O ofendido ajuntou dizendo que o acusado o lesionou no intestino, mas que sofreu mais duas lesões, sem saber, no entanto, que teria sido o autor das mesmas. (ibidem)
32.00.   Noutro excerto relevante o ofendido disse que foi levado para o Socorrão, onde foi operado de barriga aberta e que, em face das lesões, passou mais de trinta dias sem poder realizar as suas ocupações habituais. (ibidem)
33.00.   Prosseguindo com a necessária produção de provas, foi inquirida a testemunha J. M. DA S.,  o qual disse que quando tomou conhecimento do fato ele já tinha se consumado, mas que ouviu comentários de que o autor do crime tinha sido o acusado.(fls.203/206)
34.00.   J. M. DA S. disse que tanto o ofendido quando o acusado são integrantes de gangues, uma do Sá Viana de cima e a outra, do Sá Viana de baixo, cujas gangues, quando se encontram, brigam sempre. (ibidem)
35.00.   Com esses dados encerrou-se a instrução criminal.
35.01.   Passo, pois, a seguir, a expender minhas conclusões, em face da prova consolidada nos autos.
36.00.   Devo dizer, inicialmente, que, para mim, a par do patrimônio probatório, não se tem dúvidas de que o crime existiu, que seu autor foi o acusado e que, ademais, não agiu sob nenhuma excludente de ilicitude.
37.00.   Do que dimana das alegações finais da defesa, a única questão controvertida é a prova técnica, com o que deixa entrever que também não tem dúvidas da existência do crime e de sua autoria.
38.00.   A par, pois, dos argumentos da defesa no que se refere á prova técnica, passo, a seguir, a expender as minhas considerações.
39.00.   Pois bem. A defesa, em suas alegações finais, disse-o acima, postulou a desclassificação da imputação inicial, em face da imprestabilidade da prova pericial, à falta, por exemplo,  de motivação em suas conclusões.
40.00.   A defesa alega, ademais, que os peritos, dez dias depois, já concluíram que da lesão sofrida pela vítima resultou incapacidade para ocupações habitais por mais de trinta dias.
41.00.   Devo dizer, a propósito, que, se é verdade que o laudo acostada às fls. 11 deixa margens para dúvidas, em face da resposta precipitada e a destempo acerca do período em que o ofendido ficaria incapacitado para o desempenho das ocupações habitais, não é menos verdadeiro que o exame complementar acostado às fls. 234 defenestra o equívoco, pois que, nele, os peritos responderam à mesma indagação mais de cinqüenta dias após a ocorrência do crime.
42.00.   É bem de ver-se, pois, que o argumento da defesa, plasmado apenas no exame pericial acostado às fls. 11, desconsiderando, ao que parece, o consubstanciado no exame complementar acostado às fls. 234, é equivocado.
42.01.   Compreendo que se o exame complementar reafirma, mais de cinqüenta dias depois, a incapacidade do ofendido, para ocupações habituais por mais de trinta dias, resta superado o açodamento que se verificou quando da realização do exame de corpo de delito.
43.00.   Mas há, a propósito, ainda, do tema sob retina – incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias – um detalhe que não pode ser deslembrado no exame da quaesito, qual seja o de que o ofendido, na esteira da afirmação do laudo de exame complementar, também afirmou, em sede judicial, a mesma incapacidade, afirmação que não mereceu nenhum reparo da defesa, que, viu-se acima, limitou-se a hostilizar os exames periciais.
43.01.   Entendo que o silêncio da defesa, em face das afirmações do ofendido, não pode ser desconsiderado, pois que, com esse mutismo, limitando-se a atacar apenas a prova pericial, a defesa emprestou credibilidade  ao conjunto probatório, do qual se destaca, com especial importância,  a palavra do ofendido.
44.00.   Portanto, a meu sentir, o argumento de que a resposta dos peritos, a propósito da questão sob retina, autorizaria o afastamento da qualificadora, não procede, em face do exame complementar acostado aos autos – realizado, repito, mais de cinqüenta dias depois do ocorrido – , e, também, em face do mutismo da defesa em relação ao depoimento do ofendido, no que se refere à qualificadora do inciso I antes mencionada.
45.00.   No exame dessas questões que não se deslembre que, nos termos do artigo 168 do Digesto de Processo Penal, a deficiência ou ausência do laudo pode ser suprida pela prova testemunhal.
46.00.   De relevo que se anote, só para espancar eventuais discussões em sede recursal, na esteira do entendimento do Superior Sodalício, que “ o prazo de 30 dias a que alude o §2º do artigo 168 do CPP não é peremptório, mas visa prevenir que, pelo decurso do tempo,  desapareçam os elementos necessários à verificação de lesões graves. Portanto, se, mesmo depois da fluência do prazo de trinta dias, houver elementos que permitam a afirmação da ocorrência de lesões graves em decorrência da agressão, nada impede que se faça exame complementar depois de fluido esse prazo”
47.00.   Superada, a meu sentir, a quaestio a propósito da qualificadora do inciso I, do §1º, do artigo 129 do Digesto Penal, passo ao exame da segunda vertente, na qual a defesa alega a falta de fundamentação dos laudos periciais acostados e, de conseqüência, a  sua imprestabilidade para o reconhecimento do perigo de vida.
48.00.   O ofendido, vejo do laudo acostado às fls. 11, foi submetido a uma cirurgia do tipo LAPARATOMIA EXPLORADORA. Laparotomina  significa, basicamente, abrir a barriga;  e é exploradora, porque pretende explorar o abdome  do paciente para realização de alguma  terapêutica cirúrgica.
49.00.   É de boa cepa que se diga que o que determina a realização, ou não de uma LAPAROTOMIA EXPLORADA é, por exemplo, o nível de penetração do instrumento pérfuro-cortante no peritôneo parietal (parede antero-lateral) ou na musculatura lombar ( parede posterior). Se superficial, não há claro, necessidade de se “abrir a barriga” do paciente. Se profunda, aí, sim, a indicação é de que se abra a cavidade abdominal. E, nesse caso, há, sempre, perigo de vida. O laudo não precisa ser mais detalhado. Basta que descreva a intervenção cirúrgica para que se conclua pelo perigo de vida.
50.00.   Diante da gravidade da lesão sofrida pelo ofendido, somente com a  LAPAROTOMIA EXPLORADORA, pode-se concluir, se poderia concluir se houve, ou não, lesão de estruturas intra-abdominais.
50.01.   A laparotomia não foi realizada, pois, por puro deleite, mas em face de sua real necessidade, decorrente da gravidade da lesão sofrida pelo paciente.
50.01.01.  Quando o cirurgião se decide pela realização da LAPAROTOMIA EXPLORADA, é que não foi possível fazer um diagnóstico das conseqüências das lesões  por outros recursos clínicos – exploração digital, radiografia simples do abdômen, trajetografia, métodos de imagem, etc.
51.00.   Diante de casos de igual alheta os Tribunais têm decidido interativamente, no sentido de que “as lesões penetrantes do abdome, exigindo intervenção cirúrgica de urgência, para salvar a vida da vítima, caracterizam o perigo de vida”.
52.00.   No mesmo sentido a decisão segundo a qual “ considera-se em perigo de vida quem é submetido a uma intervenção cirúrgica, mormente em se tratando das chamadas ‘cirurgias sujas’, ou seja, aquelas que implicam na abertura da cavidade abdominal”.
53.00.   Na mesma direção é a decisão de que “sendo  necessária a submissão de vítima de lesão corporal a intervenção cirúrgica na cavidade abdominal, correndo risco de infecção hospitalar com risco de vida, não se pode deixar de considerar a lesão como de natureza grave”.
54.00.   No mesmo diapasão já decidiu o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, ou seja, no sentido de que “ sendo necessária  a laparotomia para salvar a vida da vítima de lesão corporal, é de se ter esta reconhecida como de natureza grave, dada a ocorrência do perigo de vida”
55.00.   É bem de se concluir, pois, que a simples informação dos peritos de que a vítima foi submetida a uma cirurgia do tipo “suja”, é mais do que suficiente para fundamentar o laudo e, de conseqüência, para possibilitar ao acusado o exercício da ampla defesa.
56.00   Repito que, o laudo pericial não precisa, nesse caso, ser mais detalhado, pois que a simples referência à LAPAROTOMIA EXPLORADORA é mais do suficiente para diagnosticar o perigo de vida.
57.00.   De tudo que restou explicitado acima, a conclusão a que chego é a de que o acusado, com sua ação, ofendeu a integridade física do ofendido, com instrumento pérfuro-cortante, de cuja lesão resultou perigo de vida.
58.00.   De tudo que restou apurado concluo, ademais, que o acusado causou dano à integridade física do ofendido, sem, contudo, desejar o resultado morte (animus necandi).
58.01.   O acusado, ao revés, quis, livre e conscientemente, ofender a integridade física do ofendido. (animus nocendi,  laedendi ou vulnerandi)
59.00.   O crime em comento, sabe-se, é crime de dano e instantâneo,   cuja consumação se deu no momento da efetiva ofensa à integridade corporal do ofendido.
60.00.   De tudo o que acima expus acerca da prova amealhada,  concluo, sem a mais mínima dúvida, que  acusado fez subsumir a sua ação no modelo abstrato previsto na lei penal, i.e., num tipo penal incriminador, ou seja, no artigo 129 do Digesto Penal.
61.00.   De tudo que restou materializado em termos de prova posso afirmar, outrossim, que os autos albergam o crime de lesão corporal grave, em face de o ofendido ficar impossibilitado de realizar as suas ocupações habituais por mais de trinta dias e, ademais, e ter corrido risco de morte, em face da lesão produzida.
62.00.   O acusado, voluntariamente, dolosamente, dirigiu a sua ação para uma clara finalidade, qual seja, lesionar o ofendido, o que, efetivamente, terminou por alcançar.
63.00.   O acusado, importa grafar, não foi compelido a realizar o crime em face de qualquer injunção externa. Nenhuma força irresistível foi exercida contra o acusado, de modo a compeli-lo, involuntariamente, a cometer o ilícito.
64.00.   O acusado, ao reverso, quis o resultado e, com esse desiderato, lesionou o ofendido, daí a conclusão de que a ação do acusado é, realmente, típica e ilícita – e não justificada.
65.00.   No que restou apurado, vislumbro, a mais não poder, o necessário nexo causal que une a conduta do acusado ao resultado por ela produzido.
66.00.   Só pelo prazer de argumentar anoto que “a causa é o antecedente não só necessário, mas também, adequado à produção do resultado…”.
67.00.   O acusado, convém gizar, não padecia, à época do fato,  de nenhum transtorno mental capaz de afetar a sua compreensão acerca caráter ilícito do fato que praticou ou de determinar-se segundo essa compreensão.
68.00.   Definido que o acusado praticou o crime que se lhe imputa a prática o MINISTÉRIO PÚBLICO, devo, a seguir, expender considerações acerca dos antecedentes e da conduta social do acusado, para os fins de fixação da pena-base, o fazendo, claro, com espeque no artigo 59 do Codex Penal.
69.00.   O acusado, ao que assoma dos autos e segundo constato no banco de dados desta comarca, responde a processo-crime na 4º Vara Criminal (processo nº 181972005), nesta vara (processos nºs 190542005 e 230452005), na 1ª Vara Criminal (processo nº 32852006) e na 6ª Vara Criminal. (processo nº 91022006)
70.00.   Infere-se do exposto que o acusado, conquanto primário, tem péssimos antecedentes, a autorizar, por isso, a majoração da resposta penal básica.
71.00.   É cediço que haverá quem argumente que, sem trânsito em julgado de sentença condenatória, não se há de falar em maus antecedentes, em face do princípio da presunção de inocência.
72.00.   Assim, no entanto, não compreendo a questão. Desde meu olhar, quem responde a vários processos-crime tem, sim,  maus antecedentes, a justificar, por isso, a majoração da resposta penal básica.
73.00.   Antecedentes, para mim, são todos os fatos ou  episódios da vida anteacta do acusado, próximos ou remotos.
73;01.   Nesse sentido, se o acusado responde a vários processos não pode se avaliado como detentor de bons antecedentes, para os fins de fixação da pena-base.
74.00   O acusado tem má conduta social e  é recalcitrante na prática de crimes, daí  a obrigatoriedade da majoração da resposta penal básica, a despeito do principio constitucional consagrador da presunção de não culpabilidade.
75.00.   O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, na esteira desse entendimento, já decidiu que “antecedentes são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, à avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar deve-se ter em conta os antecedentes judiciais, nunca se restringindo simplesmente à existência ou inexistência de precedentes policiais e judiciais, mas levando-se em conta, também, o comportamento social do réu, sua vida familiar, sua inclinação ao trabalho e sua conduta contemporânea e subseqüente à ação criminosa, para então qualificá-los de bons ou maus”.
76.00.    A par dessa judiciosa decisão pode-se afirmar que o acusado, a considerar a sua vita anteacta e  a sua conduta social, tem, sim, péssimos antecedentes a legitimar, repito, a majoração da resposta penal, ex vi legis.
77.00.   O acusado não tem uma vida pregressa irreprovável a autorizar a fixação da pena no mínimo legal. O acusado, ao reverso, tem uma vida prenhe de deslizes, reveladores do seu desajuste social.
78.00.   Para finalizar convém trazer à colação, a propósito, a lição do sempre lembrado JOSÉ FREDERICO MARQUES, para quem se constituem maus antecedentes “as condenações que sofreu, as persecuções criminais contra ele intentadas e que se frustraram por ocorrência de alguma causa de extinção da punibilidade, ou os processos criminais ainda não findos”.
79.00.   No mesmo sentido é a lição de  DAMÁSIO DE JESUS  para quem  “antecedentes são os fatos da vida pregressa do agente, sejam bons ou maus, como, p.ex.: condenações penais anteriores, absolvições penais anteriores, inquéritos arquivados, inquéritos ou ações penais trancadas por causas extintivas da punibilidade, ações penais em andamento, passagens pelo Juizado de Menores, suspensão ou perda do pátrio poder, tutela ou curatela, falência, condenação em separação judicial etc.”  .
80.00.   Em julgado  datado de 09 de junho de 1998, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, tendo por norte o voto do Relator, Min. MOREIRA ALVES, entendeu  que “a presunção de inocência não impede que a existência de inquérito policial e de condenação criminal que não possa ser considerada para a caracterização de reincidência não possa ser levada em conta de maus antecedentes”
81.00.   TUDO DE ESSENCIAL POSTO E EXAMINADO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência, CONDENAR o acusado  J. E. R. A., vulgo “Gigante”, brasileiro, solteiro, sem ocupação definida, filho de L. A. e A. R. S. R., residente e domiciliado na Travessa São Pedro, 23-A, Sá Viana, por incidência comportamental no artigo 129, §2º, I e II, do Digesto Penal, cuja pena-base fixo em 02(dois) anos, sobre a qual faço incidir menos  02(dois) meses, em face da circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, letra d, do mesmo diploma legal, totalizando, definitivamente,  1(hum) ano e 10(dez) meses de reclusão,  cuja pena deverá ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, em face do que prescreve o §3º, do artigo 33, do CP.
82.00.   O acusado, ao que assoma dos autos e segundo contato no banco de dados desta comarca, responde a processo-crime na 4º Vara Criminal (processo nº 181972005), nesta vara (processos nºs 190542005 e 230452005), na 1ª Vara Criminal (processo nº 32852006) e na 6ª Vara Criminal. (processo nº 91022006)
83.00.   Cediço, à luz do exposto, que a ordem pública reclama a prisão do acusado, pois que, em liberdade, se constitui num perigo iminente.
84.00.   O acusado, é verdade, esta preso. A sua prisão, todavia, não decorre de ato emanado deste juízo.
84.01.   Mas o acusado, repito, não pode permanecer em liberdade, em face de sua ação daninha em sociedade.
85.00.   O acusado, dimana do banco de dados desta comarca, responde a vários outros processos, dentre os quais dois em razão de crimes de especial gravidade – roubo e homicídio.
86.00.   A conta do exposto e sem mais delongas, decreto a prisão do acusado J. E. R. A., o fazendo, sobretudo e fundamentalmente, em tributo à ordem pública, em face de sua perigosidade, demonstrada, quantum sufficit, em face dos vários processos a que responde nesta Comarca.
87.00.   Expeça-se, pois, o necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.
88.00.   Formalize-se a prisão do acusado no local onde se encontra ergastulado.
89.00.   P.R.I.C.
90.00.   Dê-se ciência ao ofendido desta decisão.
90.00.   Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.
91.00.   Remetam-se os autos, em seguida, à distribuição, para os devidos fins.
92.00.   Dê-se, após, baixa em nossos registros.

São Luís, 15 de setembro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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