O louco como a Loucura

O louco, como a Loucura,  que ser escutado, quer chamar a atenção; acha que, com sua presença, dissipam-se as inquietações, tudo se transforma, a terra se embeleza, a natureza rejuvenesce.

O louco, como a Loucura, acha que o que as pessoas sóbrias, os grandes pensadores não conseguem, ele, Louco como é, é capaz de conseguir, sem maiores dificuldades.

Como a Loucura, o louco também usa vestimentas bizarras, para chamar a atenção; pensa que está dominando, que tá tudo dominado, faz questão de exibir a marca famosa das roupas que veste, como se isso o distinguisse do sensato, do ético e do equilibrado.

O louco, como a Loucura, quer ser escutado como se escuta os bufões, os pantomimeiros, os saltimbancos, os charlatões das praças públicas.

O louco, como a Loucura, gosta de exaltar seus méritos – méritos na visão dele, claro – e contar, ele próprio,  as suas aventuras (rectius: loucuras), na suposição de que, contanto-as, galvaniza a atenção e a simpatia da platéia, porque, afinal, o tipo a que me refiro é do tipo exibicionista.

Como a Loucura, o louco louva-se a si mesmo, como no provérbio que diz: “se ninguém de louva, farás bem em louvar-te a ti mesmo”.

Como a Loucura,  o louco pensa, supõe que por ele todos têm veneração; reclama, como a Loucura, quando julga que as pessoas esquecem de celebrar os seus louvores.

O louco, como a Loucura, pensa que engana, que as pessoas não se dão conta de suas bizarrices; pensa que as pessoas lhes dão atenção porque mereça e não porque têm dó do seu distúrbio mental.

Como a Loucura, o louco não pensa antes de falar; diz o que vem à mente, sem temer pelas consequências.

Como a Loucura, o louco pensa que na terra ou ainda que seja somente numa corporação, ninguém é mais digno, mais adorado, mais sapiente, mais audacioso ou mais esperto que ele.

O louco, como a Loucura, não precisa se identificar: a sua fisionomia já exibe a sua condição de louco.

PS. Esse artigo é uma brincadeira reflexiva que faço inspirado no livro Elogia da Loucura, de Erasmo de Roterdã. Mas  não nego que conheço os loucos que inspiraram a brincadeira. Você também conhece; não negue!

Detalhe: A Loucura acreditava que na terra não havia homens mais felizes que os comumente chamados de loucos, insensatos, bobos e imbecis.

A Loucura justifica a sua conclusão: “…Em primeiro lugar, eles não temem de modo nenhum a morte, o que, certamente, não é uma pequena vantagem. Não conhecem nem os remorsos devoradores de uma má consciência, nem os vãos terrores que as histórias do inferno inspiram aos outros homens, nem os pavores que os espectros e almas do outro mundo lhes causam. Jamais o temor dos males que os ameaçam,jamais a esperança dos bens que podem obter seria capaz de perturbar por um só instante a tranquilidade da alma deles. Em uma palavra, não são dilacerados pela infinidade de preocupações que assediam continuamente a vida humana. Não conhecem vergonha, nem temor, nem ambição, nem ciúme, nem ternura…”. (in Elogio da Loucura, Erasmo de Roterdã)

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.