Juiz Garantidor – Parte III

O artigo que publico a seguir foi encaminhado para publicação, na edição de domingo próximo, dia 19, do Jornal Pequeno.

Esse artigo já tinha sido publicado neste blog, mas fiz várias modificações no seu texto original, antes de enviá-lo ao jornal para publicação.

“Sé é verdade, como temos decidido na 1ª Câmara Criminal, que inquéritos policiais e ações penais em curso não autorizam a majoração da resposta penal básica, nem tampouco justificam a exacerbação do regime inicial de cumprimento de pena, não é menos verdadeiro que autorizam, sim, a segregação provisória, na medida em que a cautelar em comento tenha por escopo a garantia da ordem pública, sem embargo do resguardo do processo de conhecimento.

Não se deve, pois, a meu sentir, desprestigiar um decreto de prisão preventiva, se ele tem  por esteio, por exemplo,  as várias incidências penais do autor do fato, ainda que em face  de nenhuma delas  tenha resultado  condenação definitiva.

É claro, inobstante, que, ainda assim, não está desobrigado o magistrado de fundamentar a sua decisão. Não vale, nesse sentido – pese as várias incidências – que o prolator da decisão se limite a dizer que a prisão se faz necessária como garantia da ordem pública, pois cada caso deve ser examinado a partir de suas peculiaridades.

O magistrado não está desobrigado, portanto, de demonstrar, o quanto baste, a presença dos pressupostos legais –fumus comissi delicti e periculum in libertatis -,  na hipótese de decidir-se pelo carcer ante tempus, apenas porque o acusado ostenta folha penal maculada.

De qualquer sorte, o que vale mesmo para essas reflexões é deixar claro que  uma vida pregressa pontuada de registros penais, conquanto não possa servir de moduladora para o incremento da pena-base ou para definição de um regime mais gravoso para cumprimento inicial da pena privativa de liberdade, pode, sim, validamente, servir da supedâneo a um decreto de prisão preventiva.

Mas que não se deslembre que não é só a vida ante acta que autoriza  a prisão ante tempus.  Entendo, ademais, que, mesmo sem antecedentes criminais, o modus operandi e a perigosidade demonstrada por ocasião da prática do crime, dentre outros dados,  também autorizam a prisão preventiva, sendo irrelevantes, nesse caso, para alcançar a liberdade provisória,  os argumentos baseados, por exemplo, na folha penal imaculada do autor do fato.

Convém reafirmar, a guisa de reforço, que,  para prisão cautelar, quer tenha o autor do fato folha penal prenhe de incidências, quer a tenha imaculada, deve o magistrado fundamentar a sua decisão, sob pena de resvalar para o arbítrio, intolerável num Estado de Direito.

Uma observação relevante. Não se deve  confundir prisão cautelar com política de combate à violência. O magistrado, importa consignar, não pode ser responsabilizado pelos índices de violência, apenas porque decidiu-se pela concessão de uma liberdade provisória; da mesma forma, ele não está combatendo a violência tão somente porque decretou uma prisão preventiva.  Pensar dessa forma, tenho dito,   é simplificar a questão. É tentar transferir, de má-fé, a responsabilidade dos outros poderes ao Poder Judiciário, que, nessas e noutras quesões do mesmo matiz,  deve ser, acima de tudo, garantidor.

Não se arrosta o direito à liberdade de um apenas  dar satisfação à opinião pública, agastada com toda forma de  violência,  que vai de um furto simples até a malversação de verbas públicas; malversação que é, para mim, é a pior de todas as violências que se faz contra o cidadão, porque é em face dela que a educação e a saúde, por exemplo, estão um caos – aqui e em outras paragens.

Mas que fique registrado, com a necessária veemência, que  o juiz, diante dos pressupostos legais – fumus comissi delictipericulum in libertates – não pode ser pusilânime. Se a prisão se mostrar necessária, deve, sim, sem enleio, decretá-la – ou manter a antes formalizada – , conquanto não deva perder de vista os efeitos deletérios da medida extrema, que deve, sim, ser implementada apenas como ultima ratio, na exata medida da sua real necessidade.

Registro, pelo prazer de argumentar, que assaltos, roubos, furtos, estupros, estelionatos, corrupção,  dentre outros crimes, não refluirão e nem serão incrimentados, significativamente,  em face  de um decreto de prisão ou da concessão de uma liberdade provisória, muito embora não se possa olvidar que a sensação de impunidade pode, sim,  estimular a prática de crimes.

Segurança pública, nunca é demais repetir,  é dever do Poder Executivo. O Poder Judiciário só é chamado em casos pontuais. Não pode o magistrado, por exemplo, decretar prisões no atacado, na vã tentativa de assumir um papel que não lhe cabe na sociedade.

É claro que quando os órgãos de comunicação, quase todos a serviço do Poder Executivo, noticiam,  nos casos mais emblemáticos,  a concessão de liberdade a um meliante, o fazem, sim, com o claro objetivo de inculcar na população a sensação de que o responsável pela criminalidade – e pela impunidade –  é o Poder Judiciário.

Não é por acaso que se cunhou – e sedimentou no inconsciente da população – a máxima segunda a qual a Polícia – rectius: Poder Executivo – prende e o juiz – rectius: Poder Judiciário – solta.

É muito mais fácil escamotear a verdade que combater a sério a criminalidade.

O certo e recerto é que o magistrado não pode, a pretexto de combater a criminalidade, fazer cortesia com o direito alheio.”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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