Violência doméstica

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 07 de junho de 2011.

Nº Único 0011134-78.2008.8.10.0005

Apelação Criminal Nº 003234/2011 – São Luís

Apelante : A. H.de S.S.
Advogado : A. G. de S. F.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 129, § 9º, do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº 102666/2011


Ementa. PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. INOCORRÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EVIDENCIADA. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONSTATAÇÃO. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO. ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO E COERENTE ACERCA DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DO CRIME DE LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO FAMILIAR. IMPROVIMENTO DO APELO.

1. Inobstante a inexistência de coabitação entre autor e vítima, resta configurada a violência doméstica, com a configuracão de qualquer das hipóteses previstas no art. 5º, da Lei 11.340/2006.

2. Consoante o enunciado 523, da Súmula do STF, “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”, de modo que, não se evidenciando, no caso concreto, efetivo prejuízo, não há que se falar em nulidade.

3. É inviável o pleito absolutório, se as provas consolidadas nos autos evidenciam, o quanto baste, a ocorrência do ilícito e de sua autoria.

4. Caracterizada a violência doméstica na conduta do réu, não há como desclassificar o crime imputado para lesão corporal simples, permanecendo a figura típica na forma disposta pelo § 9º, do art. 129, do Código Penal.

5. Apelação desprovida.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Raimundo Nonato Magalhães Melo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Benedito de Jesus Guimarães Belo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Rita de Cássia Maia Baptista.

São Luís(MA), 07 de junho de 2011.


DESEMBARGADOR Raimundo Nonato Magalhães Melo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº 003234/2011 – São Luís

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação, interposto por A. H. de S. S., por meio do seu advogado, contra a sentença de fls. 124/133, que o condenou à pena definitiva de 03 (três) meses de detenção, pela prática do crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, a ser cumprida em regime aberto, além do pagamento das custas processuais no valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais), e a inserção obrigatória no programa de reeducação e ressocialização, desenvolvido pela Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

Segundo relata a denúncia de fls. 03/05, em 02/06/2007, A. H. S. S. agrediu fisicamente R. R. S. E., sua sobrinha, mediante golpes contra sua cabeça na parede, no braço e puxões de cabelo, só vindo a parar sua ação quando interceptado pelo irmão da vítima.

Colhe-se da inaugural, ainda, que tudo aconteceu na residência do avô da vítima e tio do denunciado, em razão da ofendida ter se recusado a fornecer o cartão bancário da conta onde são creditados os proventos do referido ascendente, em seu poder.

Termo de representação, às fls. 13.

Representação por medidas protetivas de urgência, às fls. 14/15, concedidas pelo MM. Juiz às fls. 39/41.

Laudo de lesão corporal, às fls. 49

Recebimento da prefacial, às fls. 66.

Durante a instrução criminal foi ouvida, além da vítima Rúbia Régia Silva Ebindinger (fls. 107/108), a testemunha Roiger Henrique Silva Ebendinger (fls. 109/110), ambas arroladas na denúncia.

Encerrada a instrução, as partes não requereram diligências (fls. 111).

Na sequência, o Parquet Estadual apresentou alegações finais, nas quais pugnou pela condenação do apelante (fls. 113/116).

A defesa, na mesma fase processual, suscitou, preliminarmente, exceção de incompetência (sic), e, no mérito, postulou pela improcedência da denúncia, para absolver o imputado (119/123).

A ação foi julgada procedente, conforme anotado supra, para condenar A. H. de S. S., como incurso nas penas do art. 129, § 9º, do Codex Penal, fixando-se a reprimenda definitiva de 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, além do pagamento das custas processuais, e a inserção obrigatória no programa de reeducação e ressocialização desenvolvido pela Vara Especial de Violência Doméstica e Familar Contra a Mulher.

Contra esta decisão insurge-se o apelante, alegando, em suas razões recursais (fls. 138/170), preliminarmente, que há nulidade processual, em razão da incompetência do juízo para processar e julgar o feito, bem assim, ante a inexistência de defesa técnica, causando-lhe prejuízo. No mérito, alega que as provas são insuficientes para o desfecho condenatório, e que o tipo penal malferido condiz com lesão corporal simples, requerendo, a absolvição, ou a desclassificação do crime.

Às contrarrazões de fls. 177/180, o Ministério Público Estadual, através do seu representante legal, requer seja negado provimento ao apelo, mantendo-se a sentença condenatória tal qual proferida na origem.

Em seu parecer, acostado às fls. 195/200, a d. Procuradoria de Justiça manifesta-se, pelo desprovimento do recurso, com a manutenção da r. sentença.

É o relatório.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Infere-se dos autos que A. H.de S. S. foi denunciado pelo Ministério Público Estadual, em razão de, em 02/06/2007, ter agredido, fisicamente, sua sobrinha, R. R. S. E., mediante golpes contra sua cabeça na parede, no braço e puxões de cabelo.

Analisado o conjunto probatório, o MM. Juiz de Direito da Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher julgou procedente a denúncia, condenando o acusado, finalmente, à pena de 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, além do pagamento das custas processuais, e a sua inserção obrigatória no programa de reeducação e ressocialização desenvolvido por aquele juízo.

Contrariado, A. H. de S. S., por meio do seu procurador, apelou da decisão, nos seguintes termos:

I – preliminarmente, que o juízo que proferiu a sentença é absolutamente incompetente para julgar o apelante, vez que o crime que lhe é imputado não integra o rol previsto pela Lei 11.340/2006, devendo a sentença ser anulada, e os autos encaminhados ao 2º Juizado Especial Criminal, juízo competente para julgar o feito;

II – preliminarmente, ainda, que há nulidade do processo por cerceamento de defesa, vez que, mesmo tendo informado, ao ser citado, que possuía advogado, fora-lhe nomeado defensor dativo para apresentar defesa preliminar, esta notadamente deficiente, assim como os demais atos processuais por ele realizados; e

III – no mérito, que inexistem provas concretas que possam sustentar o édito condenatório, pois fora baseado em indícios frágeis e inconsistentes, decorrentes das afirmações da vítima em juízo.

Requer, com fulcro em tais argumentos, sejam acolhidas as preliminares suscitadas, anulando-se o processo desde o seu início, ou, se ultrapassadas, seja, no mérito, declarada a absolvição do apelante em razão da insuficiência de provas, ou, ainda, a desclassificação do crime para lesão corporal leve – art. 129, do Código Penal – com a imposição, apenas, de pena pecuniária, nos termos da Lei 9.099/95 (sic).

Presentes estão os pressupostos de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço.

Analisando detidamente o conjunto probatório coligido aos autos, compreendo que razão não assiste ao apelante.

1. Incompetência do juízo

A primeira alegação constante das razões recursais diz respeito à competência do juízo para processar e julgar o crime imputado ao apelante, sob a alegação de que não se enquadra na forma especial descrita pelo § 9º, do art. 129, do Código Penal, referente à hipótese de violência doméstica, acarretando a nulidade absoluta do feito.

Desde meu olhar, compreendo que este argumento não merece prosperar, pelas razões a seguir delineadas.

O art. 129, § 9º, do Código Penal, de acordo com a nova redação dada pela Lei 11.340/2006, dispõe que:

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

(destaques não constam do original)

Com efeito, a Lei 11.340/2006, retrocitada, conhecida como “Lei Maria da Penha”, definiu o conceito de violência doméstica de modo bem amplo, como se pode inferir do seu art. 5º, in verbis:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

(sem destaques no original)

Da leitura do texto legal acima, forçoso concluir pela abrangência da aplicação da norma em tela, ao proteger a integridade física e psíquica da mulher nas relações domésticas e familiares, independentemente, nesse contexto, da existência de coabitação, ou, até mesmo, de orientação sexual.

Nesse passo, me alinho ao entendimento do órgão ministerial, no sentido de não restringir o alcance da Lei em comento à relação existente entre o autor do fato e a vítima, de cujo parecer apanho o excerto constante às fls. 197, litteris:

[…]

Ocorre que a exegese da Lei especial suscitada pelo Recorrente se afigura rasa e superficial, voltada tão-somente a fundamentar o seu interesse de procrastinar o andamento do feito.

Ora, é sabido que a Lei 11.340/06, que entrou em vigor em 22/09/2006, criou “mecanismos de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher”.

Esta lei aplica-se sempre quando se tratar de violência cometida no âmbito das relações domésticas e familiares, como ocorreu no presente caso.

[…]

Nesse sentido, merece relevo a doutrina de Celso Delmanto[1], da qual anoto o seguinte trecho:

[…] O §9º do art. 129 criou uma especial forma de lesão corporal qualificada, não pelo seu resultado como ocorre nos §§ 1º e 3º, mas sim pelo contexto em que foi praticada:

a. contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro;

b. ou contra aquele com quem conviva ou tenha convivido;

c. ou, ainda, prevalecendo-se (valendo-se, aproveitando-se) o sujeito ativo das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade em relação à vítima.

Foram diversas as razões que levaram à inserção no CP deste §9º, pela Lei nº 10.886, de 17.6.2004, dentre elas a necessidade de se reprimir, com maior rigor, os casos de violência doméstica, bem como para dar cumprimento à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a chamada Convenção Belém do Pará, promulgada pelo Brasil em agosto de 1996 (Decreto nº 1.973, de 1º.8.96).

[…]

(destaques no original)

Ainda nesse vértice, trago à colação o escólio de Cezar Roberto Bitencourt, do qual transcrevo o seguinte fragmento:

[…] A Lei n. 10.886/2004 acrescentou o §9º ao art. 129, trazendo uma nova figura penal típica, a violência doméstica, que se caracteriza quando o agente da lesão corporal mantém alguma relação de parentesco ou de convivência com a vítima, nos termos descritos pela norma penal incriminadora, e se prevalece das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. […]

In casu, uma breve leitura dos depoimentos colacionados aos autos, seja da vítima (fls. 11/12 e 107/108), do irmão da vítima (fls. 21/22 e 109/110), ou do próprio autor do fato (fls. 27/28), leva à conclusão da existência de um relacionamento entre os envolvidos, decorrente da relação de parentesco – tio e sobrinha.

O local da ocorrência – residência da vítima e do ascendente comum -, bem como o motivo da contenda – posse do cartão bancário pertencente ao referido ascendente -, também não deixam margem a outra interpretação, qual seja pela incidência do dispositivo contido no § 9º, do art. 129, do Código Penal, como se pode ver na denúncia, da qual colho o seguinte trecho:

[…]

A vítima que desde há algum tempo administra as finanças de seu avô respondeu que o cartão estava em sua residência e que se por acaso estivesse com alguma quantia em dinheiro nada lhe daria, vez que pertencia a seu avô, acima identificado. Diante dessa resposta, o denunciado foi tomado por forte ira e passou a agredir fisicamente a vítima mediante golpes contra a sua cabeça na parede, golpes no braço e puxões de cabelo que lhe causaram as lesões descritas no exame de corpo de delito de fls. 44. Referida altercação somente teve fim quando chegou ao local o irmão da vítima que fora acionado pela mãe comum de ambos.

[…]

Noutros termos, a par das provas coligidas nos autos, verifica-se que há nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de parentesco e proximidade estabelecida entre o autor do fato e a vítima, ainda que não houvesse, entre eles, coabitação.

Nesse norte, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha), dentre as quais não se encontra a necessidade de coabitação entre autor e vítima.[2]

Destarte, afigura-se à espécie, sim, o tipo penal descrito na denúncia, não havendo que se falar em incompetência do juízo especial que prolatou a sentença fustigada, a fim de ensejar qualquer nulidade por esse fundamento.

2. Cerceamento de defesa

O apelante assevera que há nulidade do processo por cerceamento de defesa, vez que, mesmo tendo informado, ao ser citado, que possuía advogado, fora-lhe nomeado defensor dativo para apresentar defesa preliminar, esta notadamente deficiente, assim como os demais atos processuais realizados pelo defensor nomeado.

Aduz, ainda, que o MM. Juiz deveria, antes da nomeação de defensor, solicitar à Defensoria Pública do Estado a designação de um dos seus membros para promover a sua defesa, pois não teria “poderes para nomear advogado dativo em detrimento de defensores atuantes nesta comarca” (sic).

Inicialmente, importa consignar, que o sistema de nulidades no direito processual penal, rege-se pelo princípio do prejuízo – ou pas nullité sans grief -, segundo o qual, o reconhecimento do vício alegado depende da demonstração de que houve efetivo dano pela sua ocorrência. Nesse sentido, o pretório STF decidiu:

Esta Suprema Corte possui precedentes no sentido de que “a demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta” (HC 85.155, de minha relatoria, DJ 15.04.2005).[3]

No mesmo vértice:

A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que a declaração de nulidade depende da ocorrência e demonstração de prejuízo efetivo para a defesa ou acusação, ou ainda, de comprovação de interferência indevida na apuração da verdade substancial e na decisão da causa, pois não se declara nulidade processual por mera presunção. Precedentes.[4]

Do que dos autos consta, ao ser citado, em 20/02/2009, é verdade, o apelante declarou que possuía defensor, para responder à acusação por escrito, sem, entretanto, declinar seu endereço ou outra forma de comunicação (fls. 71).

Mais adiante, às fls. 72, o condutor do feito, certamente ao verificar não ter sido apresentada qualquer defesa, designou, em 16/03/2009, ou seja, quase 01 (mês) após a citação, defensora dativa para fazê-lo, a qual, intimada (fls. 74), assim procedeu, ao juntar a defesa preliminar de fls. 77/78.

A mesma defensora, convém ressaltar, se fez presente na audiência de instrução que seria realizada em 15/07/2009, na qual o acusado, ora recorrente, compareceu desacompanhado de qualquer outro procurador, restando ambos, portanto, intimados em banca para a próxima audiência designada (fls. 83).

Em outra oportunidade que compareceu em juízo, o apelante, do que se observa às fls. 100, não apresentou ou requereu a constituição de qualquer advogado, tanto que o ato processual deixou de realizar-se pela ausência de defensor.

Por fim, inobstante tenha sido intimado em banca (fls. 100), o recorrente deixou de comparecer à audiência de instrução realizada em 29/07/2010, na qual, ante outra ausência da defensora dativa antes nomeada, ciente (fls. 104), foi designado outro defensor dativo (fls. 105), para promover sua defesa técnica, o qual ofertou as alegações finais (fls. 119/123).

Destarte, do que pude constatar, nenhum prejuízo efetivo houve para defesa do acusado, tendo em vista que este nem mesmo atendeu ao chamamento judicial, razão pela qual não foi, sequer, interrogado.

Com relação à designação de defensor público, que, do ponto de vista da defesa, deveria ter sido solicitado pelo magistrado de base, antes da nomeação de defensor dativo, para mim, não prospera.

Ora, se não havia defensor dativo com atuação junto ao juízo processante, compete, sim, ao condutor, nomear defensor dativo ao réu, sob pena de nulidade.

Curioso observar, nesse contexto, que em nenhum momento em que compareceu em juízo, o acusado esteve acompanhado de qualquer procurador, ou este, se havia, se manifestou nos autos, não podendo, nesta oportunidade, em face do princípio de que a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza, consagrado no art. 565, do Código de Processo Penal, arguir nulidade a que tenha dado causa[5].

Reafirmo, ante a ausência de defensor público para atuar em favor do réu, mister que o julgador proceda da maneira como fez, em homenagem aos princípios da celeridade processual. Noutros termos,

Nos termos do art. 265, parágrafo único, do Código de Processo Penal, a falta de comparecimento do defensor, ainda que motivada, não implicaria adiamento da prática do ato, devendo ser nomeado advogado ad hoc, como feito no caso concreto pelo Juiz de primeiro grau.[6]

Digo mais. Ainda que nulidade houvesse, cuidar-se-ia de nulidade relativa, que, além de exigir a prova do prejuízo, deve ser arguida durante as alegações finais, ex vi do art. 571, II, do Código de Processo Penal[7]. Significa dizer,

As nulidades relativas não-arguidas no momento oportuno restam preclusas (art. 571, II, do CPP).[8]

Portanto, sem olvidar da preclusão consumativa, não há nulidade a ser declarada, por cerceamento de defesa.

3. Autoria e Materialidade

Adentrando no mérito da quaestio, entendo ser inviável o pleito absolutório, vez que, a par das provas coligidas aos autos, vejo assomar a autoria e a materialidade delitiva, como passarei a expor.

A materialidade restou plenamente comprovada pelo laudo de lesão corporal de fls. 49, tal qual a autoria, à luz dos depoimentos coligidos em juízo.

Nesse sentido, importante destacar o seguinte excerto, da declaração da ofendida R. R. S. E.(fls. 107/108), in litteris:

[…]

– que mora com seus avós desde que nasceu e no dia 02/06/2007, é que ocorreu de ser agredida pelo seu tio A. tudo motivado pelo dinheiro da aposentadoria do seu avô, que o seu tio A.queria apropriar-se;

– explicando o acontecido disse que o seu tio A.aproximou-se da vítima e perguntou pelo cartão do avô da vítima, foi então que ela disse que não tinha obrigação de dar dinheiro e nem cartão para o seu tio A.;

– daí, este pegou pelo cabelo da vítima e ficou soqueando-a de encontro à parede por diversas vezes, e um outro tio, de nome REMI RIBEIRO DE SOUSA, incentivava o acusado A. a praticar as agressões físicas;

– que sofreu as seguintes lesões: galo na cabeça, hematomas no braço e outros inchaços pela cabeça;

[…]

Relevante, ainda, o depoimento do irmão da vítima, Roiger Henrique Silva Ebendinger (fls. 109), a confirmar a declaração acima, da qual destaco o trecho abaixo:

[…]

– que não viu o tio A. bater na vítima, R. R., mas ouviu gritos da vítima e viu quando seu tio saiu correndo atrás dela;

– que assistiu à vítima na ocasião em que ela vinha correndo e então segurou-a, momento em que o acusado vinha atrás dela para continuar as agressões que tinha iniciado contra a vítima;

[…]

O apelante, como já afirmado supra, no enfrentamento da primeira preliminar suscitada, deixou de ser interrogado, vez que, intimado, deixou de comparecer à audiência de instrução, conquanto, durante a fase administrativa, tenha afirmado que esteve com a vítima para pedir-lhe o cartão bancário do avô desta, em seu poder, e que, por essa razão, discutiu com a mesma (fls. 27/28).

Nesse contexto, tenho, para mim, que não há qualquer dúvida seja o recorrente o autor do delito, levando ao inexorável desfecho condenatório. Todas as provas levam a essa conclusão, e não somente a declaração da vítima, como argumentado nas razões recursais, a qual, enfatizo, assume especial relevo, em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar[9].

Assevero, portanto, que não resta qualquer dúvida acerca do cometimento do crime pelo apelante, tornando inviável a sua absolvição. Noutras palavras,

Em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima assume especial relevância, pois normalmente são cometidos longe de testemunhas oculares, aproveitando-se o agente do vínculo que mantém com a ofendida.

2. Não há falar em insuficiência de provas quando as declarações prestadas pela vítima em juízo estão em perfeita consonância com o que já havia declarado na delegacia, quando representou contra o réu e pediu medidas protetivas.[10]

4. Desclassificação

Com relação ao pedido de alteração da figura típica imputada ao recorrente, de lesão corporal qualificada, ex vi do art. 129, § 9º, do Código Penal, para lesão corporal simples, entendo não ser viável, pelos mesmos fundamentos já delineados acima, durante a apreciação da primeira preliminar de nulidade do feito.

Em consequência, não operada a desclassificação, impossível a substituição da pena corporal pela pena de multa, haja vista a vedação disposta no art. 17 da Lei 11.340/2006[11].


Com as considerações acima, na esteira do parecer da d. Procuradoria de Justiça, nego provimento ao recurso, mantendo-se incólume a sentença vergastada.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 07 de junho de 2011.


DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 482.

[2] HC 115.857/MG, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 02/02/2009.

[3] STF – HC 97062, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-04 PP-00726 RT v. 98, n. 886, 2009, p. 521-525.

[4] STF – HC 99485, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 EMENT VOL-02438-01 PP-00028.

[5] TÁVORA e ALENCAR. Curso de Direito Processual Penal. 4 ed. Bahia: Editora JusPodivm, 2010. p. 958.

[6] STJ – HC 89.930/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 31/05/2010.

[7] Art. 571.  As nulidades deverão ser argüidas:

II – as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e Vll do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500;

[8] STJ – HC 112.469/AM, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 08/03/2010.

[9] TJDFT – 20091010095076APR, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, julgado em 14/04/2011, DJ 27/04/2011 p. 188.

[10] TJDFT – 20100110178498APR, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, julgado em 07/04/2011, DJ 27/04/2011 p. 189.

[11] Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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