O artigo que publico a seguir foi veiculado na edição de hoje, do Jornal Pequeno. Leia:
“Eu tenho tentado entender o ser humano. Essa tem sido a minha obsessão. O primeiro ser humano que tentei entender foi o meu pai, sem conseguir, entrementes. Depois, na condição de advogado, de promotor de justiça e de magistrado, tentei, com sofreguidão, conhecer o ser humano que se esconde sob a toga. São mais de 30(trinta) anos e ainda não consegui desvendar os ministérios da toga. Não consigo compreender, por exemplo, por que um homem, igualzinho a nós outros, quando coloca uma toga sobre os ombros, se transforma – às vezes, radicalmente.
A metamorfose de alguns sob a toga me impressiona muito! Basta, por exemplo, assistir a uma audiência e ver-se-á um homem comum se transformar, abruptamente, num semideus – na imaginação dele, claro – , ao colocar a toga sobre os ombros. Basta ir a uma sessão de um Tribunal – qualquer Tribunal, de qualquer lugar, de qualquer estatura – para, da mesma forma, ver-se a transformação se operando, de forma inclemente e assustadora.
O homem comum, de súbito, como num passe de mágica, sob a toga, se transforma diante dos olhos estupefatos dos circunstantes. O ser humano, antes cordato, afável, tratável, humilde, se põe a toga sobre os ombros, pronto!, não é mais o mesmo. Para lidar com ele, pacificamente, sem receber uma reprimenda, uma descompostura pública, tem que medir as palavras, pois que já se transformou no mais intratável dos mortais.
Desses togados há os que não suportam a diversidade de opiniões. Todos têm que pensar como ele pensa. Num colegiado, então, a coisa é mais séria ainda. Quem ousa discordar dele, ganha a sua antipatia, que, não raro, resvala para grosseria, tendo a antecipá-la o indefectível Vossa Excelência, para dar um ar solene a incivilidade.
Esse tipo de togado, inebriado, arrebatado, exaltado pela toga, deseja, tenazmente, que todos sigam a sua linha de raciocínio, como se num colegiado todos fossem obrigados a pensar de forma linear, ou melhor, como ele pensa. Como se um colegiado não fosse o lugar apropriado para a diversidade de opiniões, para o exercício da dialética.
Esse tipo esquisito, sob a toga, se julga proprietário da verdade. Divergir? Ele pode; os outros, não. Você pode até ousar discordar das teses dele, mas saiba que a prevalente, a mais apropriada, a que mais se amolda ao tema é a dele. A tese que mais se ajusta ao caso sob análise é, enfim, propriedade dele e de mais ninguém. Ele não admite partilhar a verdade. A verdade é domínio dele. Domínio absoluto, registre-se. E não ouse dissentir, porque ele vai entender a dissensão como uma afronta.
Inteligente? Só ele. Trabalhador? Ninguém faz tanto quanto ele. Estudioso? Só ele abri livros. Decisões esmeradas? Só ele as elabora. Discernimento? Só ele tem. A palavra final? Tem que ser a dele. A posição prevalecente? Se não for a dele, faz muxoxo, faz beicinho, deixa o ambiente, divaga, pragueja, deixa o interlocutor falando sozinho, sai de cena, se isola, para, no isolamento, diante do espelho, na tentativa vã de se convencer de que é o melhor, indagar: espelho, espelho meu, tem algum togado mais inteligente do que eu?
É triste, mas é verdade. Eu já tinha visto esse filme nas últimas fileiras de uma sessão; hoje, vejo esse filme de uma posição privilegiada.
Claro que não me refiro a todos os togados. Há, sim, os que não mudam. Conheço muitos que professam a humildade, sem vacilo. Esses não mudam. São sempre os mesmos homens – com toga ou sem toga. São exemplo de humildade, de sensatez e tolerância. Mas esses, por óbvias razões, não estão a merecer de mim nenhuma reflexão, nenhuma menção.
Tenho dito, em incontáveis escritos, que o exercício do poder, ou de qualquer parcela de poder, exige de todos humildade, como, de resto, está a exigir a nossa convivência com o semelhante.
O homem que tem sob as suas mãos uma parcela relevante de poder, tem que ser mais humilde que qualquer outra pessoa; não pode, definitivamente, ser arrogante, pois essa arrogância o levará, inexoravelmente, ao desatino.
O arrogante, o que pensa que sabe tudo, o que se julga dono da verdade, o vaidoso ao extremo, o irritadiço, o descortês, o excessivamente sensível, o narcisista, enfim, pode ser qualquer coisa, mas não está preparado para o exercício do poder, máxime se o naco de poder que tem lhe autoriza julgar o semelhante.
O exercício da judicatura, por exemplo, deve ser concomitante com o exercício da humildade. E ser humilde, tratar bem os jurisdicionados, receber a todos com presteza, ter paciência de ouvir um colega, compreender que num colegiado deve haver discordância, não arrefece a autoridade de ninguém. Muito ao contrário. Quem exerce o poder sem prepotência, se eleva, se fortalece como pessoa e como julgador.
Para julgar o semelhante, para conviver com os congêneres, tem que se despir da vaidade. Tem que praticar a sensatez. Tem que ser humilde, sem que isso signifique tibieza, frouxidão, subserviência, submissão, falta de autoridade, pois a única autoridade que nos dá sustentação, que nos empresta realce, que nos diferencia dos demais, é a autoridade moral.
O homem não é frouxo porque é humilde. O que nos torna menores do que somos, o que nos enfraquece diante do nosso semelhante, o que nos diminui diante do jurisdicionado, é a arrogância e não a humildade.
O homem prepotente – e excessivamente vaidoso – nunca será respeitado pelos méritos que eventualmente tenha. Ele pode até ser temido, pois nunca se sabe o que um prepotente, com a toga sobre os ombros, é capaz de fazer. Respeitado, porém, ele não será. Jamais! Repito: jamais!”
Caro José Luiz,
O texto reflete muito bem a realidade de alguns que se acham acima do bem ou do mal quando exercem o poder,individualmente ou em um colegiado.
Parabéns, mais uma vez, pela sensibilidade contida no presente texto, a qual o acompanha desde sempre, independentemente do cargo que estejas exercendo.
Um forte abraço,
Marilse Medeiros
Olá Desembargador,
Mais uma vez reproduzi em meu blog, um de seus artigos. Gostaria de saber se o senhor se incomodaria de me repassar seu endereço de email, pois queria saber se o senhor teria interesse em ser o palestrante da aula magna de minha faculdade. Caso não lhe cause nenhum incomodo e o senhor tenha interesse, por favor mande-me para meu e-mail(motta.daniels@gmail.com) o seu endereço. Um abraco forte
Estimado Daniel, o meu endereço eletrönico é joseluizalmeida@folha.com.br ou jose.luiz.almeida@globo.com
Um abraço
Caro Desembargador José Luiz,
Admiro suas posições firmes e sensatas. Seu texto transmite a mais pura realidade e com certeza, muitas pessoas tem vontade de falar essas mesmas palavras, entretanto, o “poder” da toga ainda silencia muitas vozes.
São reflexões como esta que podem trazer o Poder Judiciário para o Século XII.
Um erro de digição.
São reflexões como estas que podem trazer o Poder Judiciário para o Século XXI.
Raimundo Penha
Desembargador José Luiz,
Leio diariamente o seu blog, e as reflexões contidas no seu artigo “Mistérios da Toga” refletem o pensamento dos jurisdicionados e dos advogados que militam no Maranhão.
Reproduzirei esse magnífico texto no meu blog.
Jonilton Lemos
Caro José Luiz.
Seu artigo deveria ser distribuído a todos os magistrados brasileiros. Não são poucos os que merecem refletir sobre suas palavras. Parabéns por sua lucidez e consciência.
Os grandes homens se distiguem pelo caráter. As grandes figuras da humanidade não precisam se impor pela força, pelos gestos de prepotência. São os seus bons exemplos, a postura firme, suas virtudes e a retidão de sua conduta, na direção do que é justo e verdadeiro que prevalecerão.
Poucos magistrados, infelizmente, adotam a postura que deles se espera. Felizmente, para nós, o senhor é um destes homens dignos, merecedores do nosso respeito e admiração.
É a mais pura verdade.
Texto muito bom. É muito bom lê este blog.
CARO DR. JOSÉ LUIZ.
É IMPRESSIONANTE SEU TEXTO: RICO, VERDADEIRO, CORAJOSO.
É A REFLEXÃO PURAMENTE DE UM SER HUMANO QUE NÃO SE ESCONDE ATRAZ DA TOGA PARA DIZER AO MUNDO JURIDICO OU MESMO OUTRO QUALQUER, AQUILO QUE PENSA.COM CERTEZA MUITOS DOS SEUS COLEGAS DE TRIBUNAL JÁ LEU E RELEU VÁRIAS VEZES SEU TEXTO E TENHA SE PERGUNTADO: ELE ESTÁ FALANDO COMIGO?
NA REALIDADE AQUI FORA A IMAGEM QUE SE TEM DESSES TOGADOS AO QUAL SE REFERE O TEXTO É TRISTE, SÃO PESSOAS COMUNS QUE ACHAM QUE SÃO DEUS, OUTROS TEM CERTEZA QUE É. NO ENTANTO QUANDO ACABA ESSE PODER TRANSITÓRIO, SÓ RESTA A AMARGURA, TRISTEZA, ISOLAMENTO E PRINCIPALMENTE ESQUECIMENTO POR TODOS. ISSO ACONTECE PORQUE NÃO FOI CULTIVADO O CARINHO E O RESPEITO NECESSÁRIO NUMA RELAÇÃO CORDIAL INDEPENDENTE DO CARGO EXERCIDO.PARABENS, O SENHOR ESTÁ CONSEGUINDO O QUE HÁ MUITO NÃO SE VIA NESSE TRIBUNAL: OXIGENAÇÃO DE IDEIAS NOVAS COM RESPEITO AO CIDADÃO COMUM.