E a minha história, como fica?

Ainda repercute na cidade a prisão dos assessores do TJ/MA.

Não se fala em outra coisa na rua, nos bares, nos encontros casuais.

Muitos aproveitam o ensejo para destilar as suas frustrações, as suas inquietações, as suas mágoas, a sua revolta.  Nesse sentido, atiram pedras para todos os lados, sem se preocupar com o alvo. O que vale mesmo é espezinhar, desacatar, desonrar, vomitar frustrações e complexos contra o alvo predileto que, ao que parece, somos nós magistrados.

Aos olhos de alguns  oportunistas somos todos indignos, desonrados, crápulas, escroques, corruptos, contumazes infratores.

Mas essas agressões pecam pela generalização.

Nós, definitivamente, não somos todos iguais.

A minha, a tua, a nossa  história não  pode ser jogada numa lata de lixo.

As noites insones, os finais de semana dedicados ao trabalho, a família colocada, muitas vezes, como segunda opção,  as incontáveis horas dedicadas  aos estudos para bem decidir, os perigos que corremos em face do nosso mister, o estresse que decorre do nosso trabalho, as renúncias que somos obrigados a fazer, tudo isso, aos olhos de uns poucos oportunistas e irresponsáveis de nada vale.

Tudo o que acontece com o Poder Judiciário e super dimensionado. Todas somos testemunhas, com efeito, dos incontáveis desvios de condutas nos outros Poderes, dos quais resultam incalculável prejuízo para o conjunto da sociedade.Todavia, mesmo assim, esses episódios não repercutem tanto quanto repercute a má conduta de um membro do Poder Judiciário.

E, enfatizo,  não precisa ser magistrado, não. Basta que o autor da conduta esteja, de alguma forma, próximo de nós.

Pronto! O mundo vem abaixo.

A partir da conduta desviante de um assessor, por exemplo, somos atacados de forma inclemente. Basta ler os comentários que fazem nos blogs locais  para se constatar o que digo.

Para os leitores, lamentavelmente, não há exceção. Todos somos iguais. Somos um bando de calhordas, sem escrúpulos e sem dignidade.

E, agora,  pergunto, em face da generalização: como fica a minha história? Como fica a história dos meus colegas que nunca praticaram um ato indigno, que nunca se locupletaram, que vivem exclusivamente dos seus vencimentos, que têm um nome a zelar, uma família para cuidar e  amigos a serem preservados?

Gostaria de saber, sinceramente, por que despertamos tanto ódio.

O que fazem de tão grave  os magistrados do nosso Estado para merecer tamanho desprezo!

Não é justo que as pessoas não façam distinção.

Não é justo atirar pedras contra todos os membros de uma instituição, em face da má conduta de uns poucos.

Essas injustiças, tenho certeza, não arrefecerão o ânimo dos nossos valorosos magistrados.

Nem querubins e nem marginais

Hoje, pela manhã, recebi uma ligação telefônica  de um dileto e respeitado colega.

Todos sabem que não gosto muito de me comunicar via telefone. Prefiro olho no olho. Por isso, fiquei surpreso com a ligação.

Desconfiado, sem muito ânimo, atendi ao colega, mesmo porque ainda é um dos poucos que ousam me ligar.

O autor da ligação, sabendo da minha pouco – ou nenhuma – afeição ao celular, foi direto ao assunto. Disse, com efeito, estar indignado com o que os leitores dos blogs da cidade diziam a nossa respeito, em face da prisão de dois assessores do TJ/MA.  Foi além. Pediu a mim que, na condição de blogueiro, escrevesse alguma coisa, em defesa do Poder Judiciário.

Depois do telefone, fiquei a pensar: dizer o quê, se nós próprios damos munições aos “inimigos”?

É claro que, nos comentários, há excessos, sobretudo porque nos jogam todos na mesma vala, como se todos fôssemos indignos da função, e que, em face do seu exercício, objetivássemos apenas levar vantagem.

A verdade é que alguns membros do Poder Judiciário, sem nenhum escrúpulo, sem nenhum idealismo, usam o Poder para dele tirar proveito. Esses, os bandidos de toga, minam a credibilidade de todos nós. É por isso que, quando se veicula alguma notícia envolvendo o Poder Judiciário, a pessoas usam o ensejo para nos destratar a todos, indistinta e injustamente.

O caso envolvendo os assessores presos, é apenas o que se mostrou visível. É claro, pois, que há muito mais a ser desvendado nos subterrâneos do Poder Judiciário. É que cá, como em qualquer instituição, há bons e maus, honestos e desonestos, trabalhadores e ociosos, dedicados e desleixados.

Mas é preciso que se diga que  se não somos uma confraria de querubins, também não somos uma corporação composta somente de marginais togados. Marginais há. Desonestos, idem. Todavia, se trata de uma minoria;minoria que, infelizmente,  mina a nossa reputação.

É preciso admitir, pois,  que, em face da ação nefasta de uns poucos, todos levamos a fama, injustamente.

Reflexões sobre o exercício da função pública

Nada me agasta mais, ou  melhor, poucas coisas me causam mais aborrecimento – até revolta, às vezes – que a falta de consciência de quem exerce uma função pública.

O exercício da função pública não é para deleite pessoal, para desfilar vaidades, para regozijos ou patuscadas.  É para servir mesmo!

É assim que compreendo as coisas e é por isso que, às vezes, sou compelido a desabafar; desabafo que, não raro, é confundido com arrogância pelos que não têm a exata dimensão do que é a coisa pública.

Desde sempre  tenho sido assim. Só ainda se surpreende com as minhas posições quem teima em não dar importância – ou não conhece –  as minhas convicções pessoais.

Quem me conhece sabe que nunca fui de evasivas, rodeios ou subterfúgios. Nunca fui de procurar atalho, o caminho mais fácil. Não sei, definitivamente, ser sinuoso. O meu caminho é reto, frontal, proeminente.

Sou de encarar as coisas de frente. Não sou do tipo que joga pedra e esconde a mão. Isso não fica bem para um magistrado.

No exercício das minhas funções, pouco importa os que me compreendam mal, os que me julgam em face da falta que a simpatia me faz. Não sou mesmo palatável aos que não têm a exata dimensão do múnus público. A minha obstinação em torno dessas questões me fazem mesmo indigerível.

No exercício da difícil missão de julgar, nós, magistrados,  não precisamos ser simpáticos. Simpatia e gentileza não combinam com a difícil, quase impossível arte de  julgar;  o magistrado, desde meu olhar, só precisa mesmo é ser justo, firme e decidido.

Tenho entendido –  e, por isso, não raro,  fico indignado – que nada pode ser mais deletério para o conjunto da sociedade que a  impunidade ou sensação dela, máxime se decorrentes da lassidão, da pachorra, da falta de espírito público de determinados agentes do Estado.

Folha de São Paulo

ELIANE CANTANHÊDE

Três Poderes

BRASÍLIA – A República é formada por três Poderes independentes, Executivo, Judiciário e Legislativo. E eles estão pegando fogo.

O Legislativo, o mais tradicional saco de pancadas, está criando uma CPI para investigar tudo e todos, inclusive membros dos próprios três Poderes que andaram perigosamente próximos de cachoeiras, macacos, cachorros e outros bichos.

O Judiciário está de dar dó. Nunca antes na história deste país -sem exagero- os ministros do Supremo se xingam tanto publicamente. Cezar Peluso saiu da presidência do tribunal acusando a presidente da República de desrespeitar a Constituição e o colega Joaquim Barbosa de ser populista, inseguro e temperamental.

Não bastasse, Barbosa, que é relator do mensalão e vai assumir a presidência da mais alta corte do país em sete meses, reagiu em entrevista a Carolina Brígido, do “Globo”, despejando os seguintes adjetivos sobre Peluso: “ridículo”, “brega”, “caipira”, “corporativo”, “desleal”, “tirano”, “pequeno”, “imperial”.

Dá para acreditar numa coisa assim? São esses, nesse clima, que vão julgar o mensalão, um dos casos mais complexos em décadas.

Enquanto isso, o Executivo, que defenestrou sete ministros, faz que não é com ele. A presidente Dilma disse -muito bem, aliás- que vai manter “uma posição absolutamente de respeito” ao Congresso e, portanto, aos trabalhos da CPI.

E quem conhece um pouco do palácio do Planalto diz que o andar do gabinete presidencial parece estar num outro mundo: ninguém fala em CPI, só em economia.

Aparentemente, é ótimo. Enquanto parlamentares e magistrados se engalfinham, a presidente pensa no crescimento, na desoneração das empresas, na garantia de empregos e de salários. Na normalidade, enfim.

Tomara, sinceramente, que dê certo, mas governos não lucram com CPIs e podem perder muito. Depende das torrentes do Cachoeira.

elianec@uol.com.br

Da Folha de São Paulo

Entidades e ex-ministros do Supremo criticam briga

AMB aponta estresse por excesso de trabalho como razão para conflitos

Sobre Barbosa ter dito que Peluso manipulou julgamentos, dirigentes e ex-ministros defendem ex-presidente da Corte

RODRIGO VIZEU
DE SÃO PAULO

Dirigentes de entidades jurídicas e ministros aposentados do STF (Supremo Tribunal Federal) criticaram as trocas de ataques entre Cezar Peluso e Joaquim Barbosa.

O presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Nelson Calandra, disse que os ataques mútuos pela imprensa foram “totalmente inadequados”. Ele atribuiu o caso ao estresse dos ministros.

“O Supremo tem trabalhado no limite de seus integrantes, discutindo temas extremamente polêmicos, com divisões políticas e religiosas. O estresse bate em todas as portas”, afirmou.

Calandra disse não ter fundamento a afirmação de Barbosa de que Peluso manipulou julgamentos.

Para o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, essa “é uma acusação muito séria” e disse considerar Peluso “honrado e de bem”.

“Não tenho elementos para avaliar, mas nunca ouvi falar disso e custa a crer que tenha acontecido”, disse.

Cavalcante chamou de chocante e “lamentável em todos os aspectos” a briga entre os ministros.

“A OAB conclama que sejam baixadas as armas. Ninguém precisa ser amigo de ninguém, mas divergências não devem ser tratadas na imprensa”, afirmou.

O ex-ministro do STF Carlos Velloso afirmou que Peluso nunca manipulou julgamentos nem violou o regimento. “O Joaquim se excedeu muito”, afirmou.

Velloso disse que é preciso encontrar na corte “um bombeiro conciliador” para esfriar os ânimos dos magistrados. “Alguém tem que pacificá-los. Ambos são juízes testados, homens honestos, não há razão para arroubos.”

O ministro aposentado Ilmar Galvão disse que “está havendo uma desavença muito desagradável e desgastante” na corte.

Outro ex-membro do STF, Nelson Jobim disse que preferiria não opinar, afirmando apenas que espera que o caso seja resolvido.

Da folha de São Paulo

HÉLIO SCHWARTSMAN

Guerra no Supremo

SÃO PAULO – É verdade que os ministros poderiam ser um pouco mais cordatos, mas a chamada guerra no Supremo não apenas está longe de ser um problema como ainda é sinal de que o tribunal máximo anda saudável. Em termos institucionais, é bom que os magistrados discordem, compitam e até se odeiem.

O propósito de uma corte colegiada é oferecer aos casos que a ela chegam uma apreciação mais cuidadosa e multifacetada, escapando ao unilateralismo do juiz singular. Cada ser humano, afinal, é prisioneiro de seus próprios preconceitos.

Só que colocar um grupo para decidir não é um processo sem riscos. Sabe-se desde os anos 50, com os experimentos de Solomon Asch sobre a conformidade, que basta pôr um ator para “puxar” respostas absurdas a uma questão óbvia que 75% das pessoas o acompanharão. Pior, reunir gente que pensa igual para conversar frequentemente resulta numa radicalização das ideias.

Nem tudo, porém, está perdido. Como mostram Ori e Rom Brafman, a existência de pessoas “do contra” (“dissenters”, em inglês) é importante para evitar que caiamos nas armadilhas do pensamento de grupo. A figura do “dissenter”, embora possa produzir fricções de alto custo emocional, também costuma levar a maioria a reformular seus argumentos, de modo a responder a objeções percebidas como relevantes.

Essa dinâmica é especialmente valiosa em tribunais colegiados. O “do contra” aqui, mesmo que não leve a uma mudança na decisão e ainda que provoque brigas homéricas, é um elemento fundamental para melhorar a qualidade do trabalho.

Assim, em vez de tentar suprimir o dissenso, o ideal seria que o STF o colocasse para trabalhar a seu favor. Ampliar as rotinas pelas quais os ministros possam conhecer melhor as opiniões divergentes de seus pares antes de elaborar seus votos seria uma medida inteligente. É o que fazem muitas das cortes coletivas.

helio@uol.com.br

Mediação e conciliação

Primeiro, uma notícia estimulante: mais de sessenta profissionais já se inscreverem para atuar como voluntários nos Centros de Conciliação. É bem de ver-se, portanto, que, se por falta de voluntários,  não deixaremos de cumprir a resolução 125/2010, do CNJ.

Agora, uma reflexão mais consentânea com o espírito do blog, todavia,  imbricada com a notícia suso veiculada.

Pois bem. Desde que assumi a direção do  Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Estado do Maranhão,  por nomeação do presidente do Tribunal de Justiça, venho pesquisando e analisando os sistemas de direito contemporâneo, para tentar compreender o real alcance da missão que me foi confiada.

Dos sistemas que analisei ( da common law e civil law, fundamentalmente), deparei-me com uma informação, que até então eu não conhecia, qual seja, de que, nos países orientais, como China e Japão,  há uma certa desconfiança no direito ( aqui entendido como imposição de solução por um juiz de direito, pertencente ao quadro da magistratura oficial do Estado, em face de uma controvérsia apresentada ao Poder Judiciário)   para assegurar a ordem social e a justiça, razão pela  a função do direito  é subsidiária. É dizer: nesses países, o direito só é buscado se outros meios de solução dos conflitos mostrarem-se inviáveis.  A preservação da ordem social, repousa,  portanto, essencial e fundamentalmente,  nos métodos de persuasão, a partir das técnicas de mediação e conciliação.

Compreendo que, no caso brasileiro, se tivermos força e disposição para fazer funcionar os Centros de Conciliação, como preconizado na Resolução 125/2010, do CNJ, daremos um enorme passo no sentido da solução dos conflitos via mediação ( entendida como um mecanismo confidencial e voluntário de conflitos em que a responsabilidade das decisões é dos envolvidos)  e conciliação ( técnica que objetiva possibilitar  o diálogo e recuperar a negociação), ficando apenas o resídio para ser solucionado  pela via processual.

Espaço livre

É possível fazer direito sem interpretar?

Por Lenio Luiz Streck

Hoje, quero chamar a atenção para alguns pontos importantes da teoria do direito, que anda tão desprestigiada. Faço-o com todo o cuidado acadêmico, nos limites deste espaço. E, fundamentalmente, com todo o respeito à comunidade jurídica, que, tenho a certeza, quer a mesma coisa: um sistema judiciário mais democrático, com decisões que contenham um adequado grau de previsibilidade, em que a equanimidade seja o ponto de estofo. E que um Judiciário desse naipe seja o sustentáculo da democracia de terrae brasilis. Gostaria que o texto fosse lido sob essa perspectiva. Nada mais do que isto.

A literatura pode nos ajudar a entender os grandes dilemas contenporâneos sobre a interpretação da lei e do direito. Veja-se que, em pleno século XXI, ainda não conseguimos superar o embate “objetivismo”-“subjetivismo”, razão e vontade, como decidir, etc.

Shakespeare, no início do século XVII, antecipou a discussão hermenêutica que será o centro das preocupações dos juristas do século XIX até os nossos dias. Entre as várias peças, há uma em especial, escrita por volta de 1604, chamada Medida por Medida (da qual já fizemos um programa Direito e Literatura, disponível em www.unisinos.br/direitoeliteratura). A estória se passa em Viena. O Duque Vivêncio, em face de um quadro de desordem e corrupção de costumes, transfere a seu amigo Ângelo o governo, simulando tirar um período de férias, em que visitaria a Polônia.

Sob novo comando, a guarda prende o jovem Cláudio, sob a acusação de ter fornicado com Julieta, sua namorada. Incontinenti, é condenado à morte por Ângelo. Cláudio, então, pede a sua irmã Isabela, para que interceda por ele junto a Ângelo. Isabela busca persuadir Ângelo. Este diz que Cláudio é um transgressor da lei e que ela estaria perdendo o seu tempo. Diz, também, que no contexto dado, a lei não permite vicissitudes idiossincráticas. É ela a palavra do poder: “A lei, não eu, condena o seu irmão. Se fosse meu parente, irmão ou filho, seria o mesmo. Ele morre amanhã.”

Isabela retorna no dia seguinte e insiste na tese. Ângelo se mantém irredutível. Entretanto, enquanto falava, a concupiscência tomava conta de Ângelo, vendo que por debaixo das vestes de Isabela (ela estava vestida com roupa de noviça) um belo exemplar da espécie humana se escondia. Assim, em um instante, Ângelo, aquele “poço de virtude”, transmuda-se, dizendo à Isabela que “se o amasse em retorno, seu irmão seria poupado”. De escravo da lei, de escravo da estrutura, do “que está dado”, Ângelo se transforma em “senhor da lei”, “senhor dos sentidos”[…]”

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