Não se pode, fora do contexto, sair por dizendo, como um apotégma, que a palavra da vítima, em crimes contra o patrimônio, é decisivo para definição acerca da culpabilidade do acusado.
A palavra da vítima é, sim, relevante. Mas é só isso. Só pode ir além disso, se provas houver nos autos a lhes dar sustentação.
A palavra da vítima, portanto, isolada, fora do contexto probatório, de nada vale, não autoriza a condenação de ninguém.
Ainda recentemente, em face da apelação criminal nº 025881/2001, tive a oportunidade de votar pela absolvição de um acusado, condenado com base, exclusivamente, na palavra da ofendida.
Um dos argumentos da apelação foi de que, em juízo, ou seja, sob os crivos do contraditório e da ampla defesa, colheu-se apenas o depoimento da ofendida.
É dizer: com base, tão somente, no que disse a vítima, em sede judicial, o juiz de base entendeu devesse condenar o réu.
É claro que um decreto dessa natureza não tem condições de prosperar, colocando por terra o argumento -adotado por alguns como se um aforismo fosse – acerca da palavra da ofendida.
Repito, flertando com o excesso, que a palavra da vítima, é, sim, relevante. Mas só autoriza a condenação de um acusado se se fizer acompanhar de outras provas, vez que, isolada, desde a minha compreensão de nada serve – quando muito, autoriza apenas a deflagração da persecutio.
No caso específico da apelação acima mencionada, o que constatei foi que, de rigor, não havia conjunto probatório, vez que os elementos coligidos estavam circunscritos à palavra da ofendida, daí a inevitabilidade do desfecho absolutório.
Os Tribunais têm decidido, à farta, nesse sentido, como se colhe, ad exempli, da decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, segundo a qual a palavra da vítima, “isolada no contexto probatório, ausente qualquer outro elemento a reforça-la“, impõe a absolvição do acusado, com a observância da parêmia do in dubio pro reo.(Apelação criminal nº 1.0629.04.017463-9/002)
A condenação, nunca é demais repetir, deve sempre resultar de prova certa, segura, tranquila, convincente, irretorquível, acerca do crime e de sua autoria. Assomando, pois, dúvidas do acervo probatório, seja pela sua inconsistência ou em face de sua incongruência, a absolvição se impõe.
Em face das colocações acima, é curial compreender que essas reflexões têm um objetivo claro: desmistificar o entendimento equivocado de que basta a palavra da vítima, para que o autor do fato seja condenado; entendimento que, registre-se, não tem sido incomum.
Decisão condenatória fincada em provas frágeis atenta contra a dignidade da pessoa humana, convindo anotar que a dignidade da pessoa humana é o valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica – constitucional e infraconstitucional.
É, pois, em tributo à dignidade da pessoa, de inegável primazia no âmbito da nossa arquitetura constitucional, que reafirmo, sem temer pela exaustão, a inviabilidade de condenar-se quando a prova da autoria se circunscreva apenas à palavra da ofendida, ainda quando se trate dos chamados crimes clandestinos.
Cabe anotar, por fim, com Luis Roberto Barroso, que a dignidade da pessoa humana não é um patrimônio individual, mas também um patrimônio social, que deve ser protegido pelo Estado.
É assim que penso. É assim que venho decidindo.