A ministra Carmem Lúcia Antunes, ao comentar o artigo 1º da Declaração do Direito Humanos, o festejado dispositivo que decreta a igualdade de todos em dignidade e direito, fez os seguintes comentários:
“Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo é igual. Gente quer ser feliz, ter medo, esperanças e esperas. Que cada qual viva a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria sente-se igual”
Essas reflexões me levaram a fazer uma releitura de um artigo da minha autoria, intitulado Igualados pela dor, que republico a seguir, com alterações em relação ao texto original.
“Dos reveses da vida devemos ter a capacidade de tirar lições.
A vida, dizem, ensina, conquanto existem os que dela não tiram nenhuma lição. O tempo passa, os reveses se multiplicam, mas há os que não aprendem, por isso sofrem mais.
Na dor e no sofrimento somos todos iguais – rigorosamente iguais.
Na dor não se diferencia nacionalidade, posição social ou hierarquia.
A dor que dói no chefe é a mesma que pode afligir o subordinado.
A dor não distingue hierarquia. Ela simplesmente dói. Pode ser a dor da saudade (que é a que mais dói em mim), do fim de um relacionamento, de uma descortesia ou qualquer outro acontecimento.
A dor que dói aqui é a mesma que dói na Suécia e no Senegal, no empresário e no trabalhador braçal.
Pretos, brancos, pobres, ricos, bonitos, feios, altos, baixos, crianças, adultos, todos, enfim, somos rigorosamente iguais na dor e no sofrimento.
A dor e o sofrimento não servem apenas para doer e fazer sofrer, mas também lecionam, mostram o caminho, podem levar o incrédulo a Deus – ou afastá-lo ainda mais, não se há de negar.
A dor que dói – e o sofrimento que corrói – em face de uma tragédia – perda de um ente querido, por exemplo – não só ensina como nos torna mais humildes. Afinal, a dor e o sofrimento dela decorrentes não distinguem o rei do súdito, o juiz do jurisdicionado, o macho da fêmea, o bonito do feio, o governante do governado etc.
Diante da dor, não há soberba; também não importa a riqueza quando estamos sofrendo em face de algum infortúnio.
Em ocasiões dessa natureza, pouco importa a nossa origem, o título que ostentamos ou cargo que exercemos, já que a minha dor é rigorosamente igual à do vizinho, do amigo ou do inimigo.
Os prazeres da carne, a suntuosidade, a soberba, a inveja, a patranha, tudo isso se revela desprezível, quando se sobrepõem a dor e o sofrimento.
Se é dor, dói – e pronto! E prepondera sobre todas as coisas.
Entretanto, faz pensar, faz refletir, visto que tem o poder de mudar o curso, de nos fazer redirecionar as nossas ações – podendo, até, purificar o pensamento, fazendo com que nos tornemos mais humildes, mais alma e menos matéria.
A dor que lancina, que aflige e que danifica nos apequena a todos e nos fragiliza, além de, algumas vezes, nos mostrar e conduzir, por caminhos nunca dantes trilhados.
Pena que muitos só reavaliem os seus conceitos diante da dor e do sofrimento.
Mas há os que, recalcitrantes, nem mesmo a dor e o sofrimento lhes servem de lição.
O ideal seria que não dependêssemos de uma tragédia, de um infortúnio qualquer para dar valor ao semelhante, para reavaliar os nossos conceitos.
Dor é dor; sofrimento é sofrimento.
Não existe mais dor ou menos dor; mais sofrimento ou menos sofrimento.
Se é dor, é dor; se é sofrimento, é sofrimento – e maltrata, faz sofrer, faz pensar, refletir, principalmente quando se é racional.
Dor é sofrimento físico e/ou moral.
A dor que dói em mim é a que dói em ti, ainda que de matizes diferentes.
Mas, igual ou diferente, com uma ou outra coloração, o certo é que a dor dói e maltrata – e vulnera, e fragiliza.
Diante da dor podemos, até, (re) agir de forma diversa.
Mas as nossas (re) ações, díspares ou semelhantes, decorrem do mesmo sofrimento – físico ou da alma – da mesma certeza de que diante de uma borrasca, de uma tragédia somos, sim, todos iguais.
A dor nos remete a Deus – para suplicar, para que nos dê força para tolerá-la, ou mesmo para questioná-lo, em face do sofrimento que julgamos não merecer.
Para a dor física ministram-se os analgésicos; para a dor da alma, em princípio, não há remédio, sobretudo para os incrédulos, para aqueles que diante dos olhos só vêem a matéria.
A dor da alma é dor lenta, corrosiva, dilacerante – daquelas que nos levam ao chão e nos fazem questionar por que comigo e não com outra pessoa.
Para a dor da alma o único remédio a ser ministrado, não raro, é deixar o tempo passar.
Com o tempo a dor da alma corrói menos – nos faz levantar, até que outra tragédia nos abata, nos faça sucumbir, para relembrar, outra vez, que, por mais que não queiramos ver, somos mesmo rigorosamente iguais.
A dor da alma é aquela que deixa um nó na garganta, que faz as lágrimas descerem – muitas vezes sem alterar os músculos de nossa face.
As lágrimas são, afinal, a materialização, em gotas, da dor e do sofrimento que nos afligem.
A dor e o sofrimento são partes da nossa vida.
É necessário, pois, que, diante de qualquer um deles – ou de ambos – tenhamos a capacidade de renascer, ainda que a dor nos tenha mutilado a alma.”