Sentença condenatória. Insignificância da lesão. Não caracterização.

Na decisão  que publico a seguir, a defesa apresentou duas teses. Enfrentando a de crime bagatelar, argumentei, dentre outras coisas, verbis: 

  1. Não é o que se vê no caso presente. Convenhamos, R$ 120,00 (cento e vinte reais), sobretudo para uma pensionista, como é o caso da ofendida, é valor relevante, sob qualquer ótica que se examine a quaestio
  2. Insignificante, desde meu olhar, é uma cebola, uma batata, um sabonete, uma pasta de dente, um pente, um caixa de grampos. 

Em face da tese de furto privilegiado,  sublinhei, litteris: 

  1. Não basta, pois, importa anotar,  o pequeno valor da resfurtiva. É preciso perquirir, ademais,  acerca dos requisitos de caráter subjetivo. E os acusados, anotei acima, têm maus antecedentes, inclusive sentença transitada em julgado em seu desfavor, a afastar, de vez, qualquer possibilidade de se reconhecer o privilégio.

 Ao decidir-me pela prisão dos acusados, consignei:

  1. Os acusados, ao que dimana dos autos, estão presos em face de outro crime e, de conseqüência, de outro processo a que respondem nesta comarca.
  2. Cediço, à luz do exposto, que os acusados não podem permanecer em liberdade, em face do perigo que representam para ordem pública.
  3. A ordem pública, de efeito, reclama a prisão dos acusados, pois que, em liberdade, poderão, com muita probabilidade, voltar a delinqüir. 

A seguir, a sentença, integralmente.


Processo  nº 289392007

Ação Penal Pública

Acusado: E. de J. S., vulgo “Gaguinho” e outra

Vítima: S. P. S.

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra  E. de J. S., vulgo “Gaguinho“, brasileiro, solteiro, cozinheiro, filho de A. de J. S., residente na Estrada da Vitória, nº 1705, bairro Liberdade, nesta cidade, e C. R. B. da S., brasileira, solteira, manicure, filha de B. L. da S. e T. de J. D. B., residente e domiciliada à 1ª Travessa Tomé de Sousa, 57, Liberdade, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo  155,§4º, IV, do CP, em face de, no dia 10/12/2007, terem subtraído, da residência de S. P. S., situada à Av. Luis Rocha, nº 1604, Monte Castelo, nesta cidade, um micro-system.

A persecução criminal foi deflagrada com a prisão em flagrante dos acusados. (fls.06/10).

Auto de apresentação e apreensão às fls.12.

Termo de entrega às fls. 13.

Auto de avaliação às fls. 31.

Recebimento da denúncia às fls.68/69.

O acusado E. de J. S. foi citado, qualificado e interrogado às fls. 83/85 e a acusada C. R. B. da S., às fls.86/90.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas R. A. L. (fls.111/112), F. F. C. (fls.113/115), e S. P. S..  (fls.116/117)

O Ministério Público, na fase do artigo  499 do CPP,  nada requereu bem assim a defesa. (fls.144e 147.)

 O Ministério Público, em alegações finais, pediu, alfim, a condenação  dos acusados, nos termos da denúncia. (fls.158/161).         

A defesa, de sua parte, pediu a absolvição dos acusados, a) em face da atipicidade de sua conduta, em vista do princípio da insignificância; e b) a desclassificação do delito, para o caput do artigo 155 do CP, com a absolvição do acusado E.de J. S., por não ter concorrido para o crime.(fls.163/167)

 

Relatados. Decido.

 

Primeiro, uma digressão, só para ilustrar.

A autodefesa, nas sociedades modernas, todos sabemos, foi abolida – admitida, nos dias atuais,  só excepcionalmente.  

Os conflitos que emergem na sociedade são solucionados, hoje, pelo estado, a quem cabe a função jurisdicional, ou seja, de “dar a cada um o que é seu, aplicando o Direito Objetivo à situação conflituosa“.

O estado, portanto, quando ocorre uma infração, “não permite que a aplicação do preceito sancionador ao transgressor da norma inserta na lei penal, fique ao alvedrio do particular“.

Tendo o estado chamado para si o direito de fazer e aplicar a lei ao transgressor e tendo, por isso, proibido o particular  de fazer justiça com as próprias mãos, esse mesmo estado, para consecução desse objetivo,  colocou, à disposição de todos,  órgãos encarregados  de promover a justiça –Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc.

A função jurisdicional do estado, especificamente no que concerne à aplicação da lei, é exercida pelo Poder Judiciário, que é a  quem cabe, todos sabemos,  aplicar a lei a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, com o que substituiu  a atividade da vontade das partes.

O crime, é da sabença comum, é um fato que lesa direitos dos indivíduos e da sociedade.

Cabe ao estado, diante de uma violação de direito, reprimi-lo através do jus puniendi, afinal, é a Carta Política brasileira que dispõe que ” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Dos bens e interesses tutelados pelo estado, uns existem cuja violação afeta mais profundamente sociedade – vida, patrimônio, saúde, integridade física, etc.

Como se faz necessário a preservação desses bens para que a sociedade sobreviva, o estado, impende reafirmar,  não delega ao particular o direito de punir o infrator. O estado chama para si esse direito. É por isso que, quando ocorre uma infração, o estado, por meio dos seus órgãos, toma a iniciativa, moto próprio, para punir o infrator, desenvolvendo, nesse sentido, intensa atividade,  como se deu no caso sob retina, com a noticia da ação dos acusados E. de J. S. e C. R. B. da S..

In casu sub examine, cuidando-se de crime de natureza pública, coube ao Ministério Público, na condição de dominus litis, pedir providência do estado – tendo a antecedê-lo incessante atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária.

O resultado dessa intensa atividade estatal está  emoldurado nestes autos sub examine, sobre o qual me debruçarei, para, alfim, se for o caso, infligir a pena necessária ao infrator.

E. de J. S., vulgo “Gaguinho“, e C. R. B. da S., devidamente qualificados, foram denunciados pelo Ministério Público (ne procedeta judex ex officio  e nemo judex sine actore),  à alegação de terem malferido o preceito primário  do artigo 155,§4º, IV,  do CP.

Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa dos acusados, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.

Tudo isso porque, sabe-se, entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e também motivá-la por meio da propositura da ação penal.

Na jurisdição penal  a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas: a) ne procedat judex ex offiico; e b) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.

Para materialização da persecução criminal as autoridades policiais e os órgãos judiciários estão dotados de potestas coercendi que lhes permite praticar atos dessa natureza, respectivamente, no curso do inquérito policial e da relação processual.

É que a persecução criminal,  no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas,  nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, preliminar e informativo (inquisitio est quam informatio delicti) cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti  pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor , ou autores, do ilícito,   garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

Com a prática do ato criminoso, o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva.

A aparição do delito  por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade, “a fim de ser submetido o delinqüente à pena que tenha sido prevista em lei

A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas  que se avoluma nos autos.

Pois bem, a primeira fase teve início  com o auto de prisão em flagrante dos acusados. (fls.06/10)

Na fase periférica da persecução, várias foram as “provas” produzidas, com destaque para a palavra da ofendida (fls.08) e para a apreensão da res furtiva em poder dos acusados. (fls.12)

O acusado E. de J. S. negou a autoria do crime (fls.09), enquanto que a acusada C. R. B. da S. optou pelo silêncio.(fls.10).

Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

Encerrada a primeira fase, o Ministério Público de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra  E. de J. S., vulgo “Gaguinho”“, e C. R. B. da S., imputando a eles o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 155 do CP, com a qualificadora decorrente do concurso de pessoas, fixando, assim, os contornos da re in judicio deducta.

Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  o interrogatório dos acusados.

O acusado E. de J. S., sem enleio, confessou a autoria do crime, dizendo que, no dia do fato, olhou o portão da residência da ofendida aberto e entrou, tendo subtraído o micro-system, que estava no terraço.(fls.83/85)

O acusado, noutro excerto, disse que a acusada C.  R. B. S. não teve qualquer participação no crime. (ibidem)

O acusado disse, ademais, que foi preso logo após a prática do crime. (ibidem)

Nesta sede também foi ouvida a acusada  C. R. B. da S.,  a qual negou a autoria do crime, dizendo que foi presa estando próxima do acusado, porque foi informada que o mesmo tinha levado um tiro e para onde estava se dirigiu, mas que, lá chegando, foi presa acusada de ter participado do crime.(fls.86/90).

A ofendida também foi ouvida, tendo narrado, em detalhes, a ação dos acusados, de modo a não deixar dúvidas de que agiram em conluio, para realização do crime. (fls.114115)

Infere-se do depoimento da ofendida que a acusada chegou a sua residência, fingindo estar grávida e pedindo para usar o banheiro , tendo aproveitado da sua desatenção ( da ofendida) para entregar ao acusado o micro-system, tendo, nessa hora, começado a gritar, quando este ameaçava deixar a sua casa levando a res furtiva.(ibidem)

Colho, ademais, do depoimento da ofendida, que, em face dos seus gritos, os acusados foram presos pelos “meninos”  que estavam na rua.(ibidem)

A vítima, mais adiante, reafirmou que os autores do fato foram um homem e uma mulher e que quando esta pediu para ir ao banheiro, aquele estava na porta – estavam portanto, juntos.(ibidem)

As demais testemunhas – R. A. L. (fls.111/112) e F. F. C. (fls.113/114) – apenas corroboraram o depoimento da ofendida.

Com esses dados encerrou-se a instrução probatória.

Devo, a seguir, expender minha conclusões, em face da prova amealhada, lembrando que, a teor do artigo 155, caput, do CPP, “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas“.

Importa anotar, a guisa de esclarecimento e em face da parte final do artigo 155 acima citado, que as provas produzidas em sede extrajudicial – máxime as não reproduzidas em sede judicial – serão buscadas apenas para compor o quadro probatório, pois que, sabe-se, não se condena com esteio apenas em provas extrajudiciais.

Analisada, com vagar, as provas produzidas nos autos, posso afirmar que os acusados, em concurso, foram, sim, o autores da subtração de que cuidam os autos sub examine, com especial destaque para palavra da ofendida e para confissão do acusado  E. de J. S., em sede judicial.

O acusado, é verdade, tentou chamar para si a responsabilidade pelo crime, para tentar livrar a cara da acusada C. R. B. da S..

Conquanto negasse que tenha sido auxiliado pela acusada C. R. B. da S. a verdade é que ela foi peça fundamental para possibilitar a subtração da res mobilis, ao que vislumbro do depoimento da ofendida.

As provas, portanto, acerca da participação dos dois acusados são incontestes, sobranceiras e indenes de dúvidas, com especial destaque, reafirmo, para a palavra da ofendida.

Os acusados, essa é a verdade, unidos pelo mesmo propósito, se dirigiram à casa da ofendida, onde a C. R. B. da S., fingindo estar grávida, pediu para ir ao banheiro, ao tempo em que o acusado  E. de J. S. se valia da distração e boa vontade da ofendida, para subtrair a res mobilis.

É bem de ver-se, pois, que o crime restou qualificado, em face do concurso de pessoas e que, ademais, restou consumado, sabido que a consumação ocorre com a inversão da posse, ainda que o autor – ou autores  – da subtração seja preso logo após a realização do crime, como se deu no caso presente.

A par do valor da res substracta, resta perquirir, em face da tese da defesa,  se se está, ou não, defronte de uma lesão insignificante ao patrimônio da ofendida, de moldes a tornar atípica a conduta dos acusados.

Para mim, R$120,00 (cento e vinte) não é valor insignificante, nem aqui e nem em lugar nenhum,  daí por que entendo não ser atípica a conduta dos acusados, a considerar o princípio da ofensividade.

43.00.                        Os chamados crime bagatelares, todos sabemos, são figuras que, na aparência, amoldam-se ao modelo típico, mas, uma vez concluído  ser a ofensa ao bem jurídico insignificante,  de modo a não justificar uma reprovação ou censura social, dispensa-se a atuação do direito penal.

Não é o que se vê no caso presente. Convenhamos, R$ 120,00 (cento e vinte reais), sobretudo para uma pensionista, como é o caso da ofendida, é valor relevante, sob qualquer ótica que se examine a quaestio.

Insignificante, desde meu olhar, é uma cebola, uma batata, um sabonete, uma pasta de dente, um pente, um caixa de grampos.

Cediço, assim, que a subtração de bens dessa importância não autoriza a movimentação da máquina judiciária, em face de sua flagrante insignificância. Nessa hipótese, creio desnecessária a intervenção estatal.   

Cento vinte reais, no entanto, é quantia mais do que relevante, sobretudo, repito, para uma pensionista.

Diante da situação econômica da ofendida, não se pode, francamente, dizer que a ação dos acusados é atípica, em face de a lesão ao patrimônio ser insignificante.

É consabido que, em face do princípio da intervenção mínima, a incidência da norma penal deve ocorrer apenas na medida necessária para a proteção do bem jurídico, descriminalizando-se aquelas condutas que, apesar de formalmente típicas, não atinjam de forma relevante o objeto da proteção penal.

Indago, a par do exposto: quem será capaz de dizer, franca e sinceramente, que o patrimônio de uma pensionista, desfalcado  em R$120,00 (cento e vinte) reais, não está a merecer a proteção penal?

O Direito Penal, essa é a interpretação mais consentânea, só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando, portanto, com bagatelas, com coisas insignificantes.

A adoção do princípio da insignificância, por conseguinte, é o caminho sistematicamente correto e com base constitucional para a descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atinjam de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal.

É cediço, pois, que,  atingido a ação dos acusados, como de fato atingiu, o patrimônio da ofendida, em valor significante, não podem ser beneficiados com o reconhecimento da atipicidade de sua conduta, hipótese em que estimular-se-ia a prática de crimes, numa sociedade já infernizada pela ação desenfreada de marginais com a mesma feição dos acusados, que, anote-se, têm condenação anterior, com sentença transitada em julgado. (cf. fls.150/151, 152/153 e 154/155)

Tenho a firme convicção que o legislador, ao criar o delito de furto, não o fez para punir quem subtraiu, por exemplo, uma caneta esferográfica, um pente, duas bananas, uma maçã, uma pêra, um folha de papel, uma escova de dente.

Esse mesmo legislador, também estou convicto, criou a figura típica em comento para possibilitar, sim, a punição de quem é capaz de subtrair bens no valor de uma mercearia inteira de uma família, como o fizeram os acusados.

Pensar de forma diversa seria, a meu sentir, estimular a prática de furtos, que nada têm de insignificantes, apenas porque atingiu uma parte aparentemente irrelevante de um patrimônio.

Nessa linha de argumentação o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo já decidiu, ao afirmar que ” o furto que restringe-se a uma cédula de um real e um boné usado, por sua irrelevância e escassa gravidade, não deve merecer significação especial, porque não ameaçou nem ofendeu substancialmente o bem jurídico tutelado pela norma penal…”.

É bem de concluir-se, nesse caso, que, apesar da conduta dos agentes se ajustar, formalmente, ao tipo legal de crime, “a tipicidade não se esgota nesse juízo lógico de subsunção, porque o bem jurídico tutelado não foi ameaçado ou atingido de forma danosa, grave ou concretamente perigosa que justificasse a necessidade de imposição de uma reação penal

O caso sub examine, é de se ver com olhos de enxergar, é diametralmente oposto. O patrimônio da ofendida foi, sim, desfalcado, significativamente, daí a inaplicabilidade do princípio da insignificância.

A guisa de reforço trago à colação a decisão segundo a qual “”não há que falar em aplicação do princípio da insignificância ou bagatela, se o furto recai sobre bens postos à venda em farmácia, cuja subtração representa reconhecida relevância jurídica, já que o patrimônio do estabelecimento comercial merece efetiva tutela“.

A propósito do valor da res substracta, trago à colação recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que ” considerando a nossa realidade sócio-econômica, em que metade da população ocupada do Brasil tem rendimento (médio mensal de todos os trabalhadores) de ½ a 2 salários mínimos (dados do IBGE – indicadores sociais 200), não se pode admitir que um carrinho de pedreiro e uma trena no valor de R$ 45.00 (quarenta e cinco reais) seja considerado um valor irrisório, ínfimo”.

Definido que os acusados fizeram subsumir a sua ação no preceito primário do artigo 155 do CP,  que o crime restou qualificado pela concurso de pessoas e que não procede a invocação do princípio da insignificância, em face do valor da res mobilis, devo, a seguir, expender considerações acerca da furto privilegiado, terceira vertente das teses da defesa, em alegações finais.

Pois bem. Devo dizer, nesse sentido, que o furto de que se cuida aqui não foi de pequeno valor, de modo a autorizar a aplicação de uma das alternativas previstas no §2º, do artigo 155, do DP.

Não bastasse o valor da res furtiva, a desautorizar o reconhecimento do crime privilegiado, não se perca de vista que, segundo reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiçanão se aplica ao crime de furto qualificado o benefício previsto no §2º, do artigo 155, do Código Penal, vez que a existência da qualificadora  inibe a aplicação do privilégio, não obstante a primariedade e o pequeno valor ou pequeno prejuízo, em razão de flagrante incompatibilidade“.

Na mesma direção a decisão no sentido de que “é incabível a aplicação do privilégio constante do art. 155,§2º, do Código Penal, sendo primário o réu e a coisa furtada, de pequeno valor, em face da incidência da circunstância qualificadora“.

Acerca do reconhecimento do crime privilegiado há outros dados que não podem ser deslembrado no exame dessa questão, quais sejam, as condições pessoais da pessoa a quem se pretende favorecer.

Não basta, pois, importa anotar,  o pequeno valor da res furtiva. É preciso perquirir, ademais,  acerca dos requisitos de caráter subjetivo. E os acusados, anotei acima, têm maus antecedentes, inclusive sentença transitada em julgado em seu desfavor, a afastar, de vez, qualquer possibilidade de se reconhecer o privilégio.

A minha posição não conflita com as decisões dos nossos Pretórios, como se colhe da ementa a seguir transcrita, litteris:

 

“Como a jurisprudência vem sustentando, a simples presença das circunstâncias legais do privilégio não permite a incidência da causa de atenuação da pena no crime de furto. A pequenez do valor da coisa e a primariedade do sujeito não são suficientes, é preciso que ele apresente condições pessoais e antecedentes que permitam o benefício”.

 

Definido ser inviável o reconhecimento do privilégio e da insignificância da lesão, e face do valor da res mobilis e dos antecedentes dos acusados,  reafirmo que os mesmos tiveram a intenção (elemento psicológico) de tornar sua, de incorporar ao seu patrimônio, a coisa subtraída, ou seja, os acusados não tinham apenas a intenção de ter a res junto de si (animus rem sibi habendi). Os acusados queriam muito mais. Os acusados queriam mesmo era a coisa para si, definitivamente ( animus domini).

Definido que os acusados  fizeram subsumir a sua ação no artigo 155 do CP e definido, de mais a mais, que o crime restou qualificado pelo concurso de pessoas, anoto, agora, como consignei acima, que o crime restou consumado, inobstante tenham sido os acusados presos imediatamente após a subtração, dado irrelevante, tendo em vista que o bem já havia saído da esfera de disponibilidade da ofendida.

Antes da definição da resposta penal, em face da ação dos acusados, registro, agora, que eles não têm bons antecedentes, pois que, ao que consignei acima, são condenados em outras varas, com sentenças transitadas em julgado.

Os acusados, em face dos seus maus antecedentes, devem, sim, suportar a majoração da resposta penal básica, pois que têm convivência deletéria na sociedade.

Convém anotar que, por falta de um documento com chancela oficial, não posso aferir a reincidência dos acusados, razão pela qual, em face dos dados suso mencionados, de conhecimento público, devo, apenas, tomá-los à conta de maus antecedentes, para efeito de majorar a resposta penal e, também, para decidir acerca da liberdade dos acusados, o que será feito oportuno tempore.

Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar os acusados E. de J. S., vulgo “Gaguinho“, e C. R. B. da S., por incidência comportamental no artigo 155,§4º, IV, cuja penas passo a fixar a seguir:

                                   ®para o acusado E. de J. S., fixo as penas-base em 04(quatro anos) de reclusão e 20(vinte) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir menos 06(seis)meses e menos 05(cinco)DM, em face da circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, letra d, do CP, totalizando, definitivamente, 03(três) anos e 06(seis)meses de reclusão e 15(quinze)DM, as quais torno definitivas, à falta de quaisquer outras circunstâncias e/ou causas que possam diminuir ou aumentar o quantum, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, em face do que prescreve o §3º, do artigo 33, do CP; e

                                   ®para a acusada  C. R. B. da S., fixo as penas-base em 04(quatro) anos de reclusão  e 20(vinte)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, as quais torno definitivas, à falta de quaisquer outras circunstâncias e/ou causas que possam diminuir ou aumentar o quantum, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, em face do que prescreve o §3º, do artigo 33, do CP.

Os acusados, disse-o acima, respondem a outros processos-crime, constando, inclusive, que já foram condenados, com sentença transitada em julgado.

Os acusados, portanto, têm maus antecedentes, a autorizar, por isso, o carcer ante tempus.

Os acusados, ao que dimana dos autos, estão presos em face de outro crime e, de conseqüência, de outro processo a que respondem nesta comarca.

Cediço, à luz do exposto, que os acusados não podem permanecer em liberdade, em face do perigo que representam para ordem pública.

A ordem pública, de efeito, reclama a prisão dos acusados, pois que, em liberdade, poderão, com muita probabilidade, voltar a delinqüir.

Em razão do exposto e sem mais delongas, decreto a prisão dos acusados, o fazendo em homenagem à ordem pública, os quais, por isso, deverão ser recolhidos à prisão para interposição de qualquer recurso desta decisão.

Expeçam-se os necessários mandados de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.

Oficialize-se a prisão dos acusados no cárcere em que se encontram.

P.R.I.

Dê-se ciência à ofendida desta decisão.

Transitada em julgado esta decisão, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados.

Remetam-se os autos, em seguida, à distribuição, para os devidos fins.

Custas, na forma da lei.

                              

São Luís, 18 de setembro de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 


MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, Atlas,  2005, p.109. 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manuel de Processo Penal, Saraiva,  2001, p.5

Artigo 5º, XXXV

Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III – com emprego de chave falsa;

IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas. 

MARQUES, Jose Frederico, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1997, p.127

RT 738/352

ibidem

 RT 746/622

STJ, HC  78343/MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJ 11/06/2007.p. 345

TJMG, AC. 1.0287.03.013233=9/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 23/10/2006

STJ. AgRg no REsp. 798959/SP, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª T., DJ 12/3/2007, p. 335

JUTACRIM 79/453

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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