Em quatro meses de 2012, SP ganha quase o mesmo número de presos do ano passado
Para abrigar mais presidiários, governo teria que erguer, a cada 11 dias, uma nova penitenciária no Estado
O superlotado sistema penitenciário de SP ganhou neste ano, em pouco mais de quatro meses, quase o mesmo número de presos do ano passado, contingente suficiente para lotar 12 presídios.
A população encarcerada cresceu 9.216 presos neste ano -em 2011 inteiro, foram 9.504. Considerando o padrão paulista (unidades de 768 vagas), daria para encher uma prisão a cada 11 dias.
Para ilustrar a situação, desde 2008 foram abertas apenas 9.890 vagas. As oito unidades inauguradas pelo ex-governador José Serra (PSDB) já estão superlotadas.
Entre elas, o Centro de Detenção Provisória Pinheiros 4, na capital, com 1.740 presos onde cabem 512. Uma a cada três prisões abriga ao menos o dobro do ideal. O déficit total é de 80 mil vagas.
Desde que Geraldo Alckmin (PSDB) assumiu pela primeira vez, em janeiro de 2001, o total de presidiários dobrou. No período, a população do Estado cresceu 12%.
O principal plano do governo para o problema começou a ser traçado por Serra em 2008, com o Plano de Expansão de Unidades Prisionais, que previa mais 49 presídios.
Até agora, sete deles foram inaugurados. Há outros 16 em construção, sete na fase de licitação e mais seis na etapa de definição e desapropriação das áreas. Concluído, o plano irá criar 39 mil vagas.
O ritmo não é o adequado, diz o secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, porque o governo enfrenta dificuldades de toda ordem. “Há repúdios, abaixo-assinados, passeatas, carreatas, ações judiciais, prefeitos contra, impugnação dos editais por empresas.”
Um exemplo emblemático foi o ato, em 2009, do prefeito de Porto Feliz, Cláudio Maffei (PT), que caminhou cerca de 120 km até o Palácio dos Bandeirantes para protestar, mas o Estado não desistiu de ter um presídio na cidade.
Por conta das resistências, o Estado também investe em penas alternativas, busca o apoio do Judiciário para acelerar ações penais e articula parcerias privadas.
Para Daniela Cembranelli, defensora pública-geral do Estado, o problema é nacional: em 20 anos, cresceu três vezes o total de presos no país. “É resultado de uma política que elegeu o encarceramento como solução.”
Para o secretário, a situação mostra a eficiência da polícia. “Há crime, há prisão.” Especialista em violência, Ignacio Cano, da Uerj, lembra que há muitos mandados de prisão não cumpridos. “Se a polícia fizer 100% o seu trabalho, seria preciso duplicar o número de vagas”, diz.
São Paulo poderá ter prisões em parceria com a iniciativa privada
Setor particular deve assumir a construção e parte da administração de penitenciárias, como nos EUA. Estratégia do governo paulista é viabilizar parceria público-privada para abrir 10.500 novas vagas
A exemplo de países como EUA, Inglaterra, França e Chile e Estados como Minas Gerais e Bahia, São Paulo poderá ter penitenciárias erguidas e administradas parcialmente pela iniciativa privada.
A estratégia, capitaneada pelo vice-governador Guilherme Afif Domingos, é viabilizar uma PPP (parceria público-privada) para abrir 10.500 vagas no sistema.
Seriam três grandes complexos, para 3.500 presos cada um, com quatro tipos de presídios, para situações como regime fechado, semiaberto ou detenção provisória.
Os três, diz Afif, ficariam na Grande SP, que tem sete das dez unidades mais superlotadas. Cinco empresas manifestaram interesse no negócio, que ainda corre risco de não se viabilizar devido ao custo final para o Estado.
O modelo, indefinido, deve incluir a oferta do terreno pelo empreendedor privado, a construção dos presídios e a administração de atividades que não são típicas do Estado. O governo deve ficar com a direção geral, guarda de muralhas e transferência de presos, por exemplo.
Segundo Afif, até o meio do ano o governo deve definir o modelo e a viabilidade da PPP. Uma das vantagens, diz, é o empreendedor fornecer a área, o que contorna um problema do governo.
A concessão seria por um período de 35 anos. Os empreendedores seriam remunerados com base em indicadores de produtividade, como taxas de fuga, reinserção na sociedade e educação. “Mas precisamos ver os custos. Esta equação ainda não fechou.”
Apesar de o Estado ter abandonado a ideia de grandes complexos -o mais emblemático deles, o do Carandiru, foi desativado em 2002 por Alckmin (PSDB)-, Afif diz que isso trará economia. “Em custos com lavanderia, limpeza e outros.”
Para Ignacio Cano, da Uerj, complexos prisionais não são uma boa ideia. “Grandes prisões são grandes problemas.”
Falta alternativa à prisão, dizem especialistas
Há um certo consenso entre o governo paulista, a Defensoria Pública do Estado e o professor Ignacio Cano, que atua no Laboratório de Análise da Violência da Uerj: é preciso investir em penas alternativas, mas não há como deixar de construir presídios.
“É preciso outras alternativas. Senão, todos os presídios que forem construídos serão enchidos”, diz Cano.
Para a defensora pública-geral do Estado, Daniela Cembranelli, novas prisões são necessárias porque é preciso zelar pelas condições de encarceramento do preso.
Tanto ela quanto Cano acham que a solução precisa combinar melhor assistência do Estado à defesa do preso e oferta de medidas alternativas a crimes de menor potencial.
Segundo Cembranelli, há um certo conservadorismo do Judiciário paulista na aplicação de medidas que não a prisão. “Vai levar tempo para aplicar com mais rigor penas alternativas.” Isso poderia ser facilitado, diz, se o preso tivesse uma defesa efetiva desde a prisão, o que não ocorre.
Ela conta que há 160 defensores públicos na área criminal e 46 na de execuções penais, o que dá quase um profissional para cada mil presos hoje.
“São Paulo tem mais de 300 comarcas, e estamos presentes em apenas 21”, diz, lembrando que o defensor poderia, na fase de preso provisório, pedir a sua liberdade, apontar falhas na prisão ou sugerir punição alternativa.
Segundo Cano, é preciso reduzir o número de presos provisórios e que a Justiça apoie o Estado para reduzir a população carcerária. “O governo tem de se sentar com o Judiciário.”
É isso o que o Estado tem feito, afirma Lourival Gomes, secretário da Administração Penitenciária.
Segundo Gomes, ele e Alckmin (PSDB) discutiram com o presidente do Tribunal de Justiça, Ivan Sartori, e o corregedor-geral do TJ, José Renato Nalini, a agilização de ações penais, o que rendeu a soltura de 670 presos em Franco da Rocha e outras 342 detentas na penitenciária de Butantã. “Não vamos soltar presos indiscriminadamente.”
FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO
Resultado de um judiciário que se utiliza do poder da instituição para administrar a segurança publica, papel do poder executivo.
Se os magistrados saíssem da condição de justiceiros para serem juízes, aplicariam a Lei 12.403 e reduziriam esse quadro tenebroso.