Mais um feriadão

Para o Poder Judiciário o feriado da semana santa começa amanhã. Mas a verdade é que o espírito de feriado já tomou conta de muitos servidores desde segunda-feira. É próprio do brasileiro, antes do feriado, começar a se esquivar do trabalho.

Para o Poder Judiciário especialmente, não acho que isso seja bom, sinceramente;  mesmo porque já temos sessenta dias de férias –  fora o recesso do final do ano.

Esse exagero não faz bem para a nossa credibilidade.

Em todos os lugares, quando digo que o feriado da semana santa começa a amanhã para o Poder Judiciário, sinto  desalento no interlocutor.

É muito provável que existam comarcas, por esse Brasil afora – no Maranhão não é diferente –  sem juiz desde o final de semana passado.

Já a partir de hoje, pela manhã,  ao chegar aqui no Tribunal, senti o clima de feriadão. Hoje à tarde, passei pelos corredores e senti o mesmo clima.

Na definição do próximo calendário de feriados para o próximo ano, vou propor que a semana santa comece pelo menos na quinta-feira.

Acho que não podemos   – e não devemos  – desperdiçar uma quarta-feira, em face das sessões do Pleno.

É necessário convir que a não realização de uma sessão, sem necessidade, numa quarta-feira, traz prejuízo ao jurisdicionados  e a nós próprios, que vamos ter que conviver, na próxima sessão,  com uma pauta muito maior, a nos compelir, ipso facto, a decidir com mais rapidez; rapidez que, tenho convicção,  pode, muitas vezes, nos levar a cometer erros, vez que, seguramente, não teremos condições de discutir,  em profundidade,  as matérias em julgamento.

Há tempos tenho vontade de trazer essa questão a debate. Ocorre que posições como essa não são muito simpáticas nas corporações. Ainda assim, sem temer pelas incompreensões, vou colocar a questão em debate, ainda que, com isso, galvanize a antipatia de alguns dos meus pares.

PPPs em debate no CNJ

Comissão discute parcerias público-privadas no Judiciário

A comissão criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para analisar a possibilidade de parcerias público-privadas (PPPs) no Poder Judiciário tem reunião nesta terça-feira (3/4), às 14h30, na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), em São Paulo. O encontro contará com a presença dos conselheiros Bruno Dantas, presidente da comissão, Marcelo Nobre, Jorge Hélio Chaves de Oliveira Sílvio Luis Rocha e José Guilherme Vasi Werner, bem como acadêmicos e especialistas na adoção de PPPs no setor público.

Ao analisar a consulta (No 0002583-36.2010.2.00.0000) da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) sobre a validade de parcerias público-privadas no Judiciário, o plenário do CNJ decidiu aprofundar os debates sobre o assunto, com o objetivo de produzir subsídios para as decisões do Conselho. Com a criação do grupo, o julgamento da consulta do TJMA está suspenso.

Foram convidados a participar da reunião: José Roberto Pimenta Oliveira – procurador da República em São Paulo; Carlos Ari Sundfeld – professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV); Celso Antonio Bandeira de Mello e Pedro Serrano – docentes da PUC; Gesner de Oliveira – professor da FGV e ex-presidente do Conselho de Administração Econômica (CADE) além de Hélcio Tokeshi – ex-integrante da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SAE) do Ministério da Fazenda.

Também confirmaram presença José Afonso da Silva – professor da USP; e a secretária geral adjunta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Márcia Melaré, que representará o presidente da entidade.

Conhecimento – De acordo com o conselheiro Bruno Dantas, como o instituto das PPPs é recente no Brasil, existe pouca produção acadêmica sobre o tema e se conhece pouco sobre essa modalidade de contratação. “O CNJ, por meio do trabalho da comissão, objetiva justamente conhecer possíveis aplicações das PPPs no poder Judiciário – como construção de prédios, gerenciamento de redes de informática ou de estacionamentos – e principalmente as formas de fiscalização desse trabalho”, afirmou.

O conselheiro lembrou, ainda, o papel do CNJ de planejamento, mas também de fiscalização. “Precisamos, por um lado, avaliar maneiras de maximizar o orçamento do Judiciário, mediante soluções criativas e estudando de que forma parceiros da iniciativa privada podem contribuir para uma melhor estruturação dos tribunais. Mas também precisamos conhecer melhor essa modalidade de contratação e as suas formas de fiscalização”, enfatizou.

Brasília – Além desta primeira reunião, o grupo fará um segundo encontro em Brasília. Neste segundo caso, com a presença de representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério do Planejamento, da Casa Civil da Presidência da República, e dos governos estaduais da Bahia e de Minas Gerais – que já estão desenvolvendo com sucesso PPPs. “Queremos colher elementos suficientes para transmitir ao plenário do CNJ uma visão completa de funcionamento desse tipo de parceria, de forma a permitir ao Conselho a adoção de uma decisão madura sobre o assunto”, assegurou.

Patrícia Costa e Hylda Cavalcanti
Agência CNJ de Notícias

Do site do STJ

ESPECIAL

A verdade real na jurisprudência do STJ

Pense em doxa, aletheia ou episteme e responda: é possível alcançar a verdade absoluta? A questão aflige filósofos desde a Antiguidade, mas o dilema é enfrentado cotidianamente pelos magistrados. Na doutrina, o debate gira em torno do princípio conhecido como da “verdade real”. E a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retrata esses confrontos.

Um voto que define bem o alcance do conceito é o do ministro Felix Fischer, atual vice-presidente do Tribunal, no Habeas Corpus 155.149. Nele consta a seguinte citação do jurista Jorge Figueiredo Dias: “A verdade material que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade do conhecimento humano.”

Segundo o autor, essa verdade real deve ser lida como uma verdade subtraída das influências da acusação e da defesa. Também não se trata de uma verdade “absoluta” ou “ontológica”, mas “há de ser antes de tudo uma verdade judicial , prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço, mas processualmente válida”.

No mesmo voto, o ministro critica a concepção ortodoxa da verdade real, tida como mitificada pelos que seguem essa corrente. Ele cita Francisco das Neves Baptista: “O mundo da prova é o mundo das presunções e construções ideais, estranhas ao que se entende, ordinariamente, por realidade. E o sistema jurídico processual assim o quer.”

Esclarece o relator: “O princípio da verdade real, para além da terminologia, não poderia ter – na concepção ortodoxa – limitações.” No entanto, pondera, “não pode acontecer é reconhecer-se, como homenagem à suposta verdade real, algo como provado, quando em verdade, em termos legais, tal demonstração inocorreu”.

Relações jurídicas

Em voto de 1992, o então ministro Vicente Cernicchiaro explica as razões dessa diferença de tratamento dada à verdade no processo penal: “O status de condenado, por imperativo da Constituição, é definido exclusivamente pelo Judiciário. Não há partes, pedido, nem lide, nos termos empregados no processo civil. Ao contrário, juridicamente, o sujeito ativo (estado) e o passivo (réu) não se colocam em posições opostas. Na verdade, conjugam esforços para esclarecimento da verdade. As partes, assim, têm a mesma e única preocupação: definir o fato narrado na imputação” (REsp 13.375).

A decisão da esfera penal até mesmo prevalece sobre as ações cíveis ou administrativas. Apesar da independência dos campos jurídicos, quando se trata de autoria ou materialidade, a decisão penal deve ser observada pelos outros juízos. Diz o Código Civil, nessa linha: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

Assim decidiu o STJ no REsp 686.486: “A decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria.”

Porém, ressalvou o ministro Luis Felipe Salomão no caso: “O reconhecimento da legítima defesa do vigilante no juízo criminal não implica, automaticamente, a impossibilidade de a parte autora requerer indenização pelos danos ocorridos, especialmente quando, como no caso ora em análise, pugna pelo reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do banco e da empresa de vigilância, obrigados em face do risco da atividade”.

O Código de Processo Penal repete a norma, invertendo a disposição: “Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.”

Nesse sentido, também já decidiu o STJ: “Não havendo sentença penal que declare a inexistência do fato ou a negativa de autoria, remanesce a independência das esferas penal, cível e administrativa, permitindo-se que a administração imponha ao servidor a pena de demissão, pois não há interferência daquelas premissas no âmbito da ação por improbidade administrativa.” (AREsp 17974).

“É firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que as esferas criminal e administrativa são independentes. Apenas há repercussão no processo administrativo quando a instância penal se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria, o que não é o caso dos autos”, afirmou, por sua vez, o ministro Herman Benjamin no AREsp 7.110.

E, novamente, o ministro Salomão esclarece: “Somente nos casos em que possa ser comprovada, na esfera criminal, a inexistência de materialidade ou da autoria do crime, tornando impossível a pretensão ressarcitória cível, será obrigatória a paralização da ação civil. Não sendo esta a hipótese dos autos, deve prosseguir a ação civil.” (Ag 1.402.602)

O princípio da verdade real sustenta ainda outro, o pas de nulitté sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo. É o que afirma o ministro Humberto Martins no Recurso Especial 1.201.317: “Não se declarará nulo nenhum ato processual quando este não causar prejuízo, nem houver influído na decisão da causa ou na apuração da verdade real.”

Perito menor

É o risco de violação ao princípio da verdade real que justifica a impossibilidade de peritos serem menores de 21 anos de idade. O entendimento é da Sexta Turma, que concedeu habeas corpus a condenado por roubo em cuja audiência a vítima, surda-muda, teve como intérprete a filha, de 12 anos.

“A doutrina tende a justificar a proibição com a ideia de que o menor não teria amadurecimento suficiente para entender e expressar, na condição de intérprete, os fatos objetos da imputação. Dessa maneira, a sua atuação poderia comprometer o resultado da oitiva, o que contraria as bases da verdade real”, explicou a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura. (REsp 259.725)

Caso Mércia

O princípio foi discutido também no caso da morte de Mércia Nakashima. A defesa do réu pretendia que o processo corresse em Nazaré Paulista (SP), onde ela teria morrido por afogamento. Isso porque o Código de Processo Penal (CPP) dispõe que a competência é do juízo do local onde o crime se consuma.

Porém, o juiz de Guarulhos (SP) afirmou que a regra deveria ser afastada no caso concreto, em vista da dificuldade que o deslocamento de competência traria para a apuração da verdade real: das 16 testemunhas de defesa, 13 seriam ouvidas em Guarulhos; o caso teria causado comoção social nessa cidade; e, de modo geral, a produção de provas era mais favorecida pela manutenção do processo nessa comarca.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) seguiu na mesma linha. Para os desembargadores paulistas, a alteração da competência enfraqueceria a colheita de provas: “A comarca de Guarulhos é o local onde há maior facilidade para se apurar os elementos probatórios necessários à busca da verdade real”, afirmaram no acórdão.

A decisão foi mantida pelo STJ no HC 196.458: “Ora, deve-se ter em mente que o motivo que levou o legislador a estabelecer como competente o local da consumação do delito foi, certamente, o de facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como o de garantir que o processo possa atingir a sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real”, afirma o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior.

“Dessa forma, seguindo o princípio da busca da verdade real, tem-se que se torna mais segura a colheita de provas no juízo de Guarulhos”, acrescentou. “O desenrolar da ação penal neste juízo, sem dúvidas, melhor atenderá às finalidades do processo e melhor alcançará a verdade real”, concluiu o relator.

HC da acusação

Um assistente de acusação invocou o princípio para justificar o pedido de habeas corpus contra o réu. No HC 40.803, o assistente argumentava que a legislação deixou “grande lacuna” quanto a seu papel, cujos atos deveriam ser interpretados com “elasticidade, mormente quando imprescindíveis para a apuração da verdade real”.

Por isso, o STJ deveria conceder o habeas corpus para fazer com que fossem ouvidas pelo júri as testemunhas apontadas pelo assistente de acusação, mas não arroladas pelo Ministério Público. Mas o pedido não foi conhecido pela Quinta Turma.

Daniel Dantas

No julgamento do habeas corpus em favor do banqueiro Daniel Dantas, o desembargador Adilson Macabu também fez referência ao princípio da verdade real. Para o relator do caso, a busca da verdade real deve ser feita com observação da legalidade dos métodos empregados, respeitando-se o devido processo legal (HC 149250).

Taxa para se defender

A ministra Maria Thereza de Assis Moura invocou o princípio para afastar a necessidade de pagamento de despesas com oficial de Justiça para que fosse ouvida testemunha de defesa. O magistrado havia considerado a prova preclusa pela falta do pagamento da diligência.

A relatora do HC 125.883 considerou que, mesmo em casos de ação penal privada, quando é exigido de forma expressa o pagamento da diligência, o juiz pode determinar de ofício a oitiva de testemunhas e outras diligências, “em homenagem aos princípios da ampla defesa e da verdade real, que regem o direito penal e o processo penal”.

“Tal circunstância corrobora a ilegalidade aqui constatada, em que se deixou de ouvir testemunha regularmente intimada pela defesa, em ação penal pública, em decorrência do não recolhimento antecipado da taxa respectiva”, concluiu.

Forma sem fim

O princípio também serviu para afastar a incidência da súmula do STJ que exige a reiteração do recurso especial após o julgamento dos embargos de declaração. No caso, após os primeiros embargos terem sido julgados parcialmente a favor do recorrente, um dos corréus, não beneficiado, embargou novamente a decisão (Ag 1.203.775).

Antes desse julgamento, porém, o recorrente apresentou recurso especial. Julgados e rejeitados os segundos embargos do corréu, ele não reiterou suas razões recursais, levando inicialmente à negativa de apreciação de seu apelo.

No entanto, a Quinta Turma do STJ reviu sua decisão inicial em vista do princípio da verdade real. Para o ministro Jorge Mussi, “exigir-se tal ratificação, após julgamento de embargos de declaração rejeitados pela corte local, em que não houve modificação de absolutamente nada na situação jurídica dos sentenciados, afigura-se um excesso de formalismo, à luz dos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas, principalmente no âmbito do direito processual penal, onde se busca a maior aproximação possível com a verdade dos fatos (verdade real) e o máximo de efetivação da Justiça social”.

Segundo o relator, não haveria por que insistir na reiteração do recurso se não houve acréscimo, modificação ou supressão de questão de direito ou fato capaz de influenciar no recurso especial, de modo que não se poderia “exigir o preenchimento de uma formalidade sem qualquer fim específico”.

A ministra Nancy Andrighi, em voto no REsp 331.550, manifestou-se pela prevalência da busca da verdade real sobre o formalismo processual: “Antes do compromisso com a lei, o magistrado tem um compromisso com a justiça e com o alcance da função social do processo, para que este não se torne um instrumento de restrita observância da forma, distanciando-se da necessária busca pela verdade real.”

Ela também afirmou, no REsp 1.012.306, que “a iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de prova de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da justiça”. Por isso, o juiz pode ter a iniciativa de exigir a produção de provas que entender cabíveis, mesmo que não solicitadas pelas partes.

Direito civil

O princípio da verdade real é menos presente, ou determinante, nos processos cíveis. Já dizia o ministro Vicente Cernicchiaro, em 1991: “O processo penal, ao contrário do processo civil, não transige com o princípio da verdade real” (RHC 1.330).

É o que se extrai do voto do ministro Napoleão Nunes Maia Filho: “A relativa independência entre o orbe civil e o penal não se presta a justificar a possibilidade de duas verdades conflitantes protegidas pelo universo jurídico. A finalidade precípua da autonomia é permitir ao juízo penal perscrutar a verdade real além dos limites dentro dos quais se satisfaria o juízo civil.” (HC 125853)

Na mesma linha o ministro Mauro Campbell Marques, ao considerar o dolo do agente em ação de improbidade administrativa: “A prova do móvel do agente pode se tornar impossível se se impuser que o dolo seja demonstrado de forma inafastável, extreme de dúvidas. Pelas limitações de tempo e de procedimento mesmo, inerentes ao direito processual, não é factível exigir do Ministério Público e da magistratura uma demonstração cabal, definitiva, mais-que-contundente de dolo, porque isto seria impor ao processo civil algo que ele não pode alcançar: a verdade real.” (REsp 1.245.765)

Em 1990, o ministro Sálvio de Figueiredo já afastava o princípio em certos casos: “Na fase atual da evolução do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor” (REsp 4987).

Em matéria tributária, o princípio também é observado: “Caso os documentos colhidos pela fiscalização sejam suficientes para a verificação do lucro real, é com base neste que deverá ser efetuada a autuação, tendo em vista o princípio da verdade real na tributação”, afirma o ministro Campbell no REsp 1.089.482.

Registro civil

Assim, o princípio se aplica aos registros civis. É ele que garante a alteração dos nomes dos genitores no registros de nascimento dos filhos após o divórcio. “O princípio da verdade real norteia o registro público e tem por finalidade a segurança jurídica. Por isso que necessita espelhar a verdade existente e atual e não apenas aquela que passou”, afirma voto do ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.123.141).

É da ministra Nancy a afirmação de que “não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA”. O caso tratava de tentativa de alterar o registro de paternidade procedido pelo marido que fora induzido a erro pela esposa (REsp 878.954).

Espaço livre

CONSTITUIÇÃO RESPEITADA

Sigilo de advogado deve ser sempre respeitado

Por Marcelo Knopfelmacher

Proclama o artigo 133 da Constituição que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Evidente que quando a Constituição alude, nesse mesmo artigo 133, à inviolabilidade do advogado “nos limites da lei” está se referindo ao Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

Já a Lei 8.906/1994, por sua vez, prescreve no inciso XIX do seu artigo 7º ser direito do advogado “recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”.

Mais adiante, em seu artigo 34, inciso VII, estabelece com todas as letras o Estatuto da Advocacia que constitui infração disciplinar “violar, sem justa causa, sigilo profissional”.

O Código Penal, por sua vez, em seu artigo 154, define como crime a violação do segredo profissional nos seguintes termos: “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa”.

Como se pode verificar, há amplo regramento que disciplina o direito/dever de sigilo, por parte do advogado, em relação a fatos de que tenha tomado conhecimento em virtude de sua atuação profissional.

Constituindo verdadeira infração disciplinar (e mesmo crime) a violação, sem justa causa, de sigilo profissional, parece-nos inadequada qualquer iniciativa que, alicerçada sob o nobre propósito de alterar a legislação de combate à lavagem de dinheiro, venha a arrolar — ainda que indireta e veladamente — a atividade da advocacia como uma daquelas sujeitas ao denominado “mecanismo de controle”, obrigando-se aos profissionais da Advocacia a delatar, sob pena de imposição de severas multas, seus clientes.

Assim sendo, e levando em conta que, por força do próprio artigo 133 da Constituição, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, “nos limites da lei”, e sendo essa lei precisamente o Estatuto da Advocacia que regula in totum a profissão do Advogado e que não admite (pelo contrário, censura), em linha com o Código Penal, a divulgação de fatos protegidos pelo sigilo profissional, toda e qualquer iniciativa parlamentar que venha, ao arrepio do Estatuto da Advocacia, amesquinhar ou infirmar o sagrado dever de sigilo encontrará óbice no texto constitucional, sendo de rigor afastar, por contrárias à Carta de 1988, tais iniciativas, por mais nobres que sejam ou pareçam seus propósitos.

Marcelo Knopfelmacher é advogado e diretor presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).

Anencefalia e o STF

STF decidirá se é legal a retirada de fetos em caso de má-formação cerebral

Renata Mariz

Uma mistura de susto e desconhecimento tomou conta das duas mulheres. Camila Moreira Olímpio, de 28 anos, já havia escolhido o nome da menina: Stacy. Quando descobriu, no exame de ultrassom, que a filha tinha anencefalia, uma má-formação do cérebro incompatível com a vida, valeu-se de uma autorização judicial para antecipar o parto. A menina viveu por 10 segundos. Felipe, segundo filho de Márcia Tominaga, resistiu cerca de 20 minutos, vítima da mesma anomalia congênita. A mãe, hoje com 41 anos, optou por levar a gravidez até o fim. “Me preparei para o parto e para o enterro. Sou contra o aborto, mesmo de um filho que não vai viver”, diz. Camila pensa diferente. “É crueldade obrigar uma mulher a continuar a gestação sabendo que terá que colocar seu bebê em um caixão”, assinala.

Com histórias parecidas e opiniões tão contrárias, as duas mulheres, que nem se conhecem, representam bem o impasse instalado no Supremo Tribunal Federal (STF). Na próxima semana, os 11 ministros da mais alta Corte do país julgarão uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que reivindica a legalização do aborto em casos de anencefalia. O tema chegou ao STF em 2004, mesmo ano em que uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello autorizou as grávidas de anencéfalos no Brasil a abreviar o parto. Menos de quatro meses depois, a decisão foi derrubada. Voltou a ser exigida, então, uma autorização judicial para o aborto, sob risco de a mulher e o médico serem processados por homicídio.

“Os bons homens já morreram”

A frase  acima é de um dos poucos homens públicos honrados deste país, que, no poder, não enriqueceu e nem vendeu a alma: Pedro Simon.

O digno senador, a propósito, complementa, certeiro em suas conclusões, nas páginas amarelas de VEJA desta semana:

“Os bons homens se foram: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Miguel Arraes, Mário Covas. Se esses tivessem ficados e os outros tivessem morrido, o Brasil seria diferente”

Quem ousa discordar?

Degradação moral

Não há dúvidas que vivemos momentos  de tormentosos, quase perdendo a esperança, em face da ação daninha de vários – incontáveis, diria – homens públicos, os quais, no poder, não perdem a oportunidade para dele tirar proveito.

A história registra a derrocada de vários desses homens públicos, os quais, sem postura e sem moral,  movidos pela ganância, se valem do poder que têm para enriquecer – e empobrecer, ainda mais, o nosso país, por consequência-,  levando de roldão o pouco da crença que o brasileiro tem em suas instituições mais importantes.

A mais recente “vítima” do mau uso do poder é o Senador Demóstenes Torres, do DEM, Goiás.

Demóstenes Torres, infelizmente, é apenas mais um. A verdade é que poucos, infelizmente, são os que podem erguer a cabeça e dizer, sem receio, que, no exercício do poder,  souberam se comportar com dignidade.

Ao que se sabe, outras figuras de destaque da República cairão,  a proporção que a PF for liberando as gravações que tem em face da Operação Monte Carlo.

Registro, a bem da verdade, que, além de figuras de destaque da política nacional, consta que, com Carlinhos Cachoeira estão envolvidos, ademais, incontáveis funcionários públicos que exercem funções relevantes no Estado, os quais, todavia, sequer são citados.

Leio, agora mesmo, na Revista IstoÉ, que Carlinhos Cachoeira tem em seu poder muitas informações bombásticas envolvendo políticos brasileiros dos mais variados  partidos.

Eis a íntegra da reportagem:

QUEM TEM MEDO DE CACHOEIRA

Bicheiro preso pela PF ameaça empresários e políticos com material explosivo. Gravações estariam escondidas numa chácara em Anápolis

Claudio Dantas Sequeira

 DEVASTADOR: Pivô do escândalo que levou à queda de Waldomiro Diniz da Casa Civil em 2004, Carlinhos Cachoeira diz ter em seu poder novos grampos contra políticos

Nas últimas semanas, a revelação das conexões do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos, empresários e policiais estremeceu a capital federal. O arsenal de informações contidas no inquérito da Operação Monte Carlo foi tão devastador que conseguiu silenciar uma das principais vozes da oposição, o senador Demóstenes Torres (DEM/GO). O parlamentar, porém, pode não ser o único a cair em desgraça sob a acusação de manter ligações perigosas com o contraventor. Para tentar entender por que Cachoeira atemoriza tanta gente, mesmo isolado numa pequena cela do presídio federal de Mossoró, Rio Grande do Norte, ISTOÉ ouviu pessoas ligadas a ele. Os relatos dão conta de um esquema milionário que abasteceu o caixa 2 de diferentes partidos. Os pagamentos eram acertados pelo próprio Cachoeira com os arrecadadores de campanha. E o que mais provoca temor em seus interlocutores e comparsas: a maioria dessas negociatas foi devidamente registrada pelo empresário da jogatina.

Em pouco mais de uma década, o bicheiro acumulou um vasto e explosivo acervo de áudio e vídeo capaz de comprometer muita gente graúda. Na operação de busca e apreensão na casa de Cachoeira no início do mês, a PF encontrou dentro de um cofre cinco CDs avulsos.

No entanto, outra parte do material – ainda mais explosivo – estava escondida em outro lugar, uma chácara em Anápolis (GO). O local sempre serviu como espécie de quartel-general para reuniões do clã Cachoeira, além de esconderijo perfeito para seu acervo de gravações. Conforme apurou ISTOÉ, nos vídeos que ainda estão em poder de Cachoeira não constam apenas reuniões políticas ou pagamentos de propina. Lá há registros de festinhas patrocinadas por ele com a presença de empresários e políticos. Uma artilharia capaz de constranger o mais desinibido dos parlamentares.

FIM DE LINHA: Flagrado em conversas nada republicanas com o contraventor, o senador Demóstenes Torres deixou a liderança do DEM no Senado. Constrangido, avalia renunciar ao mandato

O modus operandi de Cachoeira não é novidade. Em 2004, uma dessas gravações deflagrou o escândalo que levou à queda de Waldomiro Diniz, ex-assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Depois do escândalo, ele foi para a Argentina, de onde passou a operar. No Brasil, quem gerenciava o jogo para o bicheiro, num esquema que movimentou R$ 170 milhões em seis anos, era seu braço direito Lenine Araújo de Souza. Cachoeira também contratou arapongas bastante conhecidos em Brasília, como Jairo Martins, o sargento Dadá e o ex-delegado Onésimo de Souza. Consta do inquérito da PF que pelo menos 43 agentes públicos serviam a Cachoeira.“Quem detém informação tem o poder”, dizia o bicheiro. Antes de ser preso, ele recebia mensalmente gravações e um relatório dos monitoramentos dos alvos e dava novas diretrizes de ação, inclusive a elaboração de perfis de autoridades de interesse. Boa parte disso está guardada em seu QG, a chácara em Anápolis. Este mês, dois novos vídeos circularam na imprensa. Neles, o bicheiro conversa com o deputado federal Rubens Otoni (PT- GO) sobre pagamentos para a campanha do petista. Até agora, Otoni não se explicou. A divulgação da conversa com Otoni, porém, foi uma pequena amostra do poder do bicheiro. Apenas um dos vários recados que ele enviou a Brasília desde que foi preso em fevereiro. Pessoas próximas a Cachoeira dizem que ele ainda tem muita munição. As mensagens foram captadas pela cúpula petista, que acionou o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Ele reuniu-se com a mulher de Cachoeira, Andressa, no último dia 21, e pediu que convencesse o marido a se controlar, com a promessa de que conseguiria retirá-lo da cadeia em breve. Andressa voou para Mossoró e deu o recado de Thomaz Bastos ao bicheiro. Desde então, ele silenciou à espera do habeas corpus.

Ao mesmo tempo, porém, Carlinhos Cachoeira mandou espalhar que possui gravações contra políticos de um amplo espectro partidário. É o caso, por exemplo, dos integrantes da chamada bancada do jogo que defendia a regularização dos bingos no País. Além do deputado goiano Jovair Arantes (PTB), arrolado no inquérito da Operação Monte Carlo, mantinham contatos frequentes com Cachoeira os deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Lincoln Portela (PR-MG), Sandro Mabel (PR-GO), João Campos (PSDB-GO) e Darcísio Perondi (PMDB-RS). Todos têm mantido silêncio absoluto sobre a prisão de Cachoeira.

ALVOS: Segundo a PF, Cachoeira teria alimentado campanhas do governador de Goiás, Marconi Perillo (acima), e do deputado petista Rubens Otoni (abaixo)

A lei do silêncio foi seguida também pelo senador Demóstenes, que, além de presentes, teria recebido pelo menos R$ 1 milhão do esquema do bicheiro. Para investigar essas e outras, Demóstenes teve seu sigilo bancário quebrado pelo STF na quinta-feira 29. Outro que em breve terá de se explicar é o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo. Segundo o inquérito da PF, Cachoeira indicava pessoas para cargos de confiança no governo Perillo. A PF suspeita ainda que o dinheiro repassado por Cachoeira às campanhas de vários políticos viria não só da contravenção, mas de contratos entregues a empreiteiras para quem o bicheiro serviu de intermediário.