A indignação de um desembargador

imagesDo colega Lourival Serejo recebi o seguinte e-mail:
“Caro amigo José Luís,
Permita que me utilize do seu blog para registrar minha indignão com a notícia que li na Folha de São Paulo, de domingo passado, em que num ranking da violência aparece São Luís como a sexta capital mais violenta do Brasil, enquanto Rio de Janeiro está no 23º lugar. Você como criminalista, o que tem a dizer? Acho que a população civil precisa indignar-se. Como você analisa esse índice alarmante? Falta de emprego para os jovens? Falta de polícia?
Um abraço, Lourival Serejo”
Preliminarmente, anoto que questões atinentes à criminalidade não podem ser avaliadas, perscrutadas ou resumidas em um artigo. Essas questões exigem esforço intelectivo muito maior. Mas posso, sim, em poucas palavras, sem incursionar e nem me aprofundar em questões filosóficas, sociológicas e antropológicas, sintetizar, correndo o risco de parecer superficial, algumas causas da criminalidade que vislumbro e sobre as quais tenho refletido há muitos anos.
Devo dizer, a propósito, que não há apenas uma razão, uma causa para criminalidade. Vários fatores contribuem para a criminalidade, sobre os quais já refleti incontáveis vezes neste mesmo espaço.
Nessa linha de pensar, posso afirmar, resumidamente, que, pela experiência que acumulei nos mais de 25 anos judicando na área criminal, a infinita maioria dos crimes está ligada ao consumo; consumo que inclui o das chamadas drogas ilícitas, em razão das quais tem-se matado e roubado, sem que os autores desses ilícitos sintam reação eficaz das instituições de controle social, a desestimular a sua ação, convindo consignar que a reação, quando ocorre, na maioria das vezes, é apenas pontual, a desafiar a nossa competência para enfrentar questões desse matiz.
Ao lado do consumo, vislumbro, ademais, que a quase certeza da impunidade e a descrença em nossas instituições são fatores que também contribuem, sem a mais mínima sombra de dúvidas, para a crescente criminalidade. Essa conclusão alcancei nos incontáveis interrogatórios que realizei, através dos quais ouvi dos próprios acusados a afirmação de que recalcitravam em face de não terem recebido nenhuma punição  quando da prática do primeiro ilícito.
Posso afirmar, lado outro, que é uma falácia a afirmação de que a pobreza seja causa de criminalidade. É que nos mais de 25 anos que lidei – e lido, até os dias atuais – com questões desse jaez, nunca me deparei com um único acusado que tenha assaltado, comprovadamente, para saciar a sua fome e de sua prole. A quase totalidade dos crimes, portanto, estavam(ão) ligados ao consumo, dos bens mais diversos, entre eles, como antecipei acima, o de drogas, lícitas e/ou ilícitas.
Não são, portanto, os pais de família que, por carência, contribuem para a criminalidade, a desmistificar, definitivamente, o argumento de que a pobreza estimula a prática de crimes. A maioria, repito, sobretudo os assaltos, são praticados por desocupados sem controle de sua voracidade pelo consumo, sobretudo de tóxico e bebidas alcoólicas.
Nessa ordem de ideias, convém consignar que os criminosos estão em todas as classes sociais. Não há, portanto, uma classe determinada da qual saem, com exclusividade, os criminosos. O que muda, num e noutro caso, ou seja, entre o criminoso colocado no ápice da pirâmide social  e da classe menos favorecida, é que aquele opta sempre pela coisa pública, enquanto este “prefere” o particular, convindo anotar que, enquanto as consequências dos crimes praticados pelo colarinho branco atingem o conjunto da sociedade (desvio de verbas da saúde e da educação, por exemplo), os atos dos criminosos do, digamos, colarinho amarrotado, atingem, de regra, vítimas individualmente consideradas. É dizer: os crimes dos colarinho branco são muito mais danosos para o conjunto da sociedade que os praticados pelos roubadores.
O tema sob retina é daqueles que permitem um aprofundamento de tal magnitude, que somente a partir de uma série de artigos poder-se-ia melhor refletir – não exaustivamente – sobre as inquietantes questões que envolvem a criminalidade.
Aproveito o ensejo para consignar, da mesma forma que o colega Lourival Serejo, a minha indignação com a criminalidade crescente, a colocar o Maranhão em posição de destaque no cenário nacional.
Infelizmente, o  Maranhão só se destaca  no cenário nacional em questões desse matiz.
Se é verdade que não existe e nem existirá sociedade sem crimes, não é menos verdadeiro que o quadro pode, sim, ser pintado com outras cores, se medidas simples, como o policiamento ostensivo e a reação eficaz das instâncias formais, quer prevenindo, quer reprimindo o crime, forem implementadas racionalmente.
Não se pode perder de vista, no exame de questões desse jaez, que não basta, inobstante, a prevenção e a repressão, se ela tiver por destinatários – como tem sido a regra desde tempos imemoriais –  apenas os miseráveis, os colarinhos amarrotados.
É necessário, nesse sentido,uma mudança de cultura, no sentido de que todos, indistintamente, ricos ou pobres, pretos ou brancos, da periferia ou dos bairros mais chiques, seja colarinho branco ou colarinho amarrotado, tenham a convicção de que, cometendo crime, seja um assalto a mão armada, seja a subtração da res pública, receberão a correspondente reprimenda.
É isso!

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “A indignação de um desembargador”

  1. Desembargador José Luiz,

    Tema espinhoso o de procurar eleger a causa de estarmos na 6ª posição no ranking nacional da criminalidade. Pelo que li do texto acima o senhor sem titubear apontou de plano o tráfico de drogas, ou melhor, as drogas e seu consumo como razão primeira. Discordo!

    Explico.

    Na minha visão de mundo, observo que as drogas e o tráfico são uma consequência e não uma causa. Muito antes vem a corrupção e ausência de políticas públicas voltadas para dar condições de vida para os seres humanos que vêm ao mundo. Melhor dizer, hoje neste Maranhão de miséria e altas taxas de natalidade implementadas pelas odiosas bolsas (escola, família, auxílio-natalidade) existe um horda de pessoas que não estudaram e que não possuíram o menor preparo para lhes dar condições de na fase adulta poderem ter um trabalho digno e honesto. Resultado disso? Muitas dessas pessoas acabam por enveredar pelo mundo do crime como meio de conseguir dinheiro para morar, comer e poderem ter acesso a certos bens de consumo.

    Então eminente magistrado, não consigo ver o tráfico de drogas como a causa, mas sim como consequência do abandono, do descaso tanto familiar como do Estado enquanto provedor de dignidade do ser humano, e por tais motivos que o Maranhão está em 6º local desta famigerada lista, porque infelizmente este Estado está sendo corroído pelos políticos corruptos, que não têm o menor compromisso com o povo e o menor respeito pela res pública e enquanto isso o Ministério público assiste de camarote esta perniciosa degradação e nada faz, como bem se observa no caso Castelo, prefeito que recai sobre os ombros acusação de ter desviado dos cofres públicos quase 1 BILHÃO de reais e está por aí, livre, leve e solto. Só no Maranhão mesmo Desembargador.

    Armando Serejo.
    Advogado

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