Reconheço que, como qualquer pessoa, sou muitas vezes contraditório. Além de contraditório, sou idiossincrático o, como, de resto, todos somos.
De tão idiossincrásico fica difícil, num espaço tão pequeno, enumerar algumas particularidades da minha personalidade, as quais, decerto, me distinguem de tantos outros viventes, todavia, claro, me aproxima dos que pensam como eu.
Na maioria das vezes – absoluta maioria, registro-, tenho procurado, na medida do possível, adotar uma linha de coerência de modo a não deixar que as minhas idiossincrasias assomem a ponto de dificultar as minhas relações com o semelhante.
Ao admitir e enumerar algumas das minhas idiossincrasias, como o faço agora, só reafirmo o óbvio, ou seja, de que cada um, diante das vicissitudes da vida, reage de acordo com o seu temperamento, sendo certo que aquilo que me incomoda pode não incomodar o meu semelhante, a reafirmar a nossa individualidade.
Começo por afirmar, em face do meu temperamento, que não suporto pessoas dissimuladas; tenho verdadeira aversão ao tipo dissimulado. Não é do meu temperamento aceitar, sem algum sofrimento, conviver com gente desse tipo. É que não dá pra crer no tipo dissimulado. O dissimulado, tenho dito, não se revela, não deixa seus sentimentos fluírem, não se percebem os seus desígnios, o que lhe apraz e o que lhe causa desconforto. E assim fica difícil lidar com gente desse tipo.
Só sei ser claro. Assim sendo, me revelo logo por inteiro. Escancaro o peito, deixo a emoção fluir, não trago ninguém enganado sobre o que sou e como me posiciono diante dos mais variados temas.
O dissimulado vai levando, vai deixando a vida lhe levar, fingindo aqui, fingindo acolá. Não se deixa compreender. Difícil, para mim, conviver com tipos assim.
Digo mais. É próprio da minha personalidade não suportar bravatas, conquanto tenha que conviver, aqui e acolá, com bravateiros.
A verdade é que o bravateiro é um chato. A fanfarronice, a vangloria, tudo isso é uma chatice. Por isso tenho ojeriza ao bravateiro.
O bravateiro, sem se dar conta, se desqualifica por si só. Ninguém crê no bravateiro. O bravateiro é medonho. Chato, chatíssimo. Pensa que engana. Difícil conviver com pessoas assim.
Da mesma forma, não suporto o contador de lorota, que é que, na minha avaliação, uma espécie do gênero bravateiro. Bazofia, treta, patranha, conversa fiada tudo isso é insuportável. É desgastante ouvir lorotas. É como ouvir piadas sem graça ou fora de hora. Aliás, o loroteiro, para mim, é um contador de piadas sem graça. Tudo nele é uma piada.
O fanfarrão, o farofeiro, o gabola são tipos insuportáveis. O traço comum em sua personalidade é que não se mancam, não têm discernimento. O contador de lorotas é um tipo bravateiro que se distingue pela arrogância, pois pensa que todos os que ouvem as suas mentiras são bobos; só ele é vivo, atilado, inteligente. O resto é rebotalho, mercadoria de segunda.
O mentiroso é sempre do tipo insuportável, daqueles que a gente convive por educação. A mentira, a final, salvo situações excepcionais, é sempre um despropósito, a qualquer hora, em qualquer lugar. É chato ouvir uma mentira, saber que é mentira e não poder dizer, por educação, na cara do mentiroso, que sabemos que ele mente.
A situação de que ouve uma mentira, sabendo-a mentira, é desconfortante. Fico pensando, nesse cenário, por que a gente não pode dizer pra pessoas aquilo que a gente está pensando e sentindo, ou seja, que a gente sabe que ela mente, que não estamos sendo enganados, que as ouvimos por educação.
Prosseguindo o desfilo de idiossincrasias, quero dizer, ademais, que não suporto quem conta vantagens, que, afinal, se parece, também, com o contador de lorota e de vantagens, que se parece com o bravateiro.
Definitivamente, não tenho boa relação com o esnobe, aquele sujeito para quem o melhor carro é o dele, o melhor vinho é ele quem toma, de whisky só ele entende, que só o terno dele é bem cortado.
Como a maioria dos mortais, convivo por educação com o esnobe. Para salvar a relação, sou compelido a fingir, mesmo tendo enormes dificuldades para disfarçar. Mas, muitas vezes, por educação, somos todos obrigados a fingir diante desse tipo de gente.
Reafirmo que tenho medo da mentira, ojeriza ao esnobe, aversão ao bravateiro, repulsa ao contador de piadas que não saber a hora de fazê-lo.
A vida não pode ser um blefe. Eu não posso ser um blefe. Não posso ser uma mentira. Tenho que ser crível. Todos devemos ser críveis. As pessoas precisam acreditar no que dizemos. Temos que ter o sentido da conveniência. Temos que saber que há tempo pra tudo: para plantar e colher, para rir e chorar.
É evidente que não se pode exigir das pessoas que elas sejam sempre como a gente espera que elas sejam. Sinceridade, por exemplo, tem preço. Mas não se pode ser insincero a vida toda só para não pagar o preço da sinceridade.
Um registro histórico, para ilustrar. Ernesto Geisel, quarto presidente do período revolucionário, pelo menos publicamente, foi o único dos presidentes militares a defender, sem enleio, a tortura. Disse ele, em entrevista publicada após a sua morte, que achava que “a tortura, em certos casos, torna-se necessária, para obter confissões”.
É claro que em face dessa sinceridade ele pagou em vida um preço alto, como de resto ainda paga, mesmo depois de sua morte, pois essa afirmação infeliz é muito mais enaltecida que as ações desenvolvidas por ele para, na condição de presidente, acabar com a tortura.
Quiçá tenha feito essa afirmação por ser do tipo que não tolerava mentira, como, afinal, a maioria de nós não tolera. Dizem que um dos seus maiores medos era ser flagrado na mentira, e que, por isso, nos jogos de pôquer, nunca fora flagrado blefando. Palavras textuais do ex-presidente: “Eu nunca blefei. É um jogo que você joga com as cartas, com as fichas e com o temperamento dos parceiros. Aí é que entra o blefe. Para mim seria uma decepção tão grande ser apanhado blefando que nunca blefei.”
Se eu fosse tão sincero quanto o falecido presidente eu já teria desmascarado, sem pena e sem dó, os bravateiros, os mentirosos e os esnobes, só para deixar claro que, diferente do que eles pensam, não somos tolos.