Tem sido uma quase rotina, ou seja, em quase todas as apelações, a defesa questiona, prevalentemente, a (falta de) fundamentação da qual resultou a fixação da pena ou a fundamentação gestada com termos que retratam a própria tipicidade, tipo “o réu agiu com violência e emprego de arma”, no caso do crime de roubo, por exemplo.
Os magistrados, é lamentável dizer – sem deslembrar das exceções -, no trabalho de individualização da pena, olvidam-se de que a discricionariedade na aplicação da pena é vinculada, e que essa operação mental só pode ser controlada, evitando-se que descambe para o arbítrio, que seria a negação do próprio Estado de Direito, se for devidamente fundamentada, por força do que contempla a nossa Carta Magna, como é do conhecimento de todos os operadores do Direito.
Para nós – julgadores do segundo grau, em particular, e para sociedade em geral – essa é uma situação inquietante, porque dela resulta que as penas acabam sendo fixadas aquém da resposta penal que deveria ser infligida – em face da reforma das decisões -, com o que se afronta o principio da proporcionalidade.
O mais grave, nessa constatação, é que o órgão acusador só excepcionalmente recorre das decisões de primeiro grau, ainda que sejam flagrantes os equívocos operados na dosimetria da pena, o que, evidentemente, impossibilita que, em sede recursal, a pena seja revista em desfavor do acusado.
Disso decorre que, aplicada a pena, inferior à necessária à reprovação do delito, introduz-se no espírito da população, já calejada e descrente de tudo, um malsã sentimento de impunidade.
O legislador, todos sabem, estabelece, abstratamente, os limites mínimos e máximos para os delitos. O juiz trafega dentro desses limites, elegendo o quantum ideal, valendo-se, claro, do seu livre convencimento. Contudo, não deve fazê-lo de forma arbitrária, desmotivadamente, em tributo mesmo ao Estado de Direito, e ante a certeza de que o réu, antes de ser objeto, é sujeito de direito, ou de que se as coisas têm preço, o ser humano, ainda que acusado da prática de um crime, tem dignidade, devendo ser tratado sob essa perspectiva.
Conquanto tenha uma margem de liberdade para fixação da pena ao autor de um crime, o juiz, além dos parâmetros estabelecidos no preceito secundário do tipo penal malferido, está preso à vinculação da sua decisão, sabido que, em face da individualização judiciária da sanção penal, está diante de uma discricionariedade que é vinculada (Luiz Luisi).
É dizer: o juiz não trafega entre o mínimo e o máximo da pena de acordo com seu bom ou mau humor, de acordo com os seus sentimentos pessoais, com a sua formação moral, com as suas pré-compreensões, com os valores que eventualmente tenham sido incorporados à sua personalidade. Não. O juiz, longe disso, está vinculado a uma obrigação que não comporta tergiversação, isto é, tem que motivar a sua decisão.
O juiz, todos sabem, ou deveriam saber e lembrar, não pode fixar uma pena além do mínimo legal, um dia sequer, ainda que o faça dentro dos limites mínimo e máximo fixados pelo legislador, se não o fizer motivadamente; afinal, “o estabelecimento da sanção penal é uma operação lógica pautada pelo principio da individualização da pena e do dever de motivação das decisões judiciais.” (STJ. HC 73470)
Essa é uma lição elementar que todos já tiveram, mas que muitos a esquecem quando se decidem pela aplicação da pena, razão pela qual, repito, temos modificado tantas decisões, sempre em favor do acusado, sobretudo, repito, em face de os recursos serem manejados quase sempre pela defesa.
Ainda que admitamos, com sói ocorrer, o caráter criador das decisões judiciais, não se pode deslembrar, reitero, do caráter vinculado da criatividade do juiz, que não pode, como se fosse num jogo de dados, decidir acerca da pena a ser aplicada, a qual, muito ao contrário, deve ser sempre concebida à luz do caso concreto, atento o togado, ademais, às suas singularidades.
A força argumentativa de uma decisão penal condenatória deve ir além da força criadora do Poder Legislativo (individualização legislativa), que fixa os parâmetros, que traçam os contornos, que fixa os mínimos e máximos, mas que não desobriga o julgador, sob qualquer perspectiva, de argumentar, fundamentadamente, as razões pelas quais fixou a pena nesse ou naquele quantum, decorrência lógica da vinculação da sua decisão aos preceitos legais, com realce para a Constituição Federal, que exige a fundamentação de todas as decisões judiciais, a partir da qual o réu poderá, numa outra perspectiva, exercer com maior amplitude a sua defesa.
O tipo penal delineia os parâmetros. Contudo, isoladamente, eles não são um passaporte para que o juiz fixe a pena sem qualquer fundamentação, à luz tão somente de suas intimas convicções, com frases do tipo “o crime é grave e exige resposta consentânea do estado”, ou do tipo “o réu almejava com o crime o lucro fácil”, o que, de rigor não dizem nada.
O magistrado, é ressabido, deve ir além, examinando com o máximo e inexcedível desvelo todos os elementos que digam respeito ao fato, para, só então, em face das diretrizes legais (cf. artigo 59 do CP), de forma justa e fundamentada, fixar a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime.