Como Demóstenes conseguiu enganar tanta gente por tanto tempo?
Dora Kramer, O Estado de S. Paulo
Quanto mais informações vão sendo reveladas a respeito dos serviços prestados por Demóstenes Torres às organizações Cachoeira de armações ilimitadas, mais esquisito parece o fato de que ele tenha durante tanto tempo podido atuar como o sujeito oculto na defesa dos interesses do contraventor Carlos Augusto Ramos sem despertar suspeitas.
Que o senador tenha conseguido enganar a plateia e parte considerável do elenco da República com o personagem que encarnava em público, compreende-se. Dificilmente alguém que age com tanto vigor e destemor é alvo de desconfiança.
Sempre existe o risco de ser confrontado por um adversário no meio de um discurso, levar um troco na base do bateu levou. Eleito senador pela primeira vez em 2002, notabilizou-se por bater. Nunca levou e, entretanto, vê-se agora como era vulnerável.
Os grampos da Operação Monte Carlo revelaram as conversas com o contraventor, mas suas atividades como praticamente um procurador do bicheiro eram exercidas com boa dose de desinibição.
Pelo divulgado até agora, movimentava-se para todo lado, falava com muita gente, pedia, solicitava, defendia interdição de depoimentos no Congresso e até um episódio em tese menor – o pedido de emprego no governo de Minas Gerais para uma prima de Cachoeira – não se coadunava com a atitude de um defensor intransigente dos pressupostos constitucionais de impessoalidade, probidade e transparência na administração pública.
A julgar pelo conteúdo das conversas telefônicas – e, note-se, não são conhecidas as do senador com personagens outros que não o contraventor – Demóstenes Torres fazia lobby por Cachoeira nos três Poderes, abria portas para negócios comerciais para além da Região Centro-Oeste, interferia na transferência de policiais presos, obtinha informações de bastidores na Polícia Federal e no Ministério Público, atuava aqui e ali como facilitador para a construtora Delta, circulava com desenvoltura entre deputados, senadores, governadores, magistrados.
Será possível que só ao amigo bicheiro revelasse seu lado eticamente permissivo? Apenas ao telefone com Cachoeira deixava-se desvendar? Nas abordagens em prol do contraventor não precisava “abrir” aos interlocutores a natureza dos pleitos pretendidos?
Leia a íntegra em O conto do espanto