“[…]Em face da frouxidão legislativa e da leniência com que essas questões são tratadas pelas instâncias de controle, o que tem ocorrido, com certa frequência, é que os autores crimes dessa natureza resultam impunes, muitos dos quais beneficiados pela prescrição, executória ou da pretensão punitiva, incutindo na sociedade um malfazejo sentimento de que vale a pena ser desonesto[…]”.
Todos veem, todos percebem, todos sentem, e muitos até se revoltam com a grave e danosa sensação de impunidade que decorre da frouxidão da legislação – e a leniência das instâncias de controle – com os que desviam o dinheiro público.
Para esses casos, as leis, parecem (?) ter sido feitas para não ter consequência prática. São leis frouxas, as quais, somadas, em alguns casos, ao descaso das instâncias de controle, não atendem às expectativas da população; antes, revolta, quando não funciona como estímulo aos que assumem a direção de uma entidade pública, movidos pelo desejo de auferir vantagens de ordem pessoal.
Por isso, tenho reafirmado, nos meus votos, com indisfarçada revolta, sempre que julgamos alguém em face do desvio de verbas públicas, que, para esses crimes, as penas deveriam ser maiores, de modo que dificultassem a prescrição e, no mesmo passo, possibilitassem que os autores efetivamente cumprissem penas presos (além, claro, do ressarcimento dos cofres públicos), o que não ocorre nos dias presentes, posto que, via de regra, quando condenados (o que já é incomum), são beneficiados com penas alternativas, as quais, pela falta de rigor, deixam na população a sensação de que não houve punição.
Nesse cenário, tenho dito, reiteradas vezes, que todos nós, responsáveis pelas instâncias de controle, deveríamos expender esforços no sentido de julgar, a tempo e hora, os agentes que malversam verbas públicas, para que se crie na sociedade uma cultura punitiva que possa desestimular essas práticas, cujos efeitos para o conjunto da sociedade, de tão graves que são, não é possível avaliar, embora se constate que, por isso, os serviços públicos são, muitas vezes, de péssima qualidade.
Tenho consignado, da mesma forma e com a mesma sofreguidão, que os nossos legisladores precisam pensar seriamente na reformulação das nossas leis, para possibilitar que as punições se façam mais efetivas e eficazes; para que os potenciais ladravazes do dinheiro público se sintam desestimulados a persistir nas suas ações danosas em detrimento do patrimônio público.
Em face da frouxidão legislativa e da leniência com que essas questões são tratadas pelas instâncias de controle, o que tem ocorrido, com certa frequência, é que os autores crimes dessa natureza resultam impunes, muitos dos quais beneficiados pela prescrição, executória ou da pretensão punitiva, incutindo na sociedade um malfazejo sentimento de que vale a pena ser desonesto.
Essa situação nos deixa a todos em situação desconfortável perante o jurisdicionado, pois as pessoas, definitivamente, já não conseguem entender por que prendemos o batedor de carteira e não somos capazes de punir os que desviam milhões e milhões de reais destinados à saúde e educação, para ficar apenas em dois exemplos.
O grave é que essas figuras encontram sempre, em qualquer instância, alguma pessoa influente a agir em seu benefício – o que é condenável – ou advogados habilidosos a defender teses bem alinhavadas em razão das quais muitos são absolvidos – o que é compreensivo, gerando, todavia, por uma via ou outra, a incompreensão e o inconformismo do cidadão comum, que não entende por que, definitivamente, não somos todos iguais perante a lei.
Entendo que enquanto não formos capazes de punir exemplarmente esse tipo de criminoso – que vive esnobando com o dinheiro público, às vezes frequentando o mesmo ambiente frequentado por nós, como se fosse um igual, distribuindo afagos e abraços em tantos quantos estão a sua volta -, deveríamos, no mínimo, nos sentir envergonhados de prender e punir apenas os ladrões de galinha, o batedor de carteiras ou o pequeno traficante.
A jornalista de Época, Ruth de Aquino, a propósito, disse, certa feita, que “quem rouba para encher seu bolso e o bolso de filhos e parentes, ou então para ganhar eleições, deveria ter uma punição exemplar. Quem desvia centenas de milhões de dólares de dinheiro público e de nossas estatais, num país em que tudo falta – educação, saúde, segurança, saneamento, habitação, transporte, infraestrutura, dignidade –, está assaltando a infância, a juventude, a velhice, os ideais e o futuro do Brasil. Para criminosos dessa estirpe, o que a Justiça dos homens deveria reservar seria a cassação de direitos políticos e cadeia. Simples assim. Deveria ser simples assim.”
É de Luis Barroso a afirmação de que no Brasil é muito mais fácil punir um jovem que tenha consigo 100 gramas de maconha do que o empresário ou servidor público que fraudou uma licitação em um milhão de reais, para concluir, com a habitual lucidez, que “temos uma justiça que é mansa com os ricos e dura com os pobres”.