A JUSTIÇA CRIMINAL é absolutamente discriminatória; isso não é nenhuma novidade. Ela se destina, exclusivamente, aos mais humildes. Nos corredores dos fóruns criminais o que se vê é um desfile de miseráveis, com os pés e as mãos algemados. Enquanto o isso, os assaltantes dos cofres públicos estão aí à solta, debochando de todos nós. Para esses não há Justiça – ou melhor, a Justiça está aí para protegê-los. Eles estão acima do bem e do mal.
O que tenho assistido, todos os dias, estarrecido, é que os agentes públicos, com acesso fácil ao dinheiro do povo, dele se locupletam, enriquecem a olhos vistos, sem ser alcançados, sem ser molestados pelos órgãos de persecução criminal. Enquanto isso, as cenas dantescas de miseráveis desfilando nos corredores dos fóruns, algemados até os dentes, se repetem. Esse quadro serve para ludibriar, para deixar transparecer que estamos atentos, para encobrir a nossa omissão.
O que se tem noticiado, todos os dias, é o enriquecimento ilícito de prefeitos, muitos dos quais, afrontando a todos nós, usam o talão de cheques das prefeituras, como se fossem de propriedade particular. Enquanto isso, nós persistimos prendendo e condenando os miseráveis, fingindo que somos úteis à sociedade, sem sê-lo, no entanto.
O que se tem assistido, todos os dias, são notícias da cobrança de propinas por autoridades públicas, as quais enriquecem à vista de todos, sem que os tentáculos dos órgãos públicos as alcancem. Enquanto isso, as Delegacias e as Penitenciárias estão abarrotadas de miseráveis, tratados de forma desumana, como se fossem excrescências, como se fossem rebotalho.
As afirmações que faço não deslegitimam a nossa ação contra os meliantes egressos das classes menos favorecidas. Eles devem, sim, ser punidos. Mas quando não somos capazes de alcançar os grandes tubarões da criminalidade, fica a nítida sensação de que estamos todos fingindo, jogando pra platéia.
É claro que me ufano de ter tirado de circulação meliantes perigosos. Mas é claro, também, que me sinto frustrado por ter a convicção de que as minhas ações não alcançam os criminosos do colarinho engomado. Para esses não há Justiça. Eles estão acima da lei. Eles têm sempre um amigo no poder disposto a ajudá-los.
Quando será que esse quadro vai mudar? Por que eu tenho que viver com o que ganho, enquanto que outros agentes públicos constroem mansões, viajam para o exterior e colecionam carrões em sua garagens?
Quando será que, finalmente, vamos tratar as pessoas igualmente? Para que serve o princípio da isonomia? Por que a Justiça Criminal é tão acanhada quando tem que enfrentar o criminoso de gravatas de seda e não se acanha, não se intimida, quando tem que enfrentar o meliante de camisa surrada?
Eu tenho medo que as novas gerações, diante de tanta impunidade, de tanta lassidão, de tanta omissão, de tanta discriminação, cheguem à conclusão que não vale à pena ser honesto.
Compartilho tal inquietação, assim como Rui Barbosa ao afirmar que “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.