“…a morte jamais é aquilo que dá à vida seu sentido: pelo contrário, é aquilo que, por princípio,suprime da vida toda significação. Se temos de morrer,nossa vida carece de sentido, porque seus problemas não recebem qualquer solução e a própria significação dos problemas permanece indeterminada”
Jean-Paul Sarte ( 1905-1980), in O ser e o nada. Petrópolis:Vozes, 1997, p.652
Nós estamos, todos os dias, nos confrontando com a morte. Aqui e acolá a danada leva um dos nossos, se aproxima de nós outros, às vezes sorrateiramente, nos impondo uma reavaliação das nossas ações, dos nossos conceitos, dos nossas relacionamento, das nossas inquietações.
A constatação acerca da inevitabilidade da morte e a incerteza do que virá depois, podem nos conduzir a compreensão de que devamos viver os nossos dias intensamente, sem nenhuma preocupação com os valores morais, sem nos preocuparmos se, em face dessa vida intensa, possamos causar transtornos ou sofrimentos às pessoas que estão em volta de nós.
Em face da inexorabilidade da morte, o que deve confortar é a (quase) certeza de que, malgrado aos pecados, quem vive, na medida do possível, conforme os valores da temperança, da liberdade, da honradez e da verdade, não deve, de rigor, temer a morte.
Consta que, por ter vivido sob esses preceitos, Sócrates, mesmo ante a iminência da morte, não demonstrou nenhuma apreensão, nenhuma inquietação.
Sócrates teria se preparado para a morte?
Existe alguém no mundo preparado para o dia fatal?
Creio que não, sobretudo para os que veem a morte como aniquilamento, em face da crença de que nada existe depois dela.
A verdade é que a morte é um enigma que assombra.
Não se pode, todavia, em face da crença, por exemplo, de que depois da morte nada mais existe ( angústia metafísica de muitos), fazer tudo que entenda deve ser feito, pois que, mesmo diante dessa incerteza, há que se preservarem os valores morais.
A ninguém é dado o direito de, para usar a expressão que dá título a essas reflexões, aproveitar o máximo, a qualquer preço e sem qualquer escrúpulo, o momento que a vida nos oferece.
Voltando a Sócrates, indago, novamente, em face de sua quietude ao ver se aproximar o fim: ele teria certeza do que viria depois da morte? Ele teria, efetivamente, se preparado para esse momento?
Segundo Platão (Defesa de Sócrates) a última frase do filósofo, antes de ingerir o veneno que o levou a óbito foi a seguinte:
“É chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para divindade”.
As conclusões acerca das indagações que fiz só podem ser retiradas dessa última manifestação do filósofo. Independentemente do que virá depois, entendo que, todos os dias, a cada instante, é preciso reavaliar os nossos conceitos, mudar a nossa direção. Todos os dias, com efeito, é dia de pensar e repensar, de buscar a harmonia com o semelhante, de buscar a paz interior que precisamos para viver bem com o semelhante.
Em tempo: Epicuro ( 341-270 a.C.) era pragmático: para ele a morte nada significava por que ela não existe para os vivos, e os mortos não estão mais aqui para explicá-la. Epicuro não se apavorava com a possibilidade de morrer, pois a morte, para ele, não era o maior dos males, já que não via nenhuma vantagem em viver eternamente. Para ele, mais do que ter a alma imortal, vale a maneira pela qual escolhemos viver.
Para Montaigne, para quem filosofar é aprender a morrer, meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade, porque quem aprendeu a morrer recusa-se a servir, a submeter-se. Viver bem, portanto, é preparar-se para morrer bem. Nessa senda, assegura: “A vida em si não é um bem nem um mal. Torna-se bem ou mal segundo o que dela fazeis” ( Ensaios, Livro I, capítulo XX, apud Maria Lúcia de Arruda Aranha e outra, in Introdução à Filosofia, 4ª edição, 2013, p.97)
Para Sartre, a morte é a certeza de que um nada nos espera e que por esse sentido retira todo o sentido da vida, por ser a “nadificação” dos nossos projetos.
*Carpe diem, literalmente, colha o dia, ou seja, aproveite o momento.
PS. As informações contidas neste artigo, sobretudo sobre os filósofos nele citados, foram amealhadas, precipuamente, no livro antes referenciado, de Maria Lúcia de Arruda Aranha. A minha contribuição se resume a concitar à reflexão em face da inevitabilidade da morte.