PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Sessão do dia 15 de março de 2011. Nº Único: 0000006-08. 1996.8.10.0094 Apelação Criminal Nº. 032250/2010 – Loreto
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Acórdão Nº ________________
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO. EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO VIRTUAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
1. A prescrição virtual não pode ser utilizada como fundamento extintivo de punibilidade, por ausência de previsão legal expressa no ordenamento jurídico pátrio. Inteligência da Súmula 438, do STJ.
2. Afigura-se, em tese, viável o reconhecimento da prescrição virtual, apenas para rejeição da denúncia, ou arquivamento do inquérito policial, por evidenciar ausência de interesse processual, na modalidade interesse-utilidade.
3. Apelo conhecido e provido.
Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.
São Luís, 15 de março de 2011.
DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo
PRESIDENTE
DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida
RELATOR
Apelação Criminal Nº. 032250/2010 – Loreto-MA
Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal, interposto pelo órgão de base do Ministério Público Estadual, em face de decisão extintiva de punibilidade, dimanada do juízo da Comarca de Loreto-MA, proferida em favor do apelado R. B. de L. F.
Colhe-se, da peça preambular, que o Ministério Público ofertou denúncia contra R. B. de L. F., pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 121, caput, do Código Penal, ocorrido no dia 16 de junho de 1996.
Segundo narra a inicial acusatória, o apelado efetuou três disparos de arma de fogo em direção da vítima, a qual, embora socorrida e conduzida ao hospital, não resistiu às lesões sofridas, e veio a óbito.
Recebida a denúncia, em 03 de setembro de 1996 (fls. 40v.), determinou-se a citação do réu, via edital (fls. 44).
Durante a instrução criminal foram inquiridas as testemunhas A. F. M. R. (fls. 214), F. L. P. (fls. 215) e E. C. P. (fls. 367); as testemunhas indicadas pela defesa foram arroladas às fls. 355, porém, não inquiridas.
Às fls. 391/395, o magistrado de primeiro grau, utilizando-se da denominada “prescrição antecipada ou virtual”, proferiu sentença declarando extinta a punibilidade do apelado, com fulcro no artigo 107, IV, c/c artigo 109, III, ambos do Código Penal, aduzindo, em suma, que seria inútil e dispendioso ao Estado o prosseguimento do feito visto que já se passaram mais de treze anos desde o recebimento da denúncia e, fatalmente, após possível condenação, seria reconhecida a prescrição retroativa.
É contra essa decisão que se insurge o órgão ministerial, através do recurso de apelação em apreço, interposto às fls. 401, cujas razões trazem os seguintes argumentos (fls. 405):
I – que a tese abraçada pelo juiz processante ressente-se de amparo legal no ordenamento jurídico brasileiro;
II – que cabe ao juiz, no exercício da prestação jurisdicional, aplicar o devido processo legal, podendo eventualmente afastar disposições legais infraconstitucionais mediante controle concreto de constitucionalidade, mas jamais inovar na ordem jurídica existente; e
III – que é direito da sociedade, e não somente do réu, que a persecução penal seja promovida com a observância do devido processo legal, notadamente com relação aos crimes submetidos à competência jurisdicional do Tribunal do Júri.
Em suas contrarrazões (fls. 426/428), o apelado sustenta que já decorreram mais de 13 (treze) anos desde o oferecimento da denúncia e que, caso lhe fosse aplicada pena esta não passaria de 6 (seis) anos, portanto, a sanção corporal a ser eventualmente cominada encontra-se prescrita.
Alega, ainda, o apelado, que a prescrição antecipada ou virtual vem sendo referendada e sufragada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, requerendo, ao final, o improvimento do apelo para que seja mantida a sentença a quo, pelos seus próprios fundamentos.
Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso em tela, a fim de que se proceda a regular tramitação do feito.
É o relatório.
Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente apelo.
Cuida-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público Estadual, irresignado com a sentença que declarou extinta a punibilidade do apelado C. P. G., cujo fundamento concentra-se na alegação de ausência de previsão legal da prescrição virtual ou antecipada.
De fato, como é cediço, nosso ordenamento jurídico não faz menção ao instituto da prescrição antecipada. Trata-se de uma criação jurisprudencial e doutrinária.
Segundo esclarece a doutrina,[1]
[…] a prescrição retroativa antecipada, também chamada de ‘virtual’ ou ‘em perspectiva’, é uma criação de parte da doutrina e da jurisprudência brasileira mais recente.
Consiste no reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo do oferecimento da denúncia ou queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação de sentença, sob o raciocínio de que eventual pena a ser aplicada em caso de hipotética condenação traria a lume um prazo prescricional já decorrido.
Argumenta-se, pois, pela inutilidade da providência jurisdicional, que, a seu término, inevitavelmente ensejaria o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.”
De outra banda, os argumentos contrários à existência da prescrição virtual não são poucos. Somado ao principal deles já indicado – falta de previsão legal -, destacam-se:
I – violação ao princípio constitucional da tripartição das funções estatais, pois estaria o Judiciário legiferando, criando nova hipótese de prescrição, com base em pena hipotética, e consequente extinção de punibilidade, não previstos no ordenamento;
II – malferimento ao devido processo legal e seus consectários, mediante uma prévia condenação hipoteticamente considerada, sem a observância das garantias ínsitas ao iter procedimental; e
III – usurpação da utilidade da persecução penal, pois, ao final desta, poderá o acusado ser absolvido.
Inobstante reconheça que a questão é deveras controversa, o C. Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de sua jurisprudência majoritária, editou a súmula n. 438, cujo teor diz:
É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
Esta Corte, ao que entrevejo dos julgados abaixo, caminha neste rumo de orientação:
“(…) Anula-se, entretanto, declaração de extinção da punibilidade de outro acusado, fundada em prescrição virtual, por falta de amparo na legislação vigente.”[2]
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. PROCESSUAL PENAL. PRESCRIÇÃO VIRTUAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 438 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESVIRTUAMENTO DOS ACLARATÓRIOS. EMBARGOS REJEITADOS.”[3]
Importante registrar que já tive a oportunidade de utilizar deste instituto na lida forense, contudo, reconheço que o fiz imbuído de um senso “utilitarista”, e na ocasião, diferentemente do caso sob testilha, o próprio Ministério Público, titular da ação penal, formulou o pedido.
Nada obstante, após refletir, com maior detença e vagar, sou compelido a reconhecer que o instituto da prescrição antecipada não repousa com tranquilidade no ordenamento jurídico pátrio, e as razões para tanto, as quais já explicitei supra, parecem-me de maior relevo do que o propalado utilitarismo prático.
Isso porque, na minha compreensão, o reconhecimento da prescrição virtual acaba por resvalar em garantias constitucionais inafastáveis do processo penal, ferindo-as frontalmente. O devido processo legal é uma delas, cuja observância, já reconheceu o STF, deve ser observada, inclusive, nas relações de cunho eminentemente privado, no que se convencionou denominar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Despiciendo dizer, pois, que no processo penal, de feição eminentemente pública, a incidência de seus preceitos é de absoluto rigor.
Não se pode olvidar, também, que o iter procedimental pode resultar em uma sentença absolutória, e o atalhamento desta marcha pode retirar do réu o seu direito a um pronunciamento judicial definitivo sobre o fato criminoso a si imputado, ou seja, de saber se é, efetivamente, culpado, ou inocente, por não ter, v. g., praticado a conduta.
A certeza de uma sentença absolutória, estou convicto disto, confere ao imputado uma sensação de justiça muito mais patente, do que o reconhecimento de que o Estado-Juiz, diante de sua inércia, não conseguiu exercer o jus puniendi em tempo hábil.
De outro viés, deixo consignado, apenas a título de ilustração, que alguns doutrinadores da seara processual penal apontam pela viabilidade da prescrição virtual, como fundamento hábil ao reconhecimento da falta de interesse de agir, na modalidade interesse-utilidade, o que permitiria ao julgador decidir pelo arquivamento do inquérito policial, ou não recebimento da inicial acusatória, em razão da notória inutilidade da ação penal, cujo desfecho implicaria, inevitavelmente, no reconhecimento da prescrição retroativa com base na pena aplicada.
Nesse sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar nos ensinam:
Já quanto ao interesse-utilidade, este só existe se houver esperança, mesmo que remota, da realização do jus puniendi estatal, com a aplicação da sanção penal adequada. Se a punição não é mais possível, a ação passa a ser absolutamente inútil. [4].
Na mesma senda, Guilherme de Souza Nucci vaticina:
(…) Segundo cremos, a prescrição virtual merece ser regulada por lei. Enquanto tal situação não se der, conforme o caso, parece-nos deva ser acolhida não para julgar extinta a punibilidade do réu, pois seria decisão ilegal, mas para determinar o arquivamento do inquérito, havendo pedido do Ministério Público, ou mesmo para rejeitar a denúncia ou queixa, por nítida falta de interesse de agir.[5]
Há também julgados nesse norte:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 169, DO CÓDIGO PENAL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA, TODAVIA, DA PRESCRIÇÃO PELA PENA MÁXIMA EM ABSTRATO. RECURSO CRIMINAL DESPROVIDO. 1. O sistema processual penal pátrio exige que a prescrição somente possa ser regulada pela pena concretamente aplicada ou, ainda, pela sanção máxima, in abstrato, cominada ao caso em questão, inexistindo previsão legal para a prescrição antecipada, ou em perspectiva. 2. No caso dos autos, em que pese não prosperar a fundamentação pertinente ao reconhecimento da prescrição virtual, constata-se que a rejeição da denúncia merece ser mantida por outro fundamento, qual seja, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pelo máximo da pena em abstrato. 3. Considerando que o crime pelo qual o ora recorrido foi denunciado teria sido praticado em 25 de novembro de 2003 (fl. 86), e que a pena máxima cominada em abstrato para o delito é de 1 (um) ano, além da circunstância de que, nos termos do art. 109, inciso V, do Código Penal, o prazo prescricional para este montante de pena é de 04 (quatro) anos, verifica-se que em 25 de novembro de 2007 consumou-se a prescrição da pretensão punitiva pelo máximo da pena em abstrato, devendo, portanto, ser reconhecida como extinta a punibilidade do recorrido. 4. Falta, portanto, na hipótese, condição para o exercício da ação penal consistente na ausência de interesse de agir do órgão acusador, devendo, por conseguinte, ser rejeitada a denúncia, com base no art. 395, II, do Código de Processo Penal. 5. Recurso criminal não provido[6]. (grifei)
Este argumento, ao que observo, de fato, encontra amparo legal no art. 28, e art. 395, ambos do CPP, e afigura-se, desde meu olhar, mais subsistente do que aquele utilizado para extinguir a punibilidade, já que, neste caso, a inexistência de previsão legal é manifesta, o que, de mais a mais, encontra óbice na orientação sumulada no verbete n. 438, do STJ.
Nada obstante, sua aplicabilidade é restrita às hipóteses de rejeição da inicial acusatória e arquivamento do inquérito policial, e não se amolda ao caso vertente, cujo processo teve seu trâmite regular até antes da fase das alegações finais.
Com as considerações supra, conheço do presente recurso, para, acolhendo o parecer da Procuradoria de Justiça, nulificar o processo a partir da sentença proferida pelo juízo a quo, determinando, por conseguinte, o retorno dos autos ao juízo de origem a fim de que dê continuidade a regular tramitação do feito, com a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa.
É como voto.
Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 15 de março de 2011.
DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida
RELATOR
[1] LOZANO JR., José Júlio. Prescrição Penal. Saraiva, 2002, p. 181.
[2] TJ-MA: Recurso em Sentido Estrito n.º 006173/2010. 3ª Câmara Criminal. Rel.: Des. Benedito de Jesus Guimarães Belo. DJ: 05/07/2010.
[3] TJ-MA: Embargos de Declaração n. 005171/2010. 2ª Câmara Criminal. Rel.: Des. Raimundo Nonato de Souza. DJ: 12/08/2010.
[4] TÁVORA, Nestor. ALENCAR. Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 4. ed. JusPodivm, 2010, p. 144.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. RT, 2008, p. 193.
[6] TRF 1 – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – 200738100008383. Rel.: DESEMBARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES. DJ: 20/01/2009.