O viés patológico da emulação

Nas sessões dos Tribunais e das Casas Legislativas  os  desentendimentos  vão além do campo das idéias.

Muitas vezes, importa dizer, são divergências pessoais mesmo, que regam e fazem vicejar inimizades hepáticas, encarniçadas, daquelas que não permitem uma reaproximação, um bom dia, um até logo, uma convivência pacífica e cordial, enfim.

Nos dias atuais, em face da transmissão das sessões dos Tribunais e das Casas Legislativas pelos veículos de comunicação, todos nós temos acesso a esses desentendimentos, alguns dos quais repugnantes.

Importa refletir que se essas discordâncias frutificassem apenas no campo das idéias, nada seria mais natural. Todavia, não é o que ocorre, muitas vezes –  infelizmente.

O lamentável nisso tudo é termos que admitir, porque a olhos vistos, que muitas dessas divergências são de cunho pessoal, de ego, de pura vaidade – de arrogância,  de prepotência, muitas vezes.

É necessário que se compreenda que se essas divergências afloram especificamente nas casas judiciais, se alcançam o paroxismo, se chegam à intensidade de um vulcão em erupção, delas decorrem, inelutavelmente, graves e, muitas vezes, irreparáveis prejuízos aos litigantes e à própria coletividade –  dependendo, claro,  do grau de interesse colocado em jogo.

Há, sim, não se pode negar, confrades que divergem por espírito de emulação e são capazes, até, de votar em desacordo com o desafeiçoado, só para não dar a ele o gostinho de estar na balada certa, ainda que terceiros sejam prejudicados em face dessa ou daquela deliberação. Isso se chama falta de espírito público, falta de humildade; insolência, coisa vã, prepotência –  também.

Na política, costuma-se ver, com certa frequência, o poderoso de plantão desconstruir a obra do adversário, por pura sacanagem, por vendeta, por vingança, objetivando, enfim, amealhar dividendos políticos, pouco se importando com as conseqüências do agir para o conjunto da sociedade.

Nas corporações, não é diferente e, sejam elas quais forem elas,  também vicejam as mesmas condutas equivocadas,  em face das idiossincrasias de alguns dos seus membros, despreparados para decidir coletivamente e para reconhecer o êxito de um colega, como se fosse pecado acertar, como se fosse leviano ser bem avaliado, sem respeitado e acreditado.

Lembro ter lido, num desses sítios que fazem menção às chamadas pérolas jurídicas, que, numa determinada Comarca, com duas varas, vários processos foram chamados à ordem, desnecessariamente, por um magistrado que substituiu o colega que estava em gozo de férias. A notícia dava conta de que os dois magistrados tinham sérias divergências pessoais; divergências, portanto, que iam muito além do campo das idéias, da interpretação dos textos legais. Por isso, sempre que um podia, tentava macular a imagem do outro, razão pela qual, nesse caso específico, o magistrado substituto danou-se a chamar os feitos do magistrado substituído à ordem, sem nenhuma mácula a contaminá-los, só para demonstrar, a quem pudesse interessar que, diferente do que parecia, o magistrado substituído não era tão esmerado assim, não era tão competente como fazia questão de apregoar nas rodas de bate-papos.

Claro que essa atitude se traduziu em perdas para a população – e para o erário – vez que foram refeitos, reproduzidos atos que, de rigor, não precisavam ser refeitos; e, depois, outra vez refeitos, com o retorno do titular.

É que, ao retornar das férias, o juiz titular da vara, sem pensar duas vezes, tornou sem efeito todos os despachos esquisitos do colega que o substituiu – sem perder a oportunidade de consignar nos autos o erro do colega, objetivando, da mesma forma, menoscabar, depreciar a sua imagem.

Essas divergências, que encontram terreno fértil nas corporações, beneficiam, no caso específico do Poder Judiciário, os infratores, os malfeitores, os litigantes de má-fé, os que fazem apologia da alicantina, quase sempre em detrimento do interesse público.

Juiz que diverge de promotor por questões menores, promotores que discrepam de juízes em benefício do próprio ego, integrantes de uma Corte de Justiça que se digladiam por questões de somenos, contribuem, sem dúvidas, para o descrédito das instituições e fazem a festa dos calhordas, dos que não querem que as instituições se fortaleçam, que funcionem a contento. Para esses, quanto mais as autoridades divergem, quanto mais os egos se inflamem, mais pavimentado fica o caminho para que passem à ilharga das dos órgãos persecutórios.

Juízes de SP e Rio defendem ação do Conselho de Justiça

Representante dos magistrados paulistas diz que ‘quem não deve não teme

Posições vão em linha oposta à da maioria das emitidas até agora pela categoria, que vê abusos em ação do CNJ

PAULO GAMA
DE SÃO PAULO
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO

Juízes de São Paulo e do Rio de Janeiro saíram nesta semana em defesa do poder de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre os magistrados.

As posições se contrapõem à maioria das opiniões emitidas até então pela categoria, que critica a atuação do órgão por considerá-la abusiva.

Empossado anteontem na presidência da Apamagis -associação que representa cerca de 3.000 magistrados paulistas-, o desembargador Roque Mesquita disse ontem que o CNJ “está plenamente autorizado a atuar da forma como vem atuando”.

“Sou da linha de que quem não deve não teme. A corregedoria do conselho pode investigar o que considerar pertinente e, depois, os que se sentirem prejudicados têm todo o direito de tentar obstar isso”, afirmou à Folha.

O debate sobre o poder de investigação do CNJ deflagrou uma guerra no meio jurídico depois que ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) limitaram provisoriamente a atuação do órgão.

Na primeira decisão, Marco Aurélio estabeleceu que o conselho não poderia investigar juízes antes da ação dos tribunais em que eles atuam.

Outra decisão, tomada no mesmo dia pelo ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu uma investigação sobre a folha de pagamento do Tribunal de Justiça de São Paulo e de outros 21 Estados.

SIGILO FISCAL

Essa investigação começou após um pedido do conselho para que um órgão do Ministério da Fazenda examinasse as movimentações financeiras de 217 mil magistrados e funcionários de tribunais. Sobre esse pedido, Mesquita diz que pode ter havido “abuso”.

Associações de juízes entenderam que a medida quebrava o sigilo fiscal dos atingidos e pediram ao STF que suspendesse a apuração.

Em apoio às investigações do CNJ, cinco magistrados do Rio decidiram abrir o sigilo fiscal, telefônico e bancário, como informou ontem o jornal “O Estado de S. Paulo”

“Estão fazendo uma tempestade em cima de um negócio muito simples. Não se quebrou o sigilo de ninguém. Só pediram informações. Basta informar e acaba”, diz o juiz João Batista Damasceno.

Além dele, apoiam a medida o juiz Marcos Peixoto e os os desembargadores Siro Darlan, Rogério Oliveira e Márcia Perrini. O TJ-RJ tem 900 juízes e 180 desembargadores.

“Isso me parece um embate entre o CNJ e as oligarquias regionais [os tribunais]. Somos agentes públicos e devemos prestar esclarecimentos”, avalia Damasceno.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra, defende a tese de que o conselho quebrou o sigilo dos magistrados, mas afirmou que respeita a opinião dos colegas.

Proteção corporativista

 STF acrescenta vírgulas à legislação e limita CNJ

Por Miguel Ângelo Cançado

A mais recente e tórrida crise interna em que se encontra a cúpula do Poder Judiciário brasileiro, com a concessão pelo Supremo Tribunal Federal de liminares que esvaziam os poderes e competências do Conselho Nacional de Justiça, me faz lembrar da lição de um velho professor de Direito que dizia: “meus filhos, ao lerem as leis, prestem bastante atenção às virgulas, pois é depois delas que estão as armadilhas e segredos que o legislador nos impõe”.

Nos últimos dias, e coincidentemente às vésperas do início do recesso judiciário nacional, ministros do Supremo concederam liminares restringindo a atuação do Conselho Nacional de Justiça, mais inovadora criação legislativa brasileira em termos de fiscalização do funcionamento do Poder Judiciário de que se tem notícia no Brasil.

Nesse contexto, o que vemos é que o STF, ao exercer sua tarefa constitucional de interpretar a Constituição Federal, com o direito inclusive de errar por último nessa seara hemenêutica, acresce vírgulas e reticências onde a vontade clara do legislador constituinte derivado não quis fazê-lo quando instituiu o controle externo do Poder Judiciário. Daí minha reminiscência ao velho mestre.

É inegável que o CNJ vem exercendo um papel há tempos ansiado pela sociedade brasileira, sobretudo por corrigir erros e mostrar que os desvios de condutas sabidamente praticados no âmbito do Poder Judiciário precisam ser investigados e punidos, com a observância do devido processo legal, mas sem amarras, e sem essa de dizer que só se pode investigar quando quem devia fazê-lo não o faz e, pior, não o faz por incompetência ou por puro sentimento de proteção corporativista dos mais abjetos.

Não tenho a menor dúvida em dizer que, se consultados os congressistas que votaram na chamada Reforma do Poder Judiciário, quando criou-se o CNJ, através da Emenda 45, o resultado que se irá encontrar é que não há um só que não tenha querido impor caráter censório concorrente ao órgão, de modo que ele possa atuar ao mesmo tempo que as corregedorias dos tribunais. Enfim, o que se quis, e cada vez se quer mais, é que houvesse o controle externo do Poder, com investigações que devem ter início logo que se tenha conhecimento de irregularidades, ainda que decorrentes de fatos de conteúdo meramente indiciário, e, quem acompanha o cotidiano do CNJ, sabe que ali se respeita mesmo o devido processo legal.

Ora, a leitura do texto constitucional vigente nos conduz à inequívoca conclusão de que em momento algum se pode dizer que o CNJ só pode agir quando as corregedorias não o fazem, senão, não teria sido dito com todas as letras e vírgulas que as atribuições do Órgão se exercem “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso…” (artigo 103-B, III).

Mas pensar que ministros da mais alta Corte de Justiça do país possam estar decidindo o destino do CNJ guiados por convicções rasteiras de preservação de um histórico nada recomendável de inoperância das corregedorias causa repulsa e haverá de levar a sociedade brasileira a reagir e bradar em alto e bom som: chega destas vírgulas retrógradas e autoritárias que, como sempre, são postas (ou acrescidas) contra a vontade popular para proteger quem deveria prontamente se dar a obrigação de prestar conta de seus atos abertamente, sem ressalvas e senões. E ponto!

Miguel Ângelo Cançado é diretor-tesoureiro da OAB nacional.

Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2012

Embriaguez ao volante

Testemunha substitui exame que comprova embriaguez

Por maioria de votos, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) acolheu apelação interposta pelo Ministério Público do Estado, retomando o prosseguimento da Ação Penal nº 172/2009 em desfavor de um réu acusado de dirigir embriagado. O acusado havia sido absolvido sumariamente pelo Juízo da Segunda Vara da Comarca de Juína, a 735km a noroeste de Cuiabá (Apelação nº 6745/2011).

Na decisão de Primeira Instância, o réu foi absolvido da prática da conduta tipificada no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro diante da inexistência de justa causa para a ação penal, perante a ausência de prova técnica que demonstrasse a concentração de álcool por litro de sangue. No processo contra o acusado não há exame de sangue ou de alcoolemia que comprove o grau de embriaguez.  

Porém, o MPE defendeu que a comprovação do estado alcoólico poderia ser operada por meio de outras provas, como se deu no caso, através de testemunhas. O segundo vogal, desembargador Alberto Ferreira de Souza, argumentou que a prova testemunhal pode suprir a falta dos exames que comprovam a embriaguez, lembrando que é dado ao juiz a possibilidade formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, só não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.

“Arredada, portanto, a possibilidade de comprovação da embriaguez exclusivamente por perícia técnica, mesmo diante da atual redação do art. 306 do Código Brasileiro de Trânsito, a nosso juízo, a prova de que o agente agia sob a influência de álcool pode ser feita por qualquer meio idôneo, inclusive pela observação comum de testemunhas (art. 167 do CPP)”, descreve trecho do voto do desembargador, cujo voto foi seguido pela primeira vogal do recurso, juíza substituta de Segundo Grau Graciema Ribeiro de Caravellas.

O desembargador Gérson Ferreira Paes, relator da apelação, teve voto vencido. O magistrado entende ser imprescindível o teste de alcoolemia, visto que a prova testemunhal e os exames clínicos não seriam aptos para atestarem essa informação técnica e, portanto, não supririam a ausência daquele.

Fonte: Tribunal de Justiça do Mato Grosso
Autor: Coordenadoria de Comunicação do TJMT
Categoria: Direito Penal

A polêmica parece não ter fim

Portar arma de fogo desmunicada é crime? 

Desde a publicação da Lei n. 10.826/03 os operadores do Direito enfrentam uma questão tormentosa: o porte de arma de fogo desmuniciada, não tendo o seu portador munição ao seu alcance,  tipifica, especificamente,  o crime do artigo 14, do Estatuto do Desarmamento?

Os Tribunais, em face dessa questão, têm se dividido. O próprio STF, guardião da Constituição, tem agido, com efeito,  de forma pendular ao exame de fatos concretos em torno da quaestio. Primeira Turma desse Sodalício, reformulando antigo posicionamento ( RHC 81.057/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/acórdão Min. Sepúlveda Pertence), passou a se pronunciar no sentido de que, para tipificação do crime de porte ilegal de arma, não importa estar ou não a arma municiada( STF, HC 96072/RJ, Min. Ricardo Lewandowski, 09/04/2010).

Os argumentos que levam ao entendimento acerca da  atipicidade da conduta de quem porta arma de fogo desmuniciada são os mais diversos. Destaco, dentre eles, o  que dá realce aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso, que foi, afinal, o principal – mas não o único – argumento do voto do Min. Sepúlveda Pertence, no HC antes mencionado. Segundo o entendimento esposado pelo ilustrado magistrado, o cuidar-se de crime de mera conduta, no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação, não implica admitir sua existência independentemente de lesão, ou potencial, ao bem jurídico tutelado pela incriminação.

Do  voto em comento  colho, ademais, o argumento segundo o qual “não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os praticáveis mediante ameaça – pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos – da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena”.

Registro que a divergência acerca da  quaestio, como sói ocorrer, não é “privilégio” do STF. O STJ, de igual forma, também tem divergido acerca da quaestio. A Sexta Turma, verbi gratia, através dos votos do Ilustre Min. Nilson Naves, tem entendido que não há crime, se o porte for de arma de fogo desmuniciada, sem projétil ao alcance;  a Quinta Turma, pelo voto do Min. Arnaldo Esteves, entende  de forma antípoda, ou seja, nessa hipótese, em face do poder intimidador da arma,  há crime, sim, independentemente de estar ou não municiada.

E assim vão decidindo os diversos pretórios nacionais, dentre os quais o TJ/MA, cuja Primeira Câmara, em sua composição anterior à minha permuta para Segunda Câmara, vinha decidindo, iterativamente, pela atipicidade da conduta em face do porte de arma de fogo desmuniciada e sem artefato ao alcance do seu condutor.

O certo é que, com o novo entendimento da  Primeira Turma do  STF, serão reputadas criminosas as condutas de portar arma sem munição e portar munição isoladamente, em face do venerável, mas discutível,  entendimento, de que o perigo abstrato pode ser presumido de modo absoluto, de modo a considerar delituosos comportamentos totalmente ineficazes de ofender o interesse penalmente tutelado.

Destaco que o STF, até 2005, antes, portanto, do julgamento do HC 81.057/SP, da relatoria da Min. Ellen Gracie, acima mencionado, vinha esposando entendimento oposto, ou seja, de que o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada era típico – pelo perigo presumido – , entendimento que, agora, em 2010, como suso anotado,  passou a esposar novamente.

O Min.  Cezar Peluso, que acompanhou a divergência inaugurada pelo Min. Sepúlveda Pertence  – vencidos, in casu, Ellen Gracie ( relatora) e Ilmar Galvão – em determinado excerto do seu voto no qual posicionou-se pela atipicidade da conduta de arma de fogo desmuniciada,  aduziu: “Enquanto uma arma municiada pode representar risco de dano, ou perigo, à incolumidade pública, à segurança coletiva enfim, uma arma desmuniciada já não goza, por si só dessa aptidão, O mero porte de arma de fogo desmuniciada não tem a capacidade para meter em risco o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora”.

A Ministra Ellen Gracie, de seu lado, suplantada em seus argumentos pela divergência, argumentou, em defesa da tese da tipicidade da conduta: “O fato de estar desmuniciado o revólver não o desqualifica como arma, tendo em vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou morte, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação”.

Tenho seguido, até aqui, a linha de entendimento do Min. Peluso,  e de uma infinidade de autores contemporâneos,  segundo os quais a lesividade e a ofensividade são a pedra de toque para tipificação do crime de porte ilegal de arma de fogo. É dizer: portar  arma de fogo desmuniciada  – desde que, claro, não haja ao alcance do portador nenhum projétil, nenhum artefato –  não é crime, ainda que se realce o seu poder de intimidação para pratica de outros crimes, particularmente os comissíveis mediante ameaça, na certeza de que outros instrumentos também podem ser utilizados com essa finalidade,  e o seu porte, nada obstante,  não constitui crime autônomo.

A questão, é bem de se ver, está muito longe de ser pacificada, sobretudo agora, com o lançamento de um manual de autoria do  professor e promotor de Justiça do Tocantins,  Felício Soares Manual sobre Armas de Fogo –  que promete colocar “lenha na fogueira”, em face das instigantes reflexões nele albergadas.

Do prefácio do livro, de autoria do também promotor de justiça Roberto Tardelli, do I Tribunal do Júri do Estado de São Paulo, destaco o excerto em que confessa, com singular sinceridade, que, antes do livro (de Felício Soares, claro ) entendia que arma de fogo era somente aquela pronta e apta para uso. Fora disso, confessa, as armas  não eram mais  que engenhocas inofensivas e, como tal, não interessariam ao Estado. E arremata:

Dizia isso com a convicção beata dos ignorantes. Fui convencido do contrário pelo livro”.

Ainda não tive acesso ao livro, tanto que as informações que faço em face dele decorrem da matéria que capturei no Consultor Jurídico, de autoria do jornalista Robson Pereira.

Aliás, o próprio repórter de o Consultor Jurídico, a provocar em mim especial ansiedade acerca do livro em comento,  em determinado excerto, adverte:

É difícil não se render às evidências e aos argumentos reunidos por Felício Soares para contrapor importantes doutrinadores ou julgadores que consideram armas e munições como objetos dissociados, onde o poder do primeiro só se manifesta na presença do segundo. Sua convicção é tamanha que, em nenhum momento, precisa valer-se da inquestionável capacidade de intimidação do objeto analisado, centralizando suas análises à viabilidade relativa de uma arma efetivamente provocar disparo e, assim, “cumprir” os objetivos para a qual foi concebida.

Não vejo a hora, pois, de ler o manual em comento, pois que, a partir dele, quem sabe, poderei assumir, definitivamente, uma posição acerca de tão instigante questão. Por enquanto, sigo adotando a mesma linha de entendimento: o porte de arma de fogo desmuniciada e sem projétil ao alcance do seu portador, não é crime, razão pela qual tenho, no segundo grau, reformado as decisões de primeiro grau em sentido contrário. 

Juízes investigados?

Tribunal de SP vai investigar folha de pagamento de juízes

Novo presidente do maior tribunal da América Latina anuncia auditoria

Suspeita é que juízes foram privilegiados no pagamento de valores atrasados; caso levou Judiciário a uma crise

Eduardo Anizelli/Folhapress
Ivan Sartori dá entrevista depois de tomar posse como presidente do TJ de São Paulo
Ivan Sartori dá entrevista depois de tomar posse como presidente do TJ de São Paulo

FLÁVIO FERREIRA

DE SÃO PAULO

A nova gestão do Tribunal de Justiça de São Paulo vai investigar os pagamentos feitos pelas administrações anteriores e apurar supostos casos de desembolsos ilegais ou feitos de forma privilegiada a magistrados da corte.

A medida foi anunciada pelo desembargador Ivan Sartori, que ontem tomou posse para presidir o TJ. Ele vai comandar o maior tribunal da América Latina, com mais de 19 milhões de causas em primeira e segunda instância, no biênio 2012-2013.

“Pedi um levantamento para o setor próprio de todos os pagamentos adiantados e indevidos. Isso vai ser entregue e vou instaurar um procedimento”, afirmou Sartori. “Vou falar com os colegas, chamar um a um e vamos ver o que eles têm a dizer.”

Um dos alvos será o pagamento de auxílio-moradia a um grupo de 17 desembargadores supostamente de forma privilegiada.

Cada um destes magistrados teria recebido de uma só vez cerca R$ 1 milhão. Os juízes do TJ, em geral, recebem a verba em parcelas.

CRISE

A investigação desses desembolsos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em uma inspeção iniciada no dia 5 de dezembro, revelada pela Folha, levou o Poder Judiciário a uma crise.

Em 20 de dezembro o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar para suspender a investigação no TJ paulista.

Lewandowski, que foi desembargador em São Paulo, está na lista de juízes que receberam os pagamentos. Ele diz que não se beneficiou da liminar pois não é e não pode ser investigado pelo CNJ.

Em defesa do ministro, a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) criticou a atuação do CNJ e pediu ao Ministério Público que investigue a conduta de sua corregedora, Eliana Calmon.

Sartori disse que serão analisados os pagamentos de licenças-prêmio, que foram calculadas levando em conta o período em que 22 desembargadores trabalharam como advogados, antes de ingressar no serviço público.

Indagado sobre juízes do Rio de Janeiro que teriam decidido abrir mão de seu sigilo fiscal e bancário em apoio ao CNJ, o novo presidente do TJ declarou:”Abro meu holerite, abro minha minha vida, abro meu imposto de renda. Não tenho o que temer, não recebi nada adiantado. O que não pode é alguém invadir o sigilo fiscal do outro sem ordem judicial. Isso não.”

Para ele, os dados sobre movimentações financeiras atípicas pedidos pelo CNJ ao Ministério da Fazenda são sigilosos. O CNJ não considera que seu pedido configure quebra de sigilo.

Sartori fez uma defesa dos juízes de São Paulo. “Sabemos que aqui 99,9% dos colegas são honrados, que trabalham de sol a sol, enxugam gelo praticamente aqui no tribunal e merecem todo o nosso respeito.”

O presidente do TJ em 2011, José Roberto Bedran, disse que não se manifestará sobre as apurações. Seu antecessor, Antonio Carlos Viana Santos, morreu em janeiro passado.

Sartori defendeu que o CNJ só investigue casos após o fim das apurações das corregedorias locais: “No tempo do regime militar não se respeitava o devido processo legal. Queremos andar junto com o CNJ, mas queremos que seja respeitada a Constituição”.

Matéria capturada na Folha de São Paulo de hoje

Prisão é a extrema ratio da ultima ratio

Tenho reafirmado que o processo penal, em qualquer sociedade democrática, só se legitima se constituído a partir da sua Constituição.

A uma Constituição democrática, tenho dito, deve corresponder, necessariamente, um processo penal também democrático, a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais do indivíduo.

Essas premissas visam reafirmar que, especialmente no que se refere às prisões provisórias, elas não devem ser implementadas ao sabor das conveniências do julgador, ao sabor das circunstâncias, sem uma base empírica e legal que a legitime.

A prisão preventiva, com efeito, não é um fim em si mesma. E aquele magistrado que, a pretexto de dar uma resposta imediata à opinião pública, decreta uma prisão, sem que demostre, quantum satis, a sua real necessidade, flerta com a arbitrariedade, pois coloca o sistema penal apenas a serviço do poder punitivo (Direito penal), passando à ilharga da Constituição, solapando, na mesma balada, princípios comezinhos de direito, dentre os quais avulta com especial importância o da dignidade da pessoa humana.

O que tenho testemunhado, com preocupação, é que, muitas vezes, em face mesmo do estrépito do crime, tem-se incrementado as prisões provisórias como supedâneo das decisões condenatórias transitadas em julgado, dando a elas, nesse sentido, contornos de punição antecipada, conquanto se saiba que, sobretudo agora, com as inovações acerca das medida cautelares(cf. Lei 12.403/2001), a prisão, mais do que nunca, constitui-se a extrema ratio da ultima ratio.

Tenho reafirmado que não se deve fazer cortesia com o direito alheio, mesmo correndo o risco de ser incompreendido.

O juiz, essa tem sido a tônica das minhas decisões, não deve decidir conforme o desejo da maioria.

O juiz, digo mais, não pode quedar-se inerte diante de violações ou ameaças de lesão a direitos fundamentais.

O juiz, no processo penal – que é o que interessa para essas reflexões – não deve ter atuação política, mas constitucional, que se consolida à medida que, com as suas ações, protege direitos fundamentais, ainda que, nesse desiderato, tenha que adotar posição contrária à maioria.

É de Ferrajoli a lição: “o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão”.

Francesco Carnelutti adverte que a prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasiona-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, que é meio indispensável para o cirurgião, que, no entanto, dela não pode abusar.

Para encerrar, relembro que a dignidade da pessoa humana é o valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica – constitucional e infraconstitucional.

De acordo

Magistrados abrem dados bancários a corregedores para apoiar CNJ


Cinco magistrados do Rio de Janeiro abriram mão do sigilo bancário, fiscal e telefônico para apoiar as investigações do Conselho Nacional de Justiça sobre movimentação financeira de juízes. “Sou dos que não confundem pedido de informação sobre folha de pagamento com quebra de sigilo. Minha decisão é para fortalecer o poder do CNJ”, disse o juiz João Batista Damasceno. O CNJ iniciou uma investigação que gerou polêmica entre os juízes após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar 3,4 mil movimentações financeiras atípicas nas contas de membros do judiciário. O Conselho apura o pagamento retroativo referente a auxílio-moradia que era pago a deputados, e que foi estendida a magistrados de todo o País. Além de Damasceno, o juiz Marcos Peixoto e os desembargadores Siro Darlan, Rogério Oliveira e Márcia Perrini também abriram mão do sigilo. Informações do Estadão.