Fui juiz criminal por mais de vinte anos, em Imperatriz e São Luis.
Ao assumir a segunda instância, passei a integrar uma Câmara Criminal, há mais de dois anos, portanto.
Vê-se, assim, que pelo menos experiência tenho bastante para fazer as reflexões que faço a seguir.
Com a experiência acumulada durante tanto tempo em face das questões criminais, posso afirmar, sem hesitação, que uma das causas da criminalidade é, sim, a quase certeza da impunidade, nos que se refere aos, digamos, pequenos meliantes, e a convicção dela, em face da, digamos, grande criminalidade.
Não é por outra razão que os assaltos se multiplicam, muitos dos quais à luz do dia, sem mais surpreender. Não é por outra razão, outrossim, que os meliantes das classes mais favorecidas continuam “assaltando” os cofres públicos, a inviabilizar programas essenciais de interesse da coletividade.
Todos sabem – do pequeno ao grande meliante – que punição é uma loteria e que só mesmo por falta de sorte responderão pelos crimes que eventualmente cometam.
Nesse cenário, não adiante exacerbar as reprimendas penais. Da mesma forma, não adiante criar novas figuras penais, se elas não saem, em face da maioria dos crimes, de sua abstração.
O ideal mesmo seria que todos que cometessem crimes tivessem a certeza de que em face deles seriam punidos. Não é o que ocorre, entrementes.
A verdade é que, como está, de nada valerá a reforma penal que se limitar a criar novas figuras típicas ou que exasperem as penas.em face, repito, do sentimento, da sensação da impunidade; sensação que, não raro, desestimula a noticia dos fatos criminosos pelas próprias.
Recordo que, ao tempo em que atuava na 7ª Vara Criminal, condenei um assaltante que havia roubado, várias vezes – por cinco ou sete vezes vezes , não me recordo bem – a mesma vítima, no mesmo lugar, nas mesmas condições – à luz do dia, à vista de todos, sem enleio, sem receio, descaradamente, sem sequer se preocupar em esconder o rosto.
Lembro de ter ouvido da dona do comércio que quando avistava o meliante à distância, dirigindo-se ao seu comércio, se limitava a pedir a Deus que ele se decidisse apenas pela subtração dos bens materiais e que não lhe fizesse nenhum mal, pois tinha uma família que precisa dela.
Intrigado com a petulância do assaltante, indaguei-lhe, no interrogatório, por que assaltar a mesma vítima tantas vezes, ao que me respondeu, candidamente, que o fazia porque, até então, não tinha sido punido, mas que, doravante, pretendia mudar de vida, em face da informação que tivera, ainda na Delegacia, de que, estando em minhas mãos, seguramente seria punido.
A dono do comércio reconheceu o meliante, que, claro, foi condenado. Só que, infelizmente, ela não teve mais condições de trabalhar, abalada psicologicamente em face dos crimes que a vitimaram durante tanto tempo.
Esse fato serve para reafirmar a minha convicção de que a criminalidade não refluirá se os criminosos não tiverem a certeza de que serão punidos.
Os prefeitos municipais, da mesma forma, enquanto tiverem a certeza de que podem usar o dinheiro público como bem lhes aprouver, também não refluirão. A certeza que eles têm de que nada lhes acontecerá é o estímulo que precisam para continuar promovendo desvio de verbas públicas, convindo anotar que desse desvio se benefecia todaa – ou parte relevante – a sua entourage.
No caso dos prefeitos municipais, o que é mais lamentável, é que, culturalmente, a população acha normal que ele – e grande parte dos acólitos – enriqueça no exercício do cargo, ainda que, em face dos desvios de verbas, receba apenas as migalhas, traduzidas numa garrafa de cachaça, num passagem de ônibus, no café e no açucar para um velório ou no aviamento de uma receita.
PS. Reconheço que, especialmente no que se refere ao prefeitos municipais, aqui mencionados a guisa de exemplo, há exceções – e muitas. Refiro-me, pois, aos maus administradores, no sentido amplo da palavra, pois que, fosse diferente, estaria sendo leviano; e leviandade, definitivamente, é incompatível com o exercício da magistratura.