Direito concreto. Apelo desprovido, com o redimensionamento da pena, de ofício.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINALSessão do dia 15 de março de 2011.

Nº Único: 0001194-16. 2009.8.10.0115

Apelação Criminal Nº 024385-2010 – Rosário

Apelante Advogado

Apelado

Incidência Penal

 

Relator

Acórdão Nº _____

: G. dos S.: H. B. G. e A. F. P.

: Ministério Público Estadual

: Art. 121, § 2º, inciso II, e art. 129, § 1º, I, todos do do CPB

: Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

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Ementa. PENAL. PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TESE DE LEGÍTIMA DEFESA NÃO ACOLHIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. MOTIVO FÚTIL CARACTERIZADO. PENA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, EM PATAMAR DESARRAZOADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. VALORAÇÃO EQUIVOCADA. REDIMENSIONAMENTO.

1. Ao julgar os fatos, com base na íntima convicção, é lícito ao Conselho de Sentença acolher a tese que lhe pareça mais convincente. Inviável, portanto, reconhecer a tese de legítima defesa se o Tribunal Popular não a acatou, e não foi demonstrada, à toda evidência, sua caracterização legal em sede recursal. Inteligência do art. 25, do CPB.

2. Só é admissível, em grau de recurso, retocar as decisões do Tribunal do Júri, quando eivadas de flagrante nulidade, ou na hipótese de decisão manifestamente contrária às provas dos autos.

3. O reconhecimento da futilidade que motivou o crime de homicídio depende de valoração subjetiva do Conselho de Sentença, que o faz com base na íntima convicção, devendo prevalecer, em razão da soberania de seus veredictos, constitucionalmente assegurada.

4. Não comprovada a existência de animosidade prévia, e séria o suficiente, entre vítima e réu, e se o embate corporal travado entre ambos foi ocasionado por este último, não há como acolher a tese de exclusão da qualificadora do motivo fútil.

5. A valoração de circunstâncias judiciais deve ser concretamente justificada, e não podem representar a própria periculosidade abstratamente considerada no tipo penal, sob pena de odioso bis in idem. Precedentes do STJ.

6. Apelo conhecido e improvido, e, ex officio, redimensionada a pena.


Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento ao recurso e, de ofício, redimensionar a pena, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.

São Luís(MA), 15 de março de 2011.


DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº 024385-2010 – Rosário

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de apelação manejado por G. dos S., inconformado com a decisão do E. Tribunal do Júri Popular da Comarca de Rosário-MA, que o condenou por incidência comportamental no artigo 121, § 2º, II, e art. 129, § 1º, I, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de 26 (vinte e seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão.

Da inicial acusatória, extraio o seguinte relato:

I – que, no dia 28 de novembro de 2009, por volta das 05:30 horas, no Bar Portal do Café, no município de Rosário, o apelante, sem qualquer motivo aparente, começou a xingar a vítima M. H. M., para, em seguida, esfaqueá-lo na região torácica, próximo ao coração, causando-lhe a morte;

II – que o outro ofendido, R. G. P., ainda tentou intervir para apartar a briga, mas também foi lesionado por um golpe de faca efetuado pelo apelante; e

III – que o motivo fútil do crime restou evidenciado, diante da “[…] evidente desproporção entre a ação das vítimas e reação do agressor […]“ tendo em vista que “[…] a vítima M. H. M. nada fez para ser xingado e, logo em seguida, esfaqueado pelo inculpado, vindo a óbito, assim como a outra vítima R. G. P., que, apenas tentou impedir fosse praticada violência contra outra pessoa, e, de forma completamente desnecessária, veio a ser lesionada. A futilidade do ato reside, como é possível perceber, na sua absoluta falta de motivação moral […].

A denúncia veio instruída com os autos do inquérito policial n. 75/2009.

Pedido de liberdade provisória formulada às fls. 31/32.

Prisão preventiva do apelante decretada às fls. 35/36.

Decisão indeferindo o pedido de liberdade provisória, às fls. 46/47.

Laudo de exame de lesões corporais do ofendido R. G. P., às fls. 52/53, e respectivo laudo de exame complementar, às fls. 85/86.

Defesa preliminar às fls. 55.

No curso da instrução criminal, na fase do juízo de admissibilidade da acusação, foi ouvida a vítima, R. G. P. (fls. 68/69), três testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 69/72), e duas, arroladas pela defesa (fls. 73 e 95/97). Em seguida, o apelante foi qualificado e interrogado, às fls. 74/75.

Após a oitiva da última testemunha de defesa, as partes apresentaram razões finais orais (fls. 96/97), tendo o Ministério Público requerido a pronúncia do apelante, para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri Popular, pela prática delitiva encartada no art. 121, § 2º, II, do CPB. A defesa, por seu turno, postula a absolvição, sustentando fragilidade do suporte probatório, bem como pediu a soltura do apelante.

O apelante foi pronunciado, às fls. 99/105, para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, pela prática das infrações penais previstas no art. 121, § 2º, II, e art. 129, § 2º, I, todos do Código Penal. Consignou-se na r. decisão que o apelante permaneceria aguardando seu julgamento encarcerado, “[…] considerando a gravidade do delito, bem como a forma como o delito fora cometido, revelando resquícios de insensibilidade injustificáveis […]”.

O apelante foi pessoalmente intimado da decisão de pronúncia, conforme se vê às fls. 107.

A decisão de pronúncia restou preclusa, conforme certificado às fls. 109.

Manifestação favorável do Parquet, relativamente à admissão do assistente de acusação no feito, às fls. 122.

Laudo de exame cadavérico às fls. 124.

O apelante foi submetido a julgamento perante o E. Tribunal do Júri da Comarca de Rosário, na sessão ocorrida em 29 de abril de 2010.

Durante a instrução plenária, foram inquiridas quatro testemunhas. O apelante não foi qualificado e interrogado na ocasião, em razão de não ter comparecido, embora devidamente intimado, conforme consignado na respectiva ata, precisamente, às fls. 169.

No curso dos debates, o Ministério Público sustentou a tese de prática do crime de homicídio qualificado por motivo fútil e lesões corporais graves (art. 121, § 2º, II, e art. 129, § 1º, ambos do CPB), e a defesa, de outro giro, postulou a absolvição, alegando que o apelante agiu em legítima defesa.

Após a quesitação (fls. 160/163), o Conselho de Sentença acolheu a proposição levantada pelo Parquet, e reconheceu que o apelante praticou os crimes de homicídio qualificado por motivo fútil, e lesões corporais graves, sendo-lhe imposta a pena de 26 (vinte e seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão. O juízo sentenciante negou-lhe o direito de recorrer em liberdade, conforme se depreende da sentença exarada às fls. 165/167.

O apelante foi pessoalmente intimado da sentença condenatória, conforme certificado às fls. 181.

A defesa do apelante manejou, às fls. 183/184, Protesto por Novo Júri. O Juízo a quo, após esclarecer que referido recurso não mais subsiste em nosso ordenamento pátrio, o recebeu como apelação, em homenagem ao princípio da ampla defesa, facultando ao advogado apresentar suas razões perante esta Corte (decisão de fls. 184v.).

Aportados os autos neste Tribunal, determinei a intimação das partes para apresentarem suas respectivas razões e contrarrazões (fls. 193).

Nas razões do apelo encartadas às fls. 197/207, o apelante postula, preliminarmente, a nulidade do julgamento, alegando:

I – que o julgamento ocorreu à revelia, tendo em vista o não comparecimento do apelante, que havia empreendido fuga, junto com outros presos, três dias antes da sessão, resultando, deste fato, prejuízo para a defesa;

II – que o causídico que atuou na sessão plenária não tinha autorização específica para sustentar a defesa sem a presença do apelante, e sua atuação, a qual reputou precária, em razão do exíguo tempo de sustentação oral (21 minutos), acarretou prejuízos para a defesa;

III – que o Promotor de Justiça e o assistente de acusação, durante os debates, fizeram referências, a todo instante, à fuga do apelante, em seu prejuízo, o que também, segundo alega, foi utilizado pelo magistrado para agravar a sua situação;

IV – que a designação de um juiz titular de outra comarca, apenas para presidir o júri, fere o princípio do juiz natural; e

V – que a quesitação é nula, alegando: inversão em sua ordem, formulação de perguntas negativas, e ausência de quesito obrigatório, relativo à existência ou não de causa de diminuição de pena.

No mérito, a defesa argumenta que a decisão dos jurados foi manifestamente colidente com as provas dos autos, alegando:

I – que o Conselho de Sentença não considerou a tese de legítima defesa, em razão de uma suposta briga ocorrida entre o apelante e as vítimas; e

II – que a referida briga afastaria a qualificadora do motivo fútil.

Nas contrarrazões de fls. 220/222, o Ministério Público de base requereu o improvimento do apelo, mantendo-se, integralmente, a sentença ora vergastada.

A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer acostado às fls. 228/234, opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo.

É o relatório.

 


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes estão os pressupostos de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço.

Ao exame das razões do apelo, constato que a pretensão recursal mira a anulação do julgamento, apontando, primeiramente, a suposta ocorrência de nulidades, as quais analisaremos doravante.

Inicialmente, o apelante argumenta que o julgamento ocorreu à revelia, tendo em vista o não comparecimento do apelante, que havia empreendido fuga, junto com outros presos, três dias antes da sessão, resultando, deste fato (ausência do apelante na sessão de julgamento), prejuízo para a defesa.

Não merece guarida a alegação.

De fato, pelo que consta nos autos, o apelante permaneceu ergastulado durante toda a instrução, até às vésperas do julgamento, o que implicaria em sua apresentação na sessão plenária pelas autoridades carcerárias.

Nada obstante, é sabido que a nova sistemática do procedimento do júri não mais exige a presença do acusado durante a sessão plenária de julgamento. É o que se depreende do art. 457, do CPP:

Art. 457.  O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.

§ 1o Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri.

§ 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor.

Nesse sentido, colhe-se lapidar ensinamento doutrinário[1]:

Como se infere, não mais prevê o CPP, após o advento da Lei n. 11.689/2008, o adiamento da sessão diante da ausência do réu por crime inafiançável, só realizando o júri sem a presença do acusado quando se cuidasse de crime afiançável, com comprovação de sua intimação, aliada de não apresentação de justificativa de motivo legítimo (art. 451, § 1º, CPP, redação anterior). Agora, só há obrigatoriedade de comparecimento do acuado intimados este estiver preso. Ainda assim, pode ser dispensada sua presença, mediante requerimento dele e de seu advogado. Caso o réu esteja solto, é possível não só a realização do julgamento sem sua presença, como também sua intimação por edital (art. 457, CPP, nova redação).

Em minha compreensão, deve-se imprimir uma interpretação lógica ao dispositivo.

Se o apelante resolveu empreender fuga, aproveitando-se de uma evasão em massa do distrito policial da comarca, três dias antes do julgamento, seria ônus seu apresentar-se, espontaneamente, à sessão plenária, caso tivesse interesse, mesmo porque tal situação impossibilitaria, em absoluto, sua apresentação pela autoridade competente. Se não o fez, deve o apelante, então, arcar com as consequências de sua ausência, dentre elas, de não poder apresentar sua versão dos fatos aos jurados, e exercer seu direito à autodefesa.

Admitir a ocorrência de nulidade, nesse contexto, é permitir que a parte se beneficie de eiva a qual deu causa, em total afronta ao art. 565[2], do CPP.

Portanto, afasto o argumento.

Em seguida, a defesa assevera que o causídico que atuou na sessão plenária não tinha autorização específica para sustentar a defesa sem a presença do apelante, e sua atuação, a qual reputou precária, em razão do exíguo tempo de sustentação oral (21 minutos), acarretou prejuízos para a defesa.

O argumento é absolutamente descabido.

Observa-se pelo mandato procuratório de fls. 33 que o apelante constituiu advogado para patrocinar sua defesa, o Dr. H. B. G., o qual se fez presente durante a sessão plenária de julgamento.

Com efeito, embora o apelante tenha abdicado de exercer seu direito a autodefesa, conforme consignamos retro, sua defesa técnica foi regularmente exercida pelo patrono de sua confiança.

Como bem observou o advogado que aviou as razões recursais, a Súmula 523, do STF preconiza que “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Não se pode falar, pois, em falta de defesa, eis que o advogado de confiança do apelante, como já dito, o representou durante a sessão plenária de julgamento.

De outro giro, não se pode inferir que houve, ipso facto, prejuízo à defesa, somente pelo fato do advogado ter utilizado apenas vinte e um minutos para sustentação oral em plenário. Deveria haver efetiva e concreta demonstração de prejuízo ao réu, um ônus do qual não se desincumbiu o atual patrono do apelante.

Portanto, não há que se falar em nulidade neste ponto.

Prossegue a defesa afirmando que o Promotor de Justiça e o assistente de acusação, durante os debates, referenciaram a fuga do apelante, a todo instante, em seu prejuízo, o que também, segundo alegou, foi utilizado pelo magistrado para agravar a sua situação.

À despeito de tais alegações, observo, atentamente, da ata da sessão plenária de julgamento, acostada às fls. 168/170, que não há qualquer registro de tal fato.

Se, supostamente, houve a referência em plenário à fuga do apelante em seu prejuízo, deveria o causídico protestar imediatamente, para que ficasse expressamente consignado em ata, o que não vislumbro no caso em apreço.

De outro viés, observo que, ao contrário do que afirmou a defesa, a fuga do apelante só foi referenciada na sentença de fls. 165/167 para justificar a manutenção da segregação cautelar, apenas e tão somente. Não há qualquer menção à este fato em seu prejuízo relativamente aos fatos criminosos os quais foi julgado e condenado.

Ademais, o art. 478[3], do CPP, não veda, expressamente, a menção de eventual fuga do acusado em plenário, mas obsta à acusação fazer referência ao seu silêncio, e à decisão de pronúncia. Aliás, quanto à este último aspecto, consigne-se, ad argumentandum, que tal dispositivo é alvo de severas críticas na doutrina[4], pois “[…] a decisão mencionada [de pronúncia] substitui, por assim dizer, o papel outrora atribuído ao libelo, extinto com a reforma processual de 2008. Demais disto, a vedação constitui cerceamento ao direito de utilização de provas lícitas, e apenas as provas ilícitas não podem ser utilizadas no processo, por força de disposição constitucional expressa (art. 5º, LVI, CF). […]”

Afasto, portanto, tal alegação de nulidade.

Segue a defesa, persistindo em apontar nulidades, afirmando que a designação de um juiz titular de outra comarca, apenas para presidir o júri, fere o princípio do juiz natural.

É, também, descabido o argumento, pois parte de uma leitura absolutamente deturpada do princípio do juiz natural.

Primeiramente, assevero que o juiz natural, constitucionalmente estabelecido para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, é o júri popular, não o juiz de direito.

Ora, é de sabença comezinha que, em crimes dessa natureza, são os jurados, os pares do acusado, que julgam os fatos, cabendo ao juiz togado, tão somente, presidir os trabalhos da sessão plenária e aplicar a resposta penal (matéria de direito), em caso de condenação.

Não há, portanto, qualquer ofensa ao princípio do juiz natural, sendo perfeitamente possível a designação de outro magistrado, que não presidiu a fase de admissibilidade de acusação, para presidir o júri.

Por fim, afirma a defesa que a quesitação é nula, alegando: inversão em sua ordem; formulação de perguntas negativas; e, ausência de quesito obrigatório, relativo à existência ou não de causa de diminuição de pena.

Devo dizer, contudo, que não subsiste qualquer nulidade deste jaez.

Antes da reforma no Código de Processo Penal, operada pela Lei n. 11.689/2008, o tema relativo à quesitação era campo fértil para a ocorrência de nulidades, notadamente porque o sistema de formulação de quesitos era deveras complexo.

Na atual redação do art. 483, do CPP, houve considerável simplificação na elaboração do questionário, inclusive, quanto às teses defensivas, nas quais se resumem à seguinte formulação dirigida ao conselho de sentença: “o jurado absolve o réu?”. Calha a transcrição integral do preceito em tela:

Art. 483.  Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

§ 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

O jurado absolve o acusado?

§ 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 4o Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso.

§ 5o Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito.

§ 6o Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas.

Sob meu atento olhar, observo que, nos termos de quesitação acostados às fls. 160/161 (homicídio), e fls. 162/163 (lesões corporais), a ordem de formulação seguiu, exatamente, aquela preconizada pelo dispositivo legal supra.

Assevero, ademais, que a tese defensiva relativamente à legítima defesa foi expressamente elaborada, logo após a autoria, nas duas séries de quesitação.

Devo alertar, por oportuno, dois quesitos fundamentais, os quais a defesa apontou como causadores de nulidade, quais sejam:

“[…] § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

O jurado absolve o acusado?

§ 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. […]”

(sem destaques no original)

De início, observo que o quesito relativo à causa de diminuição de pena será obrigatório, apenas, se expressamente alegado pela defesa.

No caso em apreço, as teses defensivas foram as seguintes: negativa de autoria e legítima defesa. Não há nos autos qualquer registro, seja na ata, seja na sentença, de que a defesa postulou a incidência de causa de diminuição de pena.

Não havendo, portanto, qualquer causa de diminuição de pena expressamente alegada pela defesa, não há que se falar em obrigatoriedade da formulação do quesito constante no inciso I, § 3º, do art. 483, do CPP.

Por fim, dispensa maiores digressões a suposta nulidade por inversão de ordem na quesitação.

Como é de clareza solar, as teses relativas à eventuais qualificadoras serão quesitadas após as causas de diminuição de pena (se existentes). In casu, como não foram levantadas quaisquer causas de diminuição de pena em favor do apelante, nos debates em plenário, logo após o quesito da absolvição, indagou-se aos jurados acerca da qualificadora, exatamente como legalmente previsto.

Desta forma, diante do que foi analisado e ponderado, inexiste qualquer nulidade apta a macular o julgamento em apreço.

Passemos, adiante, a analisar a irresingação recursal quanto ao meritum causae, no qual a defesa sustenta, em essência, que a condenação se deu ao arrepio das provas constantes nos autos.

Ao lume de circunstanciada análise deste recurso de apelação, nenhuma linha dos respeitáveis argumentos utilizados pela defesa do suplicante restou-me suficientemente segura, a me autorizar que fosse dado o provimento por ele pretendido.

Ab initio, esclareço que o princípio constitucional da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri Popular desautoriza que suas decisões sejam revistas, em seu aspecto meritório, quanto à matéria fática, pelos Tribunais togados, sob pena de transformarem-se nas reais instâncias de julgamento, subvertendo, de forma absolutamente indevida, a competência constitucional conferida ao Tribunal do Júri, pela Magna Carta.

Com efeito, só é lícito retocar as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, em sede recursal, quando eivadas de flagrante nulidade (as quais foram afastadas), ou, na hipótese de estarem inequivocamente dissociadas das provas produzidas nos autos, o que, desde já adianto, não vislumbro na espécie. E, mesmo em tais casos, o Tribunal jamais fará outro julgamento, mas, apenas, o anulará, determinando o retorno dos autos para que o acusado seja submetido a novo julgamento.

Em arrimo a tais considerações, transcrevo esclarecedor ensinamento doutrinário:

A soberania dos verdictos alcança o julgamento dos fatos. Os jurados julgam os fatos. Esse julgamento não pode ser modificado pelo juiz togado ou pelo tribunal que venha a apreciar um recurso. Daí que em hipótese de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos, a apelação provida terá o condão de nulificar o julgamento e mandar o acusado a um novo júri. Note-se que o tribunal não altera o julgamento para condenar ou absolver o acusado, ou mesmo para acrescer ou suprimir qualificadora. Como a existência do crime e de suas circunstâncias é matéria fática, sobre ela recai o princípio da soberania dos verdictos, não podendo seu núcleo ser vilipendiado, senão por uma nova decisão do Tribunal Popular. Contudo, em prol da inocência, tal princípio não é absoluto, admitindo-se que o Tribunal de Justiça absolva de pronto o réu condenado injustamente pelo júri em sentença transitada em julgado, no âmbito de ação de revisão criminal[5]. […]”

(Sem negritos no original).

Gizadas tais ponderações, passo ao exame da insurgência recursal.

A materialidade do delito, a despeito de não ter sido objetada no apelo, restou-me insofismavelmente estreme de dúvidas, conforme os laudos de exame cadavérico, e de lesões corporais, acostados às fls. 124, e 52/53 e 85/86, respectivamente.

A autoria delitiva é incontroversa, sendo despiciendo maiores considerações a respeito.

Com efeito, o apelante confessou sua conduta, justificando, contudo, ter agido em legítima defesa, sendo esta a principal tese defensiva sustentada no apelo, da qual me deterei a seguir.

Ao ser qualificado e interrogado em juízo, na fase prelibatória, (fls. 74/75), o apelante relatou sua versão dos fatos, dizendo que a vítima M. H. D. M. é quem teria provocado a discussão e iniciado as agressões físicas contra si, e que, por isso, esfaqueou a vítima, como forma de repelir tal agressão.

Ao que pude observar, do atento compulsar do caderno processual, apenas uma testemunha corrobora essa vertente dos fatos, cujo depoimento está encartado às fls. 95/97.

De outra face, as demais testemunhas inquiridas, tanto na fase prelibatória, como em plenário, confirmaram, em uníssono, que o apelante foi quem iniciou as provocações e xingamentos dirigidos ao ofendido M. H., sendo que este ainda as ignorou, por certo tempo, mas, diante da recalcitrância do apelante, acabaram travando uma luta corporal, na qual este desferiu uma facada letal na região torácica da vítima.

Nesse sentido, colhem-se os relatos abaixo, durante o juízo de admissiblidade da acusação.

A vítima de lesões, R. G. Pi., relatou (fls. 68/69):

“[…] que por ocasião do crime encontrava-se presente no Bar Portal do Café, inclusive ali chegou na companhia da vítima M. e da testemunha F.; […] que depois de meia hora o réu chegou ao Bar; que não sabe dizer se o réu e a vítima tinha alguma rixa antiga ou se haviam discutido dias ou horas antes do crime; que apesar de estar um pouco embriagado, viu quando o réu passou por sua mesa onde ali estava sentada também a vítima e se dirigiu a vítima provocando-a, dizendo “que ele era um menino”; que após a palavra dita não percebeu quando a vítima levantou-se da mesa, e só viu já quando esta saia correndo do bar furada; que não viu se vítima e réu discutiram ou entraram em luta corporal; que uma vez que o réu não conseguiu alcançar a vítima, voltou para o bar e foi ao encontro do depoente, atingindo-a com uma facada perto da virilha, desistindo de proceder com mais facada por vontade própria; […] que não sabe dizer o motivo por que foi atingido por uma facada dada pelo réu, uma vez que não tinha rixa antiga com esse, e que o réu por ocasião do crime não lhe disse nada, ou seja o motivo pelo qual estava lhe lesionando; […] que após a leitura do depoimento do depoente prestado na Delegacia de Polícia, este confirma o seu teor, quando ali disse que viu o momento em que o réu deu um golpe de faca no peito da vítima; que confirma também que após ver o réu dar um golpe de faca na peito da vítima, perguntou a este ele tinha feito aquilo, momento em que o réu também o lesionou;  […]”

(sic – sem destaques no original)

A testemunha F. H. Z. S., afirmou (fls. 69/70):

“[…] que por ocasião do crime, encontrava no Bar Portal do Café, ali chegando por volta das 03:00 horas da madrugada na companhia da vítima M. em H.; que meia hora depois chegou o réu […] que viu quando o réu ao chegar no bar, de logo, passou a provocar a vítima M., chamando-o de “meninão e otário”, momento em que a testemunha H. levantou-se da mesa e foi conversar com o réu para esse parasse de provocar Marcelo e em seguida viu quando a vítima M. também se levantou da mesa indo em direção ao banheiro e quando de seu retorno, viu a vítima M. e o réu “se atracarem” entrando em luta corporal, para minutos depois ver a vítima M. levantar-se do chão e dizer“R. me furaram”, e em seguida a vítima M. saiu correndo em direção à rua, sendo perseguido pelo réu, não sabendo dizer se o réu atingiu a vítima M. com outro golpe; […] que viu quando logo depois de ter furado M., furar também a vítima R., na altura de sua virilha; […] que não sabe dizer o motivo exato do crime, uma vez que em nenhum momento viu a vítima M. respondendo as provocações do réu ou tentando atingi-lo com armas ou outros instrumentos; que apesar do réu estar sob efeito de bebida alcoólica, não demonstrava estar totalmente embriagado a ponto de não saber o que estava fazendo; […] que não viu ninguém dando rasteira no acusado nem puxando faca para ele; […] que Marcelo foi furado quando ainda estava brigando com o acusado […] que a briga entre acusado e a vítima Marcelo, se deu a 20 metros de onde o depoente estava sentado; que não sabe dizer de quem era a faca, mas não era da vítima M., pois ele estava desarmado; […]”

(sic – sem destaques no original)

H. dos S. M. (fls. 71):

“[…] que viu quando o réu passou a insultar as vítimas M. e R., inclusive ouviu quando o réu chamou M. de “otário, moleque e menino” ; que M. não reagiu aos insultos verbalmente, porém levantou-se e os dois réu e vítima, começaram uma briga corporal, para em seguida ouvir a vítima M. dizer “estou furado”, levantando-se e correndo para a rua com a mão no peito; […] que não viu o momento em que o réu furou a vítima, mas sabe dizer que foi o réu que deu a facada na vítima; que não viu a vítima M. em nenhum momento tentando atingir o réu com uma facada ou outro instrumento; […]”

No curso da instrução plenária, a prova testemunhal é corroborada, em seu teor, de forma coerente e harmônica.

Com efeito, o ofendido R. G. P. (fls. 151/152) afirmou:

“[…] que depois o réu chegou no bar e ficou conversando com H. por volta de meia hora; que depois o réu levantou e, ao passar pela mesa do depoente, passou a xingar M., chamando-o “menino e otário”; que o réu iniciou a xingação contra M. sem qualquer provocação deste, do depoente ou do F.; que depois, o réu ficou passando de vez em quando pela mesa jogando piadinha e xingando M.; que depois M. foi até o banheiro, momento em que este e o réu começaram a brigar; que o depoente não vui o início da briga; que o depoente só viu a briga na hora em que foi chamado pelo seu nome por M., que lhe dizia que estava furado; que nessa hora o depoente levantou-se, e, nesse momento, o réu aproximou-se rapidamente e o depoente perguntou a ele porque tinha feito aquilo com M., o réu não respondeu e esfaqueou o depoente; […] que o depoente não sabe dizer se o G. e M. tinham alguma rixa ou rivalidade ou se se conheciam; que antes desse fato, o depoente não conhecia o acusado, mas já tinha ouvida falar o nome dele; que em momento algum o depoente percebeu qualquer provocação, seja verbal ou física, contra a pessoa do acusado, antes de acontecer a infração; […] que durante o tempo em que permaneceu no bar na companhia da vítima M. e antes da chegada do réu, não viu a vítima provocar, discutir ou arranjar qualquer confusão no bar; […] que quando o réu chegou no bar, se dirigiu primeiro para H., e após conversar com este, sem qualquer provocação ou motivo, passou a insultar a vítima, chamando-a de “otário, menino e que não era de nada”; que quando o réu passou a insultar a vítima, esta no primeiro momento não reagiu à provocação, ignorando-o por completo; […] que embora não tenha visto como se deu o segundo momento da confusão entre vítima e réu, ouviu a vítima dizer que estava furado, inclusive a vítima quando disse que estava furado, chamou pelo nome do depoente;

Fe. H. Z. S. disse o seguinte (fls. 153/155):

“[…] que chegaram no bar e foram convidados por H. para sentar à mesa em que este se encontrava; que somente o depoente e M. ficaram sentado à mesa em que H. estava, e R. ficou em pé que logo ao ser ofendido pelo acusado, M. nada disse; que próximo à mês, andando; que foi nessa hora em que o acusado chegou e começou a ofender M., chamando-o de “moleque, meninão e que não era homem”; que logo ao ser ofendido pelo acusado M. nada disse; que depois disso, H. chamou o acusado para uma conversa, um pouco afastado da mesa em que se encontrava o depoente; […] que depois da conversa, H. voltou à mesa em que estava o depoente e M.; que determinado tempo depois, M. foi até o banheiro do bar, momento em que o depoente viu os dois se atracando e, logo depois, ouviu M. dizendo “R. tô furado!”; que depois de ter sido furado, M., na ânsia do sangramento, saiu correndo; […] que depois que M. saiu correndo, R. se levantou em direção ao acusado que também vinha em direção a R.; que na hora que o depoente viu a briga, afastou-se da mesa; que R. ao se levantar e antes de ser esfaqueado pelo acusado, não falou nada porque não teve tempo de reação; que R. foi esfaqueado pelo acusado na altura de sua virilha; […] que depois que o acusado foi embora, o depoente foi socorrer R. e M.; que viu M. deitado no chão próximo ao carro de H. e ainda tentou levantar o corpo de M. e coloca-lo dentro do carro de H., mas como a porta do carro estava travada e não conseguia abrir, disse a H. para socorrer M. porque iria socorrer R., o que passou a fazer naquele momento, quando mais à frente encontrou R. indo em direção com a mão no sangramento, momento em que o depoente e outro rapaz, ajudaram a levar R. para o hospital; […] que não é verdadeira a alegativa do réu quando disse que a arma que utilizou para a prática dos crimes foi tirada das mãos da vítima M., vez que afirma que a vítima Marcelo não estava portando qualquer tipo de arma; que não é verdade quando o réu afirma em juízo que quem deu início a toda confusão que desencadeou o crime, foi a vítima M., pois presenciou quando o réu insultou a vítima M.; […]

A par do patrimônio probante coligido, acusação e defesa sustentaram suas teses em plenário, e, diante das duas versões apresentadas, optou o conselho de sentença, em sua íntima convicção, pela tese da acusação.

Com efeito, o Conselho de Sentença albergou a tese que lhe pareceu mais convicente, a qual encontra, sim, desde meu olhar, arrimo no suporte probatório.

Nesse vértice, colho o entendimento pretoriano acerca da matéria:

Em se tratando de JÚRI, somente a decisão em manifesto confronto com os elementos do processo, totalmente dissociada da reconstituição fática trazida aos autos, é que pode ensejar a nulidade do julgamento. No caso, foi adotada a versão que pareceu mais convincente aos jurados, a qual encontra amparo nos elementos probantes existentes nos autos[6]; […]”

No mesmo norte:

Não é contrária à prova dos autos a decisão do Tribunal do Júri que acolheu a tese da acusação, que se apresentou plausível e condizente com o acervo probatório, e descartou a tese da defesa. Para que a decisão seja considerada contrária à prova dos autos, é necessário que seja escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do contexto probatório, nunca aquela que opta por uma das versões existentes nas teses da acusação. Precedentes[7];

(sem destaques no original) […]”

Desta forma, ao contrário do que afirmou o apelante, a decisão do corpo de jurados não foi completamente dissociada do acervo probatório. Ao revés, foi, sim, em minha compreensão, estribada nas provas testemunhais, que, em sua franca maioria, relataram o fato como formulado na acusação.

Entendo, portanto, que os argumentos levantados pela defesa não convencem, porquanto as testemunhas apontaram, de forma uníssona, a autoria delitiva atribuída ao apelante, apoiada em elementos de prova convincentes colacionados aos autos, e não acataram a tese de legítima defesa.

O relato das testemunhas é de vital importância, pois, uma delas, foi vítima de lesões corporais perpetradas pelo apelante, e as demais, presenciaram o fato delituoso, em todas as circunstâncias relevantes, desde o início das discussões.

Portanto, restou-me insustentável a tese de legítima defesa, tendo em mira o patrimônio probante, que, em nenhum momento, fornece indícios de que o apelante defendia-se de uma agressão injusta, atual ou iminente, usando moderadamente dos meios estritamente necessários para tanto.

Ao revés, as provas coligidas evidenciam que o apelante foi quem deu início às provocações e xingamentos direcionados ao ofendido M., partiu para uma luta corporal contra ele, e, nesse contexto, utilizando-se de uma faca, enquanto que a vítima estava desarmada, ceifou-lhe a vida, com um letal golpe na região torácica.

Portanto, a prática do crime de homicídio restou sobejamente demonstrada, e a respectiva condenação deve ser mantida, posto que agiu com acerto o E. Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, da Comarca de Rosário.

Prossegue a defesa, nas razões do apelo, afirmando que a discussão havida entre o apelante e o ofendido afastaria o motivo fútil do crime.

De fato, as testemunhas relatam que ocorreu uma briga, um embate corporal entre o apelante e o ofendido.

Nada obstante, ressalto que aludida qualificadora (motivo fútil), como é de sabença, é de índole subjetiva. É dizer, em outra feição, que o seu reconhecimento decorre de um juízo de íntima convicção dos jurados, cuja decisão soberana deve prevalecer.

A jurisprudência é firme nesse norte:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO – DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – MOTIVO FÚTIL – SUBJETIVIDADE – APLICAÇÃO DA PENA – FIXAÇÃO DE REGIME FECHADO – DESPROVIMENTO. – Para a determinação de desistência voluntária, necessário seria que o agente, depois de iniciada a execução do delito, desistisse de consumá-lo, ainda que possuísse todos os recursos para dar continuidade a sua ação. Se o réu não prosseguiu agredindo a vítima porque foi impedido por terceiro, e não por circunstâncias de foro íntimo, evidencia-se a tentativa, afastando a desistência voluntária. – A determinação da qualificadora do motivo fútil ocorre quando demonstrada a desproporcionalidade da reação criminosa à sua causa. Demanda, portanto, valoração subjetiva do contexto dos autos onde deve prevalecer a soberania dos veredictos constitucionalmente assegurada (art. 5º, XXXVIII, “c” da CF/88). – Ainda que primário e possuidor de bons antecedentes, é possível a fixação da pena-base acima do mínimo legal em análise às circunstâncias judiciais. […].[8]

(sem destaques no original)

Com efeito, restou sobejamente demonstrado que o apelante foi quem iniciou as provocações e xingamentos dirigidos ao ofendido M. H. M., quando chegou ao bar Portal do Café.

Diante desse contexto, o conselho de sentença agiu de forma acertada, pois considerou que a conduta do réu foi notoriamente desproporcional em relação ao resultado; o motivo da prática delitiva foi ínfimo, mesquinho, devo dizer.

Em verdade, os relatos das testemunhas comprovam, em uníssono, que o apelante e a vítima M. sequer se conheciam, daí sendo inviável cogitar-se da prévia existência de belicosidade entre ambos, única situação apta a afastar a qualificadora do motivo fútil.

Devo repisar, por oportuno, que a luta corporal ocorrida entre vítima e apelante foi por este ocasionada, como restou evidenciado nos autos. Tal peculiaridade, a meu sentir, também é suficiente para manter-se a incidência do motivo fútil do crime de homicídio ora em análise. Diferentemente, seria se o ofendido M. é quem tivesse iniciado as provocações, xingamentos e agressões, mas não foi o que ocorreu in casu.

Corroborando o exposto, trago à colação julgados que, a contrario sensu, indicam circunstâncias aptas a ilidir a qualificadora do motivo fútil, o que não verifiquei in casu.

[…] 2. Não haverá motivo fútil, pois este não permanece, se houver agressão física anterior da vítima para com o acusado. […][9]

No mesmo vértice:

[…] MOTIVO FÚTIL – AFASTAMENTO – INTERVENÇÃO DA VÍTIMA EM DESENTENDIMENTO ENTRE O RÉU E FAMILIAR DAQUELA. A jurisprudência de nossos tribunais vem se inclinado no sentido da inocorrência da futilidade do motivo quando antecedido de animosidade e atritos entre réu e vítima. Recurso parcialmente provido. […][10]

Diante desse contexto, não se afigura lícito afastar a qualificadora, porque:

I – vítima e apelante não se conheciam, e, consequentemente, não havia entre eles animosidade prévia e séria o suficiente para afastar a qualificadora; e

II – o embate corporal que ambos travaram foi iniciado pelo apelante. Ou seja, não houve nenhuma agressão iniciada por parte da vítima, a qual, ao contrário, ainda ignorou as provocações do apelante.

Por derradeiro, observo que resta prejudicada a tese defensiva, que pretendia afastar a qualificadora, com base no laudo de exame cadavérico, o qual, supostamente, atestaria a existência de escoriações no corpo do ofendido M. H..

Isso porque, a fundamentação ora exposta é suficiente para fulminar a tese defensiva, sendo desnecessárias outras observações, ou maiores digressões a respeito. Ou seja, a luta corporal, em si mesma, não tem o condão de afastar a aludida qualificadora.

Ademais, o laudo de exame cadavérico de fls. 124 relata, ao exame externo do cadáver, a existência de duas feridas perfuro-incisa. Não foi constatada a existência de escoriações, como relatou a defesa.

Pelo exposto, deve permanecer a incidência da qualificadora do motivo fútil.

O crime de lesões corporais praticado contra o ofendido R. G. P. também é idene de dúvidas, e não há qualquer dúvida de que o apelante não o praticou em legítima defesa, pois a referida vítima, quando se aproximou do apelante, apenas o questionou porque tinha esfaqueado M. H., no que foi atingido, também, com um golpe de faca desferido pelo apelante, resultando numa lesão em sua virilha direita. O fato é corroborado pelos depoimentos acima transcritos.

A prova material deste crime, conforme já apontamos, restou sobejamente comprovada pelo laudo pericial de fls. 52/53, e, a gravidade do ferimento, atestada pelo laudo complementar de fls. 85/86, confirmando que a lesão resultou em incapacidade para as ocupações habituais do ofendido por mais de trinta dias.

Desta forma, a simetria e coesão dos depoimentos testemunhais colhidos na fase do juízo de prelibação, confirmados em sessão plenária de julgamento, perante o E. Tribunal do Júri Popular da Comarca de Raposa-MA, leva-me a concluir, com a mais absoluta convicção, que o apelante, de fato, praticou os crimes em tela, ceifando a vida de M. H., com um golpe de faca na região torácica, e lesionando, gravemente, R. G. P., também com uma facada, na região da virilha.

Analiso, a seguir, a higidez e adequação da reprimenda penal imposta ao apelante.

Prima facie, constato que o juízo sentenciante impingiu respostas penais em patamares absolutamente díspares, à vista de idêntica valoração das cricunstâncias judiciais para os crimes de homicídio qualificado e lesões graves. Para aquele, incrementou a pena-base em elevados 11 (onze) anos, resultando 23 (vinte e três) anos de reclusão. Para este último, de modo diverso, mas proporcional, o aumento foi de 01 (um) ano e 06 (seis) meses, resultando em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

A meu sentir, merece reavaliação, portanto, a resposta penal.

O juízo de base, ao analisar as circunstâncias judiciais do apelante, reputou desfavoráveis: a culpabilidade, os antecedentes, as circunstâncias, as consequências do crime, e o comportamento da vítima.

É ressabido que só é permitida a fixação da resposta penal, acima do mínimo legalmente previsto, quando as circunstâncias judiciais mostrarem-se desfavoráveis, a partir de uma valoração concreta, em consonância com elementos de prova coligidos nos autos.

Acerca da matéria, colhe-se lapidar aresto do C. Superior Tribunal de Justiça:

2. Não se observa violação aos arts. 59 e 68 do Código Penal quando há fundamentação em dados concretos para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, diante da existência de maus antecedentes.

3. A legislação penal brasileira não prevê critérios objetivos para a fixação da pena-base.

4. O simples fato de existir apenas uma circunstância judicial desfavorável não impõe, necessariamente, que a reprimenda básica seja fixada próxima ao mínimo legal. A contrario sensu, a existência de diversas circunstâncias contrárias ao réu não implica a obrigatoriedade de aplicar a pena-base próxima ao patamar máximo.

5. Mostra-se incabível rever a extensão do aumento da pena-base, quando devidamente fundamentada, pois tal proceder implicaria aprofundada valoração do conjunto fático-probatório dos autos, providência inadmissível de ser realizada em sede de habeas corpus.

6. As circunstâncias avaliadas pelo juiz na fixação da sanção básica devem ser consideradas também na fixação do regime de cumprimento da reprimenda, razão por que inexiste constrangimento ilegal na aplicação de regime mais rigoroso, caso alguma das circunstâncias judiciais assim o recomende (art. 33, § 3º, do Código Penal).[11]; […]”

(sem destaques no original)

Embora a valoração dos antecedentes, das circunstâncias do crime, e do comportamento da vítima tenham se norteado por tais parâmetros, não observo o mesmo em relação às demais. Explico a seguir.

É sabido que culpabilidade, na dosimetria da pena, deve ser considerada como um juízo de censura, de reprovabilidade da conduta criminosa. Não se confunde, pois, com a noção de culpabilidade integrante do próprio conceito analítico de crime (para os finalistas tripartites), ou pressuposto de aplicação da pena (finalistas bipartites).

Acerca da matéria, o STJ já assentou:

“[…] 2. A potencial consciência sobre a ilicitude da conduta e a inexigibilidade de conduta diversa são pressupostos da culpabilidade, elementar do conceito analítico de crime, não pertencendo ao rol das circunstâncias judiciais, porquanto a culpabilidade nele referenciada diz respeito à reprovabilidade social. […]”.[12]

Daí porque entendo, com arrimo nessas considerações, que o fato de o apelante ter “[…] condições de compreender o caráter ilícito de sua conduta e determinar-se de acordo com esse entendimento”, é mero reflexo da ilicitude abstratamente prevista no tipo penal, à mingua de demonstração de um plus no desvalor da conduta, não autorizando, pois, a valoração desta circunstância, devendo ser retocada.

Quanto aos antecedentes, devo dizer que a certidão cartorária acostada às fls. 43 informa que existe uma condenação transitada em julgado em desfavor do apelante, pela prática do crime de roubo qualificado.

Com efeito, observo que a consideração dessa circunstância judicial está em perfeita sintonia com os termos da súmula n. 244[13], do STJ, nada havendo a retocar neste ponto.

No que pertine às consequências do crime, o juízo a quo assim considerou: “[…] consequências do crime foram graves porque deixou a família da vítima desamparada, mulher e filho […]”.

Constato, pois, que o juízo sentenciante considerou o resultado próprio do crime (morte), abstratamente previsto no tipo penal, como motivo suficiente para valorar a circunstância judicial sob retina, o que, a meu sentir, configura indevido bis in idem.

Com efeito, as consequências do crime, a serem consideradas para o fim de valoração negativa, na fase das circunstâncias judiciais, devem ultrapassar a gravidade do resultado do delito cominado em abstrato no tipo penal correlato. Colho o seguinte julgado do STJ a respeito:

“[…] A presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis autoriza a fixação da pena-base acima do patamar mínimo. Entretanto, a utilização de circunstâncias inerentes ao tipo penal para exasperar a reprimenda enseja constrangimento ilegal[14]; […]”

(sem destaques no original)

A consequência normalmente esperada de um delito de homicídio consumado, como não poderia deixar de ser, é o resultado morte, cujos reflexos na esfera das relações familiares do ofendido, não olvido, são devastadores, bem como no que tange ao círculo de suas relações sociais (amigos, vizinhos e colegas da comunidade a qual pertencia a vítima).

Não obstante reconheça as mazelas e resultados deletérios de um crime de homicídio, insisto em repisar que não podem, por si sós, ser considerados para efeitos de exasperação da reprimenda, pois já são consequências próprias do crime. Admitir-se a hipótese, seria chancelar uma dupla punição ao apelante, o que esbarra na proibição ao bis in idem.

Assim, ao cabo do redimensionamento da pena que ora procedo, aquilatando duas circunstâncias judiciais outrora reputadas desfavoráveis – culpabilidade e consequências do crime -, sou obrigado a não valorá-las, remanescendo como desfavoráveis ao apelante, os antecedentes, as circunstâncias do delito e o comportamento da vítima, no que reduzo em 03 (três) anos a sua pena privativa de liberdade, resultando em 20 (vinte) anos de reclusão.

Outrossim, como alertei no início deste tópico do decisum, a majoração da resposta penal para o delito de lesões corporais grave foi razoável – um ano e seis meses; portanto, tal reprimenda deve permanecer íntegra, em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, conforme fixado pelo juízo a quo.

Procedo, em seguida, ao cúmulo material das penas, na forma do art. 69, do CPB, resultando a pena reclusiva em 23 (vinte e três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a qual torno definitiva.

Por derradeiro, reputo necessária a manutenção da custódia cautelar do apelante, vez que devidamente justificada pelo juízo de base, sobretudo, na necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, pelo fato do réu ter empreendido fuga.

No diapasão dos argumentos supra, trazemos a lume o seguinte julgado:

[…] 3.Nada recomenda a soltura dos acusados quando se aproxima a finalização do processo, pois presentes ainda os motivos para a prisão cautelar; registre-se que, no caso, os pacientes já demonstraram a intenção de ser furtar à aplicação da lei penal, tendo um deles permanecido foragido por 2 anos e o outro por 3 meses, quando foi preso em flagrante pelo delito de porte ilegal de arma.

4. A periculosidade dos acusados restou evidente, não só pelo modus operandi do delito (à emboscada, com diversos disparos de arma de fogo), mas também pela ameaça à vítima sobrevivente, bem como às testemunhas e até mesmo aos possíveis jurados, considerações que levaram ao acolhimento do pedido de desaforamento pelo TJPE.[15]; […]

(sem destaques no original)”

Com as considerações supra, conheço do presente recurso, para, de acordo com o parecer ministerial, negar-lhe provimento, e, de ofício, reduzir a pena privativa de liberdade do apelante, relativamente ao crime de homicídio qualificado, em 03 (três) anos, resultando 20 (vinte) anos de reclusão, permanecendo, outrossim, a pena do crime de lesões corporais graves em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, ficando o apelante definitivamente condenado, na forma do art. 69, do CPB, à pena total de 23 (vinte e três) anos de reclusão, mantendo-a sentença condenatória do E. Tribunal do Júri da Comarca de Raposa-MA, em todos os seus demais termos.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 15 de março de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] TÁVROA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrgiues. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed. Jus Podiuv, 2009, p. 704

[2] Art. 565.  Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

[3] Art. 478.  Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

[4] TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal para Concursos. Jus Podium, 2010, p. 554

[5] TÁVORA, Nestor. ROSMAR, Rodrigues Alencar. Curso de Direito Processual Penal. 3. Ed. Jus Podivm, 2009, p. 676-677.

[6] AC n. 2008.056195-9, de Campos Novos, rel. Des. Torres Marques, j. 17/12/08. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO

[7] APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0024.04.331568-8/002 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): JUAREZ SILVA DE OLIVEIRA – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. SÉRGIO BRAGA.

[8] TJ/MG: APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0481.06.054083-0/001. RELATOR: DES. WALTER PINTO DA ROCHA. DJ: 28/11/2007.

[9] TJ/DFT: 20070510016107RSE, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 25/03/2010, DJ 05/05/2010 p. 180.

[10] TJ/RS: Apelação Crime Nº 70031925241, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 11/11/2009.

[11] HABEAS CORPUS Nº 131.765 – MS (2009?0050919-8). Rel.: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA. DJ: 03/08/2009.

[12] HC 162.967/RS, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 21/06/2010.

[13] É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

[14] HC Nº 137.072 – MG (2009?0099097-9). Rel.: MINISTRO OG FERNANDES. 6ª T. DJ: 07/06/2010.

[15] HABEAS CORPUS Nº 160.276 – PE (2010?0012070-2). Rel.: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. DJ: 17/05/2010.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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