STF acrescenta vírgulas à legislação e limita CNJ
Por Miguel Ângelo Cançado
A mais recente e tórrida crise interna em que se encontra a cúpula do Poder Judiciário brasileiro, com a concessão pelo Supremo Tribunal Federal de liminares que esvaziam os poderes e competências do Conselho Nacional de Justiça, me faz lembrar da lição de um velho professor de Direito que dizia: “meus filhos, ao lerem as leis, prestem bastante atenção às virgulas, pois é depois delas que estão as armadilhas e segredos que o legislador nos impõe”.
Nos últimos dias, e coincidentemente às vésperas do início do recesso judiciário nacional, ministros do Supremo concederam liminares restringindo a atuação do Conselho Nacional de Justiça, mais inovadora criação legislativa brasileira em termos de fiscalização do funcionamento do Poder Judiciário de que se tem notícia no Brasil.
Nesse contexto, o que vemos é que o STF, ao exercer sua tarefa constitucional de interpretar a Constituição Federal, com o direito inclusive de errar por último nessa seara hemenêutica, acresce vírgulas e reticências onde a vontade clara do legislador constituinte derivado não quis fazê-lo quando instituiu o controle externo do Poder Judiciário. Daí minha reminiscência ao velho mestre.
É inegável que o CNJ vem exercendo um papel há tempos ansiado pela sociedade brasileira, sobretudo por corrigir erros e mostrar que os desvios de condutas sabidamente praticados no âmbito do Poder Judiciário precisam ser investigados e punidos, com a observância do devido processo legal, mas sem amarras, e sem essa de dizer que só se pode investigar quando quem devia fazê-lo não o faz e, pior, não o faz por incompetência ou por puro sentimento de proteção corporativista dos mais abjetos.
Não tenho a menor dúvida em dizer que, se consultados os congressistas que votaram na chamada Reforma do Poder Judiciário, quando criou-se o CNJ, através da Emenda 45, o resultado que se irá encontrar é que não há um só que não tenha querido impor caráter censório concorrente ao órgão, de modo que ele possa atuar ao mesmo tempo que as corregedorias dos tribunais. Enfim, o que se quis, e cada vez se quer mais, é que houvesse o controle externo do Poder, com investigações que devem ter início logo que se tenha conhecimento de irregularidades, ainda que decorrentes de fatos de conteúdo meramente indiciário, e, quem acompanha o cotidiano do CNJ, sabe que ali se respeita mesmo o devido processo legal.
Ora, a leitura do texto constitucional vigente nos conduz à inequívoca conclusão de que em momento algum se pode dizer que o CNJ só pode agir quando as corregedorias não o fazem, senão, não teria sido dito com todas as letras e vírgulas que as atribuições do Órgão se exercem “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso…” (artigo 103-B, III).
Mas pensar que ministros da mais alta Corte de Justiça do país possam estar decidindo o destino do CNJ guiados por convicções rasteiras de preservação de um histórico nada recomendável de inoperância das corregedorias causa repulsa e haverá de levar a sociedade brasileira a reagir e bradar em alto e bom som: chega destas vírgulas retrógradas e autoritárias que, como sempre, são postas (ou acrescidas) contra a vontade popular para proteger quem deveria prontamente se dar a obrigação de prestar conta de seus atos abertamente, sem ressalvas e senões. E ponto!
Miguel Ângelo Cançado é diretor-tesoureiro da OAB nacional.
Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2012