A uma Constituição democrática, tenho dito, deve corresponder, necessariamente, um processo penal também democrático, a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais do indivíduo.
Essas premissas visam reafirmar que, especialmente no que se refere às prisões provisórias, elas não devem ser implementadas ao sabor das conveniências do julgador, ao sabor das circunstâncias, sem uma base empírica e legal que a legitime.
A prisão preventiva, com efeito, não é um fim em si mesma. E aquele magistrado que, a pretexto de dar uma resposta imediata à opinião pública, decreta uma prisão, sem que demostre, quantum satis, a sua real necessidade, flerta com a arbitrariedade, pois coloca o sistema penal apenas a serviço do poder punitivo (Direito penal), passando à ilharga da Constituição, solapando, na mesma balada, princípios comezinhos de direito, dentre os quais avulta com especial importância o da dignidade da pessoa humana.
O que tenho testemunhado, com preocupação, é que, muitas vezes, em face mesmo do estrépito do crime, tem-se incrementado as prisões provisórias como supedâneo das decisões condenatórias transitadas em julgado, dando a elas, nesse sentido, contornos de punição antecipada, conquanto se saiba que, sobretudo agora, com as inovações acerca das medida cautelares(cf. Lei 12.403/2001), a prisão, mais do que nunca, constitui-se a extrema ratio da ultima ratio.
Tenho reafirmado que não se deve fazer cortesia com o direito alheio, mesmo correndo o risco de ser incompreendido.
O juiz, essa tem sido a tônica das minhas decisões, não deve decidir conforme o desejo da maioria.
O juiz, digo mais, não pode quedar-se inerte diante de violações ou ameaças de lesão a direitos fundamentais.
O juiz, no processo penal – que é o que interessa para essas reflexões – não deve ter atuação política, mas constitucional, que se consolida à medida que, com as suas ações, protege direitos fundamentais, ainda que, nesse desiderato, tenha que adotar posição contrária à maioria.
É de Ferrajoli a lição: “o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão”.
Francesco Carnelutti adverte que a prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasiona-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, que é meio indispensável para o cirurgião, que, no entanto, dela não pode abusar.
Para encerrar, relembro que a dignidade da pessoa humana é o valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica – constitucional e infraconstitucional.