Usuários de crack e prisão

Em Passo Fundo (RS), uma menina de dois meses foi vendida pelos pais, por R$ 50,00, para comprarem crack, a droga da morte. Uma denúncia anônima levou a polícia à casa onde se encontrava a criança, que foi encaminhada ao Conselho Tutelar.

Anoto que, ao que se saiba, os pais não são traficantes; são viciados.

Nesse caso, prisão resolve?

Tráfico de drogas e penas alternativas

Não há consenso,  no governo e  no Poder Judiciário, acerca do abrandamento da pena para o crimes de tráfico de drogas.

Entendo que a decisão acerca das penas alternativas deve ficar circunscrita ao Poder Judiciário, a partir de cada caso especificamente. Cada magistrado, portanto, dependendo do que vislumbrar num determinado processo, deve decidir, de acordo com as suas convicções, se deve, ou não, substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face mesmo de precedente do Supremo Tribunal Federal.

O juiz Sandro Portal, de Porta Alegre, sintetiza bem a questão: “Analiso o caso concreto, tentando estabelecer naquele processo o histórico de vida da pessoa, o tipo de envolvimento com o delito, as relações pessoais e profissionais para a partir daí determinar se naquela circunstância é conveniente a substituição pela pena alternativa”

Lembro, só a guisa de ilustração, que na Holanda, por exemplo, a legislação sobre drogas, de 1976, trata a questão como de saúde pública, convindo anotar que a lei em questão prevê a existência de coffee shops onde a venda de até cinco gramas por pessoa é liberada pelo governo.

É claro que essa experiência não deve, sem mais nem menos, ser importada para o Brasil. A questão é por demais complexa e deve ser debatida à exaustão. Por enquanto o que me anime é reafirmar que os juízes devem, sim, a partir de cada caso, decidir sobre a substituição ou não da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a partir de cada caso concreto e suas peculiaridades.

Devo dizer, a propósito, que é nessa linha que temos decidido na 1ª Câmara Criminal.


Homem bom

O lado bom do ser humano também se manifesta nas tragédias. Exemplo: Gilson da Silva perdeu a mãe, dois irmãos e três sobrinhos em Nova Friburgo, mas não parou para chorar. Ao lado de outros voluntários, foi ajudar a recolher corpos de outras vítimas da tragédia. Não tenho dúvidas de que, depois de tudo, ainda via encontrar tempo para chorar e lamentar a morte dos seus.

Depois da tragédia, a roubalheira

Não tenho  dúvidas: do dinheiro que será destinado aos municípios em face da tragédia fluminense, grande parte será desviada pelos abutres que estão no poder e pelos que, próximos do poder, se especializaram em malversar verbas públicas. E pode aguardar: ano que vem tem mais, infelizmente. É que essa gente  não tem sensibilidade. Disso todos temos ciência. Apesar do óbvio da questão, me permito fazer o registro, a guisa de indignação.

De quem é a culpa?

Quanto mais aprofundo o exame acerca do que ocorreu no estado do Rio de Janeiro  mais me convenço de que os responsáveis são os nossos homens públicos. Diversos são os artigos e editoriais que reafirmam essa minha convicção.

Da folha de São Paulo de hoje capturo o artigo seguinte, de Eliane Cantanhede, a propósito do desastre:

Desleixo assassino

BRASÍLIA – Como mostrou ontem o repórter Evandro Spinelli na Folha, o risco de um desastre de grandes proporções na belíssima região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foi detectado há dois anos por um estudo técnico encomendado pelo próprio governo do Rio.
E o que o governo fez com o resultado? Largou às traças, deixou pegando poeira na burocracia, empurrou para a gaveta ou simplesmente jogou no lixo -junto com o dinheiro público que o pagou.
Horas antes, as autoridades tiveram nova chance de não dar asas ao azar: o novo radar da Prefeitura do Rio e o Instituto Nacional de Meteorologia identificaram previamente a formação da tempestade.
E o que foi feito? Nada. Os órgãos atuaram isoladamente, não como um sistema integrado, em que o alerta se reproduz entre as várias instâncias, tem consequências e salva vidas. Mas não. É como se o radar fosse de enfeite, e o Inmet, só para inglês ver.
Num ótimo artigo, o colega Marcos Sá Correa defendeu que o remédio é responsabilizar homens públicos -e não abstratamente o Estado- pelos crimes que cometem contra a vida. É crime dar levianamente alvará de construção e “habite-se” para imóveis em encostas, fechar os olhos para casas em áreas de risco, desprezar alertas de tempestades e de outras intempéries.
Para complementar a sugestão do Marcos, a Polícia Federal deveria investigar também esse tipo de crime que pode resultar em 500, 600 mortes, famílias inteiras destruídas, casas despedaçadas, bilhões de prejuízos aos bolsos particulares e aos cofres públicos.
Se não vai por bem, vai por mal -na base da ameaça. Mais ou menos como no caso do cinto de segurança: todo mundo só passou a usar depois de criada a multa.
No rastro da Satiagraha, da Sanguessuga, da Castelo de Areia, fica aí a sugestão para o novo diretor-geral da PF, Leandro Coimbra: a operação “Desleixo Assassino”.

Capturo, ademais,  no mesmo jornal,  o artigo de Clovis Rossi:


O emergente submergiu

SÃO PAULO – No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.
Primeiro 1 – O “Jornal Nacional” de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente superior.
Segundo 1 – O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito.
Terceiro 1 – A manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas.
O que foi feito? Nada.
Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer, deslizamentos formidáveis também -e, até aí, a culpa é só da natureza-, mas falta, no Brasil, acontecer a prevenção.
Já nem digo a prevenção original, a de proibir construções em áreas de risco. A incompetência do poder público impediu que essa providência fosse tomada e, se fosse, seria inócua. Falta fiscalização.
Refiro-me à prevenção de, diante da iminência da catástrofe, minimizar os danos ou, ao menos, as mortes, os danos mais terríveis, mesmo nesta era de predominância da finança sobre a vida.
Posto de outra forma, o poder público não está presente nem antes, nem durante e nem depois da tragédia. Chama a atenção, pelo menos de longe, o fato de repórteres chegarem a locais aos quais, segundo informam, nenhum socorro conseguira chegar.
Em vez de emergente, o Brasil parece mais país em construção. Precária, muito precária.

A dor de uma mãe obstinada

A verdade é que os nossos irmãos do Rio de Janeiro são vítimas da incompetência do Estado. Essa afirmação ganha realce quando vejo na imprensa que as autoridades públicas foram alertadas em 2008 para o que viria e nada fizeram. Com essa constatação apenas reafirmo o que tenho dito: eles, os políticos,  são os responsáveis pela dimensão da tragédia. O mais grave é que eles não têm sensibilidade. Para quem a tem,  é muito difícil não sofrer diante do desabafo de uma mãe, que viu o filho morrer soterrado, sem nada poder fazer.

“Se não encontrarem meu filho, eu passo o resto da minha vida tirando aquela lama de lá”.

Palavras da lavradora Patrícia dos Santos, 24, de Sumidouro, Rio de Janeiro.

Ela sabe que nada devolverá a vida do seu filho. O que ela quer é, tão somente, resgatar o seu corpo sem vida.