Com que roupa eu vou

O cronista é insaciável, por isso tudo que vê e sente cuida de traduzir em palavras, com um pitada, quando  necessário, de ficção e humor. Ocorrências que não despertam em muitos qualquer tipo de sentimento ou reação,  no cronista é razão  para reflexões, por isso a sua quase incontrolável inspiração; por isso se diz que o cronista é  o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.

Hoje, pela manhã, por exemplo, ao tempo em que me vestia e percebia a transformação (positiva, pelo menos na minha avaliação) que as vestes produziam em mim, fiquei a pensar na importância das roupas para nossa autoestima, tendo em vista que elas, quando  bem concebidas, fazem milagres. Um terno bem cortado, por exemplo, faz desaparecer(ou, pelo menos, miniminiza) as protuberâncias indesejáveis do corpo (barriga, sobretudo), oferecendo à pessoa uma aparência que lhe conforta, fazendo-a até esquecer, por momentos, da ingratidão da natureza, que, afinal, escolhe, não sei bem por que, uns para serem  belos, e outros, como eu,  para conviverem com as suas dificuldades estéticas.

A propósito do que acabo de expor, indago: você já havia parado  para pensar ( e expor)  sobre  importância da roupa que você – ou qualquer outra pessoa –  usa?

Não!?

Então, vamos continuar refletindo sobre o tema.

Reafirmo, como antecipei acima, que a roupa é especialmente relevante em face da nossa autoestima. Todos gostamos – uns mais, outros menos – de estar bem vestidos, da boa aparência que só as roupas podem proporcionar – ou não, mas essa é outra questão.

Quando nos sentimos bem  com a roupa que usamos, ficamos mais à vontade nos ambientes que frequentamos. É sempre assim – ou quase sempre assim.

É fato que poucos – pelo menos no mundo masculino – se importam com as roupas que os outros vestem. Todavia, ainda assim, bem vestidos, pensamos estar podendo, ainda que poucos se deem conta desse que parece um detalhe irrelevante, ainda que ninguém faça  comentários.

O contrário é rigorosamente verdadeiro. Basta um pequeno desconforto, em face da roupa que usamos, para que, algumas vezes, nos arrependamos até mesmo de ter saído de casa. Ficamos logo de mau humor. Tentamos disfarçar o desconforto. Ou não é assim?

Devo dizer, ademais, que as roupas que usamos são, também, reveladoras  da nossa personalidade.

Observe que quanto maiores forem os atributos físicos da pessoa, menos roupas são usadas, exatamente para chamar a atenção, para expor aquilo que imagina ser objeto de sedução e de desejo.  A contrario sensu, quanto mais fora do padrão forem os  dotes físicos, mais roupas são usadas, exatamente  para dar uma disfarçada, para  que nos sintamos bem, afinal todos queremos estar bem na fita –e, principalmente, com nós mesmos, que o que mais importa.

Claro  que o que acabo de afirmar acima não é uma regra absoluta. Tudo depende de cada um. Cada um, enfim, com suas idiossincrasias. Há os que, naturalmente, gostem de exibir o corpo, mesmo sem atributos que justifiquem  a exposição; no mesmo passo, há os que, reservados e  discretos,  mesmo tendo dotes físicos privilegiados, preferem mantê-los às escondidas, deixando a sua exibição para momentos especiais, guardando sob as vestes os dotes físicos que a natureza lhes deu para sedução na alcova.

Importa consignar, noutro giro,  que a roupa  é de fundamental importância nas  relações sociais que somos obrigados a estabelecer.

Um homem vestido de terno,  é, sim, queiramos ou não, muito diferente, aos olhos dos seus iguais – nem sempre tão iguais assim –  daquele de vestimentas, digamos,  despojadas.

Experimente se dirigir a uma repartição pública – ou privada, pouco importa – com ou  sem terno. Você sentirá logo a diferença de tratamento. Quem já passou pela experiência decerto sabe do que estou falando.

De terno, fique certo  que  alguém logo se  aproximará e indagará, mesmo sem ser instado a fazê-lo:

– O senhor já foi atendido?

Ao reverso, mendigarás atenção –  e ela  faltará, certamente -,  se as  roupas com as quais te apresentares não forem daquelas que deixem transparecer, logo à primeira vista,  que tens alguma importância – na visão do interlocutor, claro.

A importância, portanto, está, aos olhos dos interlocutores, na roupa que usamos e não em face do que somos.

É lamentável,  mas é real.

As pessoas de indumentárias simples, importa reafirmar, quando  buscam atendimento, seja aonde for, tendem a  espernear, gritar, arrancar os cabelos na busca de atenção;atenção que quase sempre tarda, quando não falha.

É assim mesmo, sem tirar nem pôr.

Mas a indumentária que alimenta a discriminação, como disse acima, funciona, também, como um lenitivo para alma, porque, com ela, se esse for o desejo, escondemos as nossas imperfeições físicas, disfarçamos, por exemplo,  a proeminência da  barriga ( o flagelo da elegância) ; disfarce que, algumas vezes, de tão bem engendrados, nos permite ouvir elogios do tipo “o senhor está tão bem”, sem que, na verdade, pelo menos fisicamente, estejamos tão bem assim.

Como qualquer pessoa que sofreu profundas  alterações físicas em face da aceleração da vida, vou, a meu modo, disfarçando, com as minhas roupas, o estrago que a passagem inclemente do tempo produziu  em mim,  convindo anotar que tento lidar, com a necessária altivez,  com essa  realidade,  todavia não me atrevo a expor  aquilo que,  sei,  não deva fazê-lo.

A propósito, já estou pensando no que vestirei amanhã. Espero fazer um boa escolha, na esperança de que os que ousarem pousar os olhos sobre mim imaginem que esteja mesmo podendo.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Com que roupa eu vou”

  1. “Eu, etiqueta
    Em minha calça está grudado um nome / que não é meu de batismo ou de cartório, / um nome estranho (…)
    Estou, estou na moda. / É doce estar na moda, ainda que a moda / seja negar a minha identidade, / trocá-la por mil, açambarcando / todas as marcas registradas, / todos os logotipos do mercado. / Por me ostentar assim, tão orgulhoso / de ser não eu, mas artigo industrial, / peço que meu nome retifiquem. / Já não me convém o título de homem. / Meu nome novo é coisa./ Eu sou a coisa, coisamente.”
    Carlos Drummond de Andrade

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