As decisões judiciais, todos sabemos, devem ser devidamente fundamentadas. Se a decisão condiz com a prisão de um determinado acusado, com muito mais razão deve ser fundamentada- bem fundamentada, registre-se.
Nesse sentido, ao tempo em que atuei no primeiro grau, apesar de tentar me esmerar ao máximo para bem fundamentar as minhas decisões, eu sempre achava, inquieto, que, ainda assim, não tinha me saído bem, sobretudo quando, estupefato, via as minhas decisões serem defenestradas no segundo grau, sob a pecha de falta de fundamentação. Algumas vezes fiquei até indignado. Hoje, estando aqui, compreendo bem essas questões.
O meu empenho no exame dessas questões era tamanho que, em nenhuma oportunidade, ao que me recorde, fundamentei um decreto de prisão preventiva limitando-me a incorporar ao texto da minha decisão as razões expendidas, ad exempli, no parecer ministerial.
Todavia, é de rigor que se anote, nisto não há nenhum ilegalidade. Os Tribunais, ao reverso, aceitam, sem exceção, a chamada fundamentação per relationem ou aliunde.
Nesse sentido é a orientação fixada pelo STF em diversos precedentes, entendendo por legítima, repito, a fundamentação per relationem, à luz do artigo 93, IX, da CF, desde que os fundamentos existentes aliunde, a que haja reportado a decisão, atendessem às exigências estabelecidas pela jurisprudência do próprio STF .
Inobstante o entendimento do STF e conquanto nunca tenha questionado esse tipo de fundamentação, a mim não me parece o mais consentâneo.
Explico. Eu fico sempre com a sensação – nada mais que isso, convém sublinhar – de que o magistrado que assim procede o fez por mero comodismo.
Eu fico sempre achando, certamente equivocado, que ele não decidiu convicto do que estava fazendo.
É que, muitas vezes, não se há de negar, é cômodo mesmo apenas transcrever os argumentos já delineados.
É claro que, por pensar assim, devo ser, mais uma vez, incompreendido.
Haverá, decerto, os que, vaidosos e arrogantes, argumentem, ingenua ou espertamente, que nós, magistrados, fazemos parte de uma corporação composta de anjos; anjos que, por serem anjos, não seriam capazes a subscrever decisões com fundamentos capturados em pareceres do órgão ministerial, por mera conveniência ou pachorra.
Sobreleva gizar que acho perfeitamente aceitável que, no corpo de uma decisão, se faça – e até se reproduza – menção a excertos de decisões similares, a guisa de reforço, ou, até mesmo, para seguir a linha de raciocínio até aqui esposada, nacos do parecer ministerial. Isso é mais que comum. Não há, pois, nenhum pecado nisso.
O que, desde o meu ponto de obervação, me incomoda, a toda evidência, é um magistrado decidir, simplesmente, sem adição de qualquer outro argumento, numa posição de absoluta – pelo menos, aparente – indiferença para com os fundamentos do decisum, com esteio em argumentos que não foram por ele esgrimidos.
Registro, agora a guisa de esclarecimento, que não nunca deixei de considerar uma decisão que se faça mediante fundamentação per relationem ou aliunde; eu, simplesmente, tenho receio de que, aqui e acolá, se possa decidir dessa forma por pura comodidade.
O direito brasileiro, reafirmo, não proscreve, em absoluto, a possibilidade de o juiz fundamentar a sua decisão mediante remissão a uma promoção ministerial, a cujo conteúdo, por óbvio, adere.
O que fica em mim, quase sempre, quando me deparo com decisões com essa roupagem, é a sensação – equivocada, espero – de que não se trata de uma decisão pessoal do juiz, mas apenas e tão somente, um seguir os passos, um ir atrás, sem ter formado, verdadeiramente, a sua convicção.
Compartilho o seu entendimento. Sou advogada militante em Brasília e o que mais me assombra, é ver esse tipo de fundamentação em decretos prisionais. Não vejo problema em utilizar o famoso “ctrl C + ctrl V”, desde que tenha analisado todas as provas e o seu convencimento tenha partido de suas conclusões e não do MP.
Excelente artigo. Irei citá-lo em meu HC. Sucesso!