Para reflexão do leitor

A seguir, mais alguns excertos do voto que proferi, na sessão do Pleno, da última quarta-feira, agora para reflexões do leitor do meu blog, reiterando a minha frustração  e assumindo a minha incapacidade de mobilizar  a atenção e inteligência dos meus pares para as questões candentes que emoldurei no voto.

Aos excertos, pois.

“[…]O que proponho aqui, a exemplo do que já fizemos em outras oportunidades , é mitigar, flexibilizar, ponderar, perquirir, questionar, em face do princípio em comento e de outros que deverão ser objeto de exame, para que a quaestio seja decidida à luz da CF, que, nos dias presentes, passou a ser

“não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar os demais ramos do direito”, fenômeno que alguns interpretam como “filtragem constitucional”, no sentido de que “toda ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados” (Luis Roberto Barroso, in Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito – O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil, publicado no sitio Direito do estado.com.br , p. 20)

O que proponho, ademais, é que, ao ensejo, reflitamos acerca da necessidade, nos dias atuais, que o Poder Judiciário se mostre, diante de questões dessa envergadura, mais reflexivo e mais crítico, mais proativo – sem ser ativista – e menos ascético, num necessário e profilático distanciamento do Estado Liberal que sucedeu ao estado absolutista que vigia antes da queda da Bastilha.

Compreendo que não se pode mais, nos dias atuais, num Estado Constitucional, interpretar a lei como se fazia em tempos idos, dando eco ao démodé ensinamento de Montesquieu, gestado numa época de efervescência política, mais de todo incompatível nos dias presentes, em face das transformações do direito constitucional contemporâneo.

Trazendo as reflexões para o caso concreto, reafirmo, sem temer pelo excesso, que não se pode, nos dias atuais, com o modelo implantado com a CF de 1988, decidir uma questão com essa complexidade, com a simples conclusão de que o edital, como lei do concurso, deve prevalecer, espancando, defenestrando, às claras ou à sorrelfa, qualquer reflexão que se mostre mais consentânea com o Estado Democrático de Direito.

Não se pode olvidar que, no atual período pós-moderno, com a relativização do positivismo, a conciliação e a convivência entre princípios se traduzem em um dos assuntos mais relevantes do Estado Democrático de Direito, convindo anotar que não obscureço que a busca do positivismo é pela segurança jurídica. Não se pode perder de vista, inobstante, que o excesso de positivismo para descambar para o autoritarismo.

Não se pode esquecer, de mais a mais, a contribuição do realismo jurídico, um dos mais importantes movimentos teóricos do direito no século XX, para superação do formalismo jurídico e da crença equivocada, mas intrometida e enraizada entre nós, de que a atividade judicial seja mecânica, acrítica e unívoca.

Nessa linha de argumentação, convém anotar que, no exame de questões desse matiz, diante da inviabilidade da formulação de um juízo de subsunção, em face de suas peculiaridades, os princípios – como espécies de normas jurídicas, repito – despontam com singular importância, daí a razão pela qual antecipei algumas reflexões acerca do tema.

É necessário, repito, flexibilizar a quase axiomática afirmação de que o edital é a lei inquebrantável do concurso, e que, nesse viés, compatibilizá-la, dependendo das circunstâncias, com a nova ordem constitucional, seria afrontar o princípio da legalidade.

O edital é, sim, a lei do concurso. Mas nada impede – antes, há situações em que a lógica e o bom senso recomendam – que, em determinados casos, como o que ora discutimos, que essa máxima seja flexibilizada, como, aliás, tem sido feito nesta mesma Corte.

Se o edital é a lei do concurso, então como tal deve ser interpretada. É o papel do intérprete dar-lhe sentido, exprimir a sua vontade. Não como um autômato, como se dava, repito, no Estado Liberal da burguesia, onde assumia a neutralidade de um matemático quando resolvia um problema algébrico.

Não se pode quebrantar a compreensão hermenêutica do sistema jurídico. O processo interpretativo não pode ser apenas reprodutivo . Não nos é permitido, nos dias presentes, inviabilizar a descoberta da vontade da lei, ficando indiferente ao conceito de justiça, em tributo à segurança jurídica inspirada no Estado Liberal Clássico.

Convém grafar que a flexibilização do edital, enquanto lei do concurso, não é um equívoco; uma heresia jurídica não é, como pode parecer aos olhos dos normativistas[…]”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Para reflexão do leitor”

  1. Prezado Des. José Luiz

    Louvável a sua pretensão, mas acredito que inviável, pois nem mesmo o básico está sendo feito em nossa magistratura, no caso, o cumprimento das leis, notadamente as afetas à área penal, onde à evidência todos os dias se observa transgressões jurídicas das mais acintosas, tudo regado à desculpa e pretexto de estar se defendendo a sociedade daqueles rotulados de perigosos. O Direito Penal do Inimigo está à solta e pouco a pouco vem conquistando mais adeptos. Estamos caminhando a passos largos para um Estado Totalitário. Para Reflexão: “A Polícia precisa combater o crime com rigor, agindo sempre conforme a Lei e orientada por princípios de cidadania. O Ministério Público deve processar o criminoso sem desbordar para o fundamentalismo acusatório. À Magistratura cabe manter – se serena, sem adotar posição apriorística contra ou a favor, de modo a prestigiar sua exigível neutralidade e independência, pois não há como julgar com isenção tomando partido e ideologizando sua cognição”. (Um Brado à Sociedade – AASP – 07/10/08 ) ( Grifo nosso ).

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