DANIEL RONCAGLIA
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO
Associações de classe que representam os juízes divergiram sobre a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello de suspender o poder “originário” de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra magistrados, determinando que o órgão só pode atuar após as corregedorias locais.
A liminar concedida pelo ministro deve ser levada a plenário na primeira sessão do ano que vem, no início de fevereiro, para que seus colegas avaliem o tema. Até lá, no entanto, as funções da corregedoria do CNJ estarão esvaziadas.
A ação foi movida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), entidade que é contra o poder “originário” de investigação do conselho. “A decisão restabelece a constitucionalidade das ações correcionais no Brasil”, afirmou o presidente da AMB, Nelson Calandra.
Para ele, a liminar vai evitar “inconvenientes” criados por decisões do próprio CNJ que são anuladas por não seguirem o “devido processo legal”.
Calandra ainda entende que a decisão vai reforçar a confiança das pessoas nos tribunais locais. Ele voltou a negar que a intenção da associação seja a retirada de poder do conselho.
“O CNJ tem que atuar como uma instância revisora”, disse o presidente da AMB.
Já a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirma ser contrária a uma decisão que limitaria o poder o CNJ.
“Me parece que não há problema do CNJ atuar de forma concorrente como vem sendo feito até hoje”, disse o presidente da associação, Renato Henry Sant’Anna.
Segundo ele, essa não é uma questão prioritária da Anamatra. Sant’Anna afirma ainda que a opinião da entidade é mais “liberal” sobre o assunto.
“O CNJ vem cumprindo a sua função. Ele tem acertado mais do que errado”, afirmou.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federal) entende que a decisão liminar do ministro apenas reafirmou o que está dito na Lei Orgânica da Magistratura.
“A decisão foi correta para que não se cometa abusos na corregedoria do CNJ. Um corregedor não pode violar o princípio do devido processo legal”, disse o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy.
Ele, porém, afirma que a corregedoria do CNJ pode atuar em alguns casos se tiver o apoio do plenário do conselho. “Em casos excepcionais, pode a corregedoria do CNJ agir antes”, disse.
O juiz lembrou ainda que a Ajufe foi uma das poucas associações de juízes a defender a criação do CNJ.
ADVOGADOS
Já o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, criticou a decisão do STF.
Para ele, a decisão “não pode permanecer porque retira da sociedade o controle que ela passou a ter sobre a magistratura com a Emenda Constitucional 45, não no tocante ao mérito em si de suas decisões, mas no que se refere ao comportamento ético dos juízes”.
O advogado afirmou que a OAB continuará defendendo a competência “originária” do conselho.
“Fiquei chocada. Na verdade, a grande inovação que houve na Justiça foi o CNJ. Fico preocupada com ações que possam comprometer o trabalho do conselho”, diz a cientista política Maria Tereza Sadek.
“É importante preservar os poderes do CNJ e essa medida reduz e restringe a atuação do conselho”, diz o advogado Sérgio Renault, ex-secretário da Reforma do Judiciário.
“Os tribunais têm autonomia para resolver suas questões internas. O correto seria o entendimento de que o CNJ pode atuar de forma independente, sem aguardar a decisão dos tribunais. Espero que o STF não referende essa liminar. O CNJ é um órgão que atua para a moralização do Judiciário”, diz Renault.
DECISÃO LIMINAR
Com a decisão liminar de hoje, ficarão prejudicadas aquelas investigações que tiveram início diretamente no conselho, antes que tenham sido analisadas nas corregedorias dos tribunais onde os juízes investigados atuam.
Como está previsto na Constituição, o CNJ pode ainda avocar [determinar a subida de] processos em curso nas corregedorias, desde que comprovadamente parados. O ministro afirmou que o conselho deve se limitar à chamada “atuação subsidiária”.
Em outras palavras, o que não pode é iniciar uma investigação do zero, fato permitido em resolução do CNJ, editada em julho deste ano, padronizando a forma como o conselho investiga, mas que foi questionada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).
“A solução de eventual controvérsia entre as atribuições do Conselho e as dos tribunais não ocorre com a simples prevalência do primeiro, na medida em que a competência do segundo também é prevista na Constituição da República”, diz o ministro em sua decisão. “A atuação legítima, contudo, exige a observância da autonomia político-administrativa dos tribunais, enquanto instituições dotadas de capacidade autoadministrativa e disciplinar.”
Foi exatamente este assunto que colocou em lados opostos o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, e sua corregedora, Eliana Calmon. O primeiro defendia exatamente a função subsidiária do conselho, enquanto a última afirmava ser fundamental a atuação “concorrente” e “originária”.
Calmon chegou a dizer que o esvaziamento dos poderes do CNJ abriria espaço para os chamados “bandidos de toga”.
A ação da AMB está na pauta do STF desde o início de setembro, mas os ministros preferiram não analisar o tema, exatamente por conta desta polêmica.
Como a última sessão do ano aconteceu durante a manhã e os ministros só voltam a se reunir em fevereiro, Marco Aurélio decidiu analisar sozinho uma série de pedidos feitos pela AMB.
Além desta questão, o ministro também suspendeu mais de dez outras normas presentes na resolução do CNJ em questão. Entre elas, uma que permite a utilização de outra lei, mais dura que a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), para punir magistrados acusados de abuso de autoridade.
Outra regra, que também foi suspensa, dava direito a voto ao presidente e ao corregedor do CNJ.
Matéria capturada na Folha Online