Liberdade provisória. Indeferimento.

Estamos em pleno sábado e desde as 7:40 da manhã estou trabalhando. Claro que não ininterruptamente. Faço questão de registrar esse fato porque as pessoas imaginam que a vida de juiz é uma vida mansa. Éla só é mansa para quem não tem compromisso. Desde ontem, sexta-feira, que trabalho, como de resto tem sido assim todos os meus dias, desde que ingressei na magistratura há vinte anos. É que os despachos mais complexos e as sentenças, igualmente complexas, não podem ser feitos no gabinete, onde é inviável qualquer concentração.

Digo sempre que não procedo assim almejando qualquer reconhecimento. Assim procedo porque é assim que sei ser. Faz parte de minha personalidade não ser omisso.

Agora, nesse exato momento, acabo de lançar um despacho em um pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA, no qual, mais uma vez, reitero que o autor de assalto não merece o beneplácito do PODER JUDICIÁRIO. O assaltante deve, a meu juízo, ser segregado, de logo, até que sobrevenha a sentença final.

O roubador, com uma arma em punho, na rua, durante um assalto, é muito diferente daquele que se posta à nossa frente com uma bíblia na mão pedindo misericórdia. O assaltante, com uma arma na mão, se transforma em um animal extremamente perigoso, que não hesita em, se preciso for, matar, sem pena, sem dó.

No despacho que vou lançar a seguir cito três vítimas que recentemente sucumbiram diante da arma de um assaltante. Mas os exemplos se multiplicam. A todo instante se tem notícia de um crime desse jaez. É que, como se tornou lugar comum, as pessoas já não se abalam. Mas quem, como eu, me defronto, todos os dias, com o desespero das vítimas, não pode ficar indiferente.

Vamos pois, ao despacho.


Processo nº 273292006

Ação Penal Pública

Acusado: J. R. L. F.

Vítima: LUIS SILVA PEREIRA


Vistos, etc.


Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra M. F. S. F. por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, do CP.

DEFENSORIA PÚBLICA, às fls.39/49, pediu a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, sem fiança, aduzindo, em longa e fundamentada petição, as razões pelas quais entendem que o acusado faz jus ao favor legis que postulam.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, instado a se manifestar, pugnou pelo indeferimento do pleito, às fls.77/78.

Vieram-me os autos conclusos para deliberar.

Releva anotar, de logo, que o acusado, desde meu olhar – e do representante do MINISTÉRIO PÚBLICO – não faz jus ao benefício que postula.

Explico, a seguir, as razões pelas quais o acusado deve ser mantido preso.

Vivenciamos, todos os dias, a violência imperar em nossa sociedade, com a leniência de muitos que agentes públicos que, como os assaltantes, infelizmente, não têm compromisso com a ordem pública.

O violência grassa em nosso meio, se multiplica de forma assustadora, fato que, em face de sua gravidade, não pode ser obscurecido, quando se trata de LIBERDADE PROVISÓRIA de roubador, máxime se praticado com a utilização de arma.

O agente público, desde o meu olhar, deve, ao deparar-se com acusado da prática de roubo qualificado, envidar esforços para segregá-lo, como garantia da ordem pública, ou mantê-lo segregado, se preso já estiver, sob o mesmo fundamento. Não deve, portanto, entre uma e outra situação, agir com parcimônia.

A Carta Política em vigor, é verdade, abriga várias franquias em favor dos acusados, os quais, por isso, só devem ser segregados provisoriamente quando a medida de força se mostre absolutamente necessária.

A PRISÃO PROVISÓRIA, pois, deve ser, sempre, a ultima ratio. O comum, o normal, o trivial é que o acusado responda ao processo em liberdade, devendo ser segregado somente excepcionalmente.

À luz do que colho dos autos, está-se, aqui, diante dessa excepcionalidade, pois que o acusado, em companhia do menor GEOVANE DOS SANTOS FERNANDES e de mais um terceiro elemento, armado de faca, colocada sobre o pescoço da vítima, subtraiu-lhe a bolsa, contendo R$ 120,00(cento e vinte reais).

De relevo que se anote que a ofendida só está contando a história porque, prudente, não reagiu. Diante de meliantes com esse grau de periculosidade – e é perigoso, não tenho dúvidas, quem se arma para assaltar -, a vítima só sobrevive se não ousar reagir.

A crônica policial já registrou inúmeros, incontáveis episódios em que as vítimas de um assalto, ao esboçarem a mais mínima reação – ou apenas um gesto interpretado como uma reação – sucumbiram diante da arma de um meliante.

Ainda recentemente a sociedade brasileira foi sacudida com a morte, estúpida, da empresária ANA CRISTINA GIANNINI JOHANNPETER, baleada na cabeça, numa tentativa de assalto.

Na noite de quinta-feira, dia 23 de novembro, o aposentado FRANCISCO PAULINO AURELIANO, de 68 anos, foi executado por ladrões, quando saiu para buscar sua filha numa faculdade.

Por volta das 21h do mesmo dia, em um ponto da Zona Norte, Rio de Janeiro, um dentista foi morto durante mais uma tentativa de assalto. JORGE FERNANDO DE ANDRADE, de 53 anos, teria parado num sinal no Estácio quando dois homens se aproximaram do carro dele. Jorge teria reagido e os criminosos atiraram.

Esses três exemplos são emblemáticos, cujos fatos se deram no RIO DE JANEIRO. Mas poderia ter sido aqui, por que aqui não é diferente. Todos os dias se tem notícia de uma lesão e/ou morte decorrentes de assalto. As vítimas desses crimes devem ser homenageadas, nunca o meliante. Este deve, sim, em tributo à ordem e às pessoas de bem, ser mantido segregado.

O crime cuja autoria se imputa ao acusado se assemelha, em tudo, aos crimes dos quais resultaram as mortes acima mencionadas, pois que se caracteriza em face da violência, exercida contra a vítima. No caso presente essa violência foi exercida com o emprego de arma branca. No caso presente a vítima só está viva porque não reagiu.

Entendo que quem assim procede não está a merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, pois que agiu com extrema rudeza.

Tenho dito e redito, afirmado e reafirmado, incontáveis vezes, iterativamente, que LIBERDADE PROVISÓRIA, como qualquer outro favor legis, não foi imaginada para estimular a impunidade e a prática de crimes.

A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e, em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular, afrontar a ordem pública.

Essa situação, esse quadro, essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões.

A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem.

Por essas e por outras razões é que tenho indeferido, sem hesitação, os pedidos formulados nesse sentido, em homenagem à ordem pública.

A perigosidade do autor de crimes desse jaez desautoriza a restituição de sua liberdade. A ordem pública não pode ficar à mercê das ações criminosas desse matiz, ainda que o acusado seja primário e possuidor de bons antecedentes.

É lamentável que muitos só se sensibilizem com a violência quando têm um membro de sua família vitimado por ela.

Ante situações que tais, não faço concessões, não tergiverso, não faço graça. A liberdade de um meliante vem sempre em detrimento das pessoas de bem. Dá-se liberdade a eles e nós outros somos compelidos a renunciar à nossa. A ordem pública, por isso, reclama a manutenção da prisão do acusado, em sua homenagem.

Reconheço os efeitos deletérios da prisão, máxime a não decorrente de um título executivo definitivo. Essa é uma questão que a todos preocupa, mas que não pode ser invocada como razão para colocar em liberdade quem demonstra não ter qualquer preocupação com a ordem estabelecida.

Anoto que em torno dessa questão não estou isolado. Com efeito, a jurisprudência sedimentada tem proclamado, à exaustão, que “ a gravidade do delito, com sua inegável repercussão no meio social, justifica, por si só, a custódia antecipada do seu autor, ainda que primário, de bons antecedentes e outros fatores favoráveis”(RSTJ 104/474).

Não se argumente que, em face da reiteração de crimes a ação do acusado já não causaria nenhuma indignação no seio da sociedade, a injustificar a segregação provisória do mesmo.

Devo dizer, a propósito, que, por mais corriqueira que seja a agressão à ordem pública, por mais que se banalize a violência, ela sempre causa revolta, estupor, inquietude, além de marcar, indelevelmente, a vida das vítimas – quando sobrevivem – e de seus familiares.

Os malefícios decorrentes da prisão do acusado, seguramente, não são comparáveis às profundas marcas deixadas nas vítimas e familiares, razão pela qual não se deve, sob qualquer pretexto, contemporizar com tais atos, devendo, de regra, ser mantido afastado do convívio social os autores de tais crimes, em benefício da ordem pública e, conseqüentemente, das pessoas de bem.

A meu ver, diante desse quadro, o caminho reto entre a periculosidade do agente e a preservação da ordem pública é a custódia ante tempus, pese a consideração de todos os efeitos decorrentes de uma segregação, máxime a provisória.

Ante a criminalidade, sobretudo a violenta, reitero, não se deve seguir o caminho dos que vacilam. Só com arrojo e desassombro se enfrenta a criminalidade violenta. Ante a criminalidade violenta, não se faz concessões, repito. O direito à liberdade de um réu perigoso e violento, não pode vir em holocausto da ordem pública.

Sublinho, a propósito, que não estou insulado nesse entendimento. Os Tribunais, com efeito, há muito vêm decidindo no sentido de que a perigosidade do acusado é razão mais que suficiente para sua prisão provisória.

Confira-se, nessa senda, as ementas abaixo, da lavra do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, litteris:


“Esta Corte, por ambas as suas Turmas, já firmou o entendimento de que a prisão preventiva pode ser decretada em face da periculosidade demonstrada pela gravidade e violência do crime, ainda que primário o agente” (STF, RT 648/347).


No mesmo diapasão é a decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, como se vê abaixo:

“A periculosídade do réu, evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido, basta, por si só, para embasar a custódia cautelar, no resguardo da ordem pública e mesmo por conveniência da instrução criminal” (STJ, JSTJ 81/154). No mesmo sentido, TJSP, RT 693/347.

Registre-se, à guisa de argumentação, que no conceito de ordem pública insere-se não só num prognóstico de que, em liberdade, o paciente continuará agredindo valores sociais, como também se inculca a idéia de tranqüilização da comunidade, no sentido de crença nos instrumentos destinados a reprimir as ações violentas de seus integrantes.

É na mesma senda a decisão a seguir transcrita, verbum pro verbo:

“É inquestionável que a custódia cautelar tem por fundamento o periculum in mora e fumus boni juris contidos no art. 312 do Código de Processo Penal. Mas, há elementos circunstanciais que tornam indeclinável o decreto preventivo, com destaque para a periculosidade do agente, e sua fuga do distrito da culpa” (STJ, JSTJ 8/186).

Devo reiterar que não desconheço que a prisão cautelar é uma medida extrema e deve ser concebida com cautela, à luz do princípio constitucional da inocência presumida. É por isso que deve basear-se em razões objetivas, que demonstrem a existência de motivos concretos suscetíveis de autorizar sua imposição.

Resulta claro, por isso, que a mantença da prisão do acusado não se faz à margem das cautelas decorrentes dos preceitos constitucionais em vigor. A mantença da prisão do acusado decorre de sua inarredável necessidade, em face da gravidade do crime.

É curial que a prisão do acusado, de certa forma, tem um efeito didático, pois que, muito provavelmente, servirá para desestimular aqueles que tem compulsão para o ilícito. Mas, definitivamente, não é esta a sua razão, como, aliás, acima gizado, à exaustão e a mais não poder.

Os Tribunais, enfrentando questões similares, têm proclamado, com razão, que, por ser uma medida extrema que implica em sacrifício à liberdade individual, deve ser concebida com cautela, principalmente agora, quando a nossa Carta Magna inscreveu o princípio da inocência presumida.

Não se pode deslembrar, nada obstante, que instituto da prisão provisória subsiste no atual sistema constitucional, conforme o artigo 5º da Constituição Federal, e funda-se em razões de interesse social. Assim, impõe-se sempre a sua decretação, ou a mantença da prisão de quem já está preso, quando provada a existência do crime e constatados indícios suficientes da autoria, se avolumando, de mais a mais, a presença de qualquer dos pressupostos inscritos no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, garantia da ordem pública; conveniência da instrução criminal e segurança na aplicação da lei penal.

Haverá quem argumente, para hostilizar esta decisão, que o acusado é primário, tem bons antecedentes e outras coisas que tais, a desautorizar, por isso, a sua prisão provisória.

Nesse sentido, releva dizer que tais predicados, isoladamente, não podem ser levados à conta de deslegitimar a medida de força que aqui se edita.

Dos autos exsurgem, à vista fácil, que, malgrado primário o acusado, não faz por merecer a sua liberdade, pois que agiu com extrema vilania.

Os argumentos acima elencados não se apresentam no mundo jurídico como uma aberração, como um desvario, um devaneio. Muito ao contrário, o mundo jurídico está prenhe de decisões nesse sentido.

As decisões abaixo confirmam o argumento suso.

Acórdão HC 25772 / PA ; HABEAS CORPUS 2002/0164954-8 Fonte DJ DATA:15/12/2003 PG:00331 Relator Min. LAURITA VAZ (1120) Data da Decisão 25/11/2003 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Ementa HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PRISÃO EM FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. CONDIÇÕES PESSOAIS DO PACIENTE. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ.1. omissis. 2. Conforme tem reiteradamente decidido o Superior Tribunal de Justiça, a primariedade e os bons antecedentes do acusado, per si, não têm o condão de revogar a segregação provisória, se a necessidade da prisão processual é recomendada por outros elementos dos autos. 3. Ordem denegada. (grifei).

Na mesma direção:

Acórdão RHC 13540 / PR ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2002/0139337-0 Fonte DJ DATA:10/03/2003 PG:00250 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Data da Decisão 17/12/2002 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Ementa PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART 157, § 2º, I, II, V, CP. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO. I – omissis. II omissis III – A circunstância de o recorrente possuir condições pessoais favoráveis como residência fixa, exercício de atividade lícita, primariedade e bons antecedentes não é suficiente, tampouco garantidora de eventual direito de liberdade provisória, quando o encarceramento preventivo decorre de outros elementos constantes nos autos que recomendam, efetivamente, a custódia cautelar. Recurso ordinário desprovido. (grifei).

Isto posto, indefiro pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA formulado por M. F. S. F. para que, preso, aguarde o seu julgamento.

Int.


São Luís, 11 de dezembro de 2006


Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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