Quando idealizei este blog, pensei, täo somente, em utilizar as suas ferramentas para tentar humanizar a figura do juiz, passar ao leitor informaçöes que pudessem amenizar a estranha e tenebrosa imagem de um ser humano que coloca uma capa escura sobre os ombros para julgar o semelhante. Nesse sentido, tenho escrito muito sobre as nossas açöes, no afä de deixar claro que, diferente do que pensam, nós temos muita sensibilidade e que é um rematado equívoco pensar que estar no poder é apenas glamour.
No caso específico dos magistrados, sobretudo do desembargador, há quem pense, em face de uma má impressäo construída no passado e alimentada por algumas açöes desenvolvidas no presente, que näo temos nenhuma sensibilidade, que que nos fascina é o cargo, que o que nos embevece é o carro preto e o fascínio que decorre de estar podendo, para usar uma linguagem da moda.
Pensar assim, no entanto, é um grande e injusto equívoco, pois a a absoluta maioria de nós tem, sim, espírito público, convindo anotar que, näo raro, desenvolvemos, muitas vezes em silëncio, paralelamente, sem que a mídia e grande parte da comunidade tenha conhecimento, além do mister de julgar, atividade-fim das nossas açöes, outras tantas açöes objetivando servir à comunidade, a reafirmar o nosso compromisso com essa mesma comunidade.
Faço essa linha de introduçäo apenas para deixar claro que nós, magistrados de segundo grau – em especial, em face da competência, os que lidamos com questöes criminais – näo nos sentimos confortáveis quando somos obrigados a, por exemplo, conceder uma ordem de habeas corpus, em face da ilegalidade de uma prisäo. É que fica em nós a nítida sensaçäo que, assim agindo, näo contribuimos para melhorar a sociedade. Ocorre que, diante de uma ilegalidade, por mais imerecedor que seja o paciente aos olhos da comunidade, nós näo podemos manter uma prisäo ilegal, pois que, procedêssemos de outra forma, seria negar, a toda evidëncia, o próprio Estado de Direito.
Semana passada, antes de viajar, a Segunda Câmara Criminal, da qual faço parte, concedeu uma ordem de habeas corpus em favor de um acusado de crime de estupro, tendo em vista a falta de fundamentaçäo da decisäo que manteve a sua prisäo, quando da sentença condenatória.
Quem assistiu a sessäo testemunhou o quanto foi difícil para nós ter que relaxar a prisäo do paciente, sabedores que somos, tanto quanto o jurisdicionado, de que esse tipo de decisäo, conquanto reafirme o Estado Democrático de Direito, vilipendia ainda mais a nossa credibilidade, a estimular a sensaçäo de impunidade. Todavia, ainda que lamentássemos, outra coisa näo podia ser feita que näo restituir a liberdade do paciente, em face da ilegalidade do ergástulo.
Com a narraçäo desse episódio o que almejo é, simplesmente, remarcar, com todas as letras, que nós, magistrados, näo somos, como muitos pensam, insensíveis e que, vivendo na mesma comunidade que o jusrisdicionado, também lamentamos quando temos que desenvolver à comunidade os que com ela tenham uma relaçäo conflituosa.