Dias desses escrevi um artigo com o título “Macaco é sempre macaco”, querendo dizer que o macaco não deixa de ser macaco apenas porque, por exemplo, lhes colocam uma roupa. Na mesma balada, quis dizer que magistrado, quando é magistrado mesmo, não deixa de sê-lo porque deixou a toga esquecida numa cadeira do seu gabinete. A sua conduta deve ser sempre retilínea, e deve sempre decidir com equidade, interpretando a lei à luz filosofia moral, emprestando, ademais, uma grande carga axiológica à dignidade da pessoa humana.
O título dessas reflexões vem a propósito de uma página negra da nossa história, que está prestes a se relembrada, que foi o enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, condenado que “pelo horroroso crime de rebelião e alta traição”, segundo o teor do mandado lido pelo escrivão, num sábado, dia 21 de abril de 1792.
O enforcamento de Tiradentes teve uma passagem que ilustra bem o sentimento do época, convindo anotar, a guisa de ilustração, que a condenação não se completava com o enforcamento: o corpo deveria ser esquartejado, pendurados na via pública*
Pois bem. Segundo os manuais de história, Tiradentes, à sombra da forca, pediu ao carrasco para que “acabasse logo com aquilo”. Ocorre que ainda faltavam os sermões. Assim é que, quando o povo e o padecente rezavam o credo, de súbito, em meio a uma frase, ouviu-se um baque surdo e em seguida os presentes depararam-se com o corpo de Tiradentes, que balançava no ar. Para apressar a morte, o carrasco pulou sobre os ombros do enforcado, dançando com a vítima a dança dos horrores.
Como se pode ver, o carrasco era mesmo um carrasco. Mas ele não difere muito da conduta de determinados agentes do Estado, os quais dispensam aos presos de Justiça tratamento aviltante.
Nos dias presentes, é verdade, não existe, como regra, pena de morte e, por consequência, a figura do temido carrasco. Nos dias presentes, todavia, os presos de justiça ainda recebem do Estado, por meio dos seus agentes, tratamento degradante e, por isso mesmo, ofensivo à sua dignidade.
O tempo passa e a coisas não mudam. E se há uma algo que não muda no Brasil é a nossa capacidade de tratar os ergastulados como se fossem uma sub-raça, a merecer do Estado apenas o seu desprezo, a sua indiferença.
*Os livros registram que o corpo de Tiradentes foi dividido em quatro pedaços, bem salgados e postos dentro de grandes sacos. O quarto superior esquerdo foi pendurado num posto em Paraíba do Sul, Rio de Janeiro. O quarto superior direito foi amarrado numa encruzilhada na saída de Barbacena, em Minas Gerais. O quarto inferior direito ficou na frente da estalagem de Varginha – MG; o último foi espetado perto de Vila Rica, cidade à qual a cabeça de Tiradentes chegou em 20 de maio de 1792. Ficou enfiada num poste, defronte da sede do governo.
Atenção: todas as informações contidas nessas reflexões foram capturadas no Brasil, Um História, de Eduardo Bueno, Leya, 2012.