Hoje, pela manhã, resolvi fazer uma limpeza nos meus arquivos pessoais. Foram sacos e sacos de lixo de papeis, c0m os mais variados tipos de escritos da minha autoria. Muitos, como algumas poesias que escrevi na adolescência, sequer foram publicados; e acho que jamais o serão.
Pois bem. No meio dessas vários escritos encontrei uma palestra que proferi no Dentran, na semana de trânsito, há cerca de quinze anos.
Confesso que sequer me lembrava dessa palestra.
Resolvi, em face do achado, reler a mencionada palestra, da qual destaco o excerto que publico a seguir, a propósito do sistema carcerário.
“[…]O sistema prisional brasileiro tem uma carga de mazelas imensurável.
Cito, como exemplo, a ociosidade, a superlotação, a promiscuidade, a formação de grupos mafiosos, a lei do silêncio, o crucial problema sexual, o tóxico, as fugas, os motins, a violência de presos contra presos, a violência dos guardas prisionais contra presos, etc, etc.
A par do exposto, é preciso indagar, para que servem as prisões no Brasil?
Confesso que a prisão tem sido objeto constante das minhas preocupações, das minhas reflexões.
A prisão, sobretudo a injusta, tem sido alvo constante da minha indignação[…]
A prisão, seja qual for, leva o preso a uma estado de revolta, em face das suas condições sub-humanas, que se traduz, depois, por uma agressividade constante e pela utilização do recurso da violência.
As preocupação que externo em face dos malefícios da prisão não novidade.
Os primeiros protestos contra os efeitos deletérios do cárcere, contra as atrocidades da prisão, contra as ignomínias das cadeias de antanho, vieram inspirados no humanitarismo de Voltaire, Rousseau e Montesquieu.
O grito que fez mais eco e que ainda hoje ressoa, saiu das páginas memoráveis do livro dos Delitos e das Penas, de Beccaria, precursor, pioneiro dos direitos humanos.
Depois de Beccaria, foram inevitáveis as reflexões acerca da prisão, que, hoje, já não se ignora, não regenera, não ressocializa, nem reeduca ninguém. A contrário, segundo Evando Lins e Silva, corrompe, deforma, avilta, embutrece, é uma fábrica de reincidência, uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime.
Com todas as essas consequências, entendo mais do que justa a preocupação que aqui externo de que busquemos uma solução para que as prisões injustas de agora não proliferem, vez que quase sempre os destinatários dela são os mais humildes, a quem o Estado nega o acesso ao Poder Judiciário.
O mesmo Evandro Lins e Silva, do alto de sua experiência, proclama que, se não é possível eliminar a prisão de uma só vez, só devemos conservá-la para os casos em que ela é indispensável.
A experiência tem demonstrado a todos nós que não é a severidade da pena, que não é a cadeia, que faz refluir a criminalidade.
Esse discurso irresponsável serve de mote para o demagogo e aproveitador.
[…]
Pouco antes de morrer o renomado professor Heleno Cláudio Fragoso, exuberante penalista pátrio, em comentário a atual parte geral do Código Penal, escreveu que, como instituição, a prisão necessariamente deforma, ajustando-se à subcultura prisional. O problema da prisão, disse mais, é a própria prisão…Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se as que são comuns às nossas: superlotação, ociosidade e promiscuidade.
[…]
É em razão dessa prisão, que avilta, que corrompe e que deforma a personalidade, que Roberto Lyra fez sua autocrítica no livro intitulado Penitência de um Penitenciarista, ao ver um jovem másculo que acusara com fervor no Júri, tornar-se homossexual.
Recentemente assisti, vivenciei como juiz criminal duas cenas das mais repugnantes. Numa, o preso, sob suspeita de tentativa de estupro, foi currado por oito detentos, durante uma noite inteira, até que destroçaram o seu anus, com a conivência do sistema de segurança[…], fato por mim denunciado numa emissora local. Noutra cena, detiveram na Delegacia de Furtos um débil mental que, por razões burocráticas e por falta de assistência judiciária do estado, passou vários dias comendo fezes e bebendo urina, sob o olhar complacente de muitos.
[…]”
Passados mais de quinze anos dessas reflexões, posso afirmar que nada mudou.