Um delírio do CNJ

Autor(es): Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho
O Globo – 22/05/2013

A Constituição não atribui ao Conselho Nacional de Justiça a função de legislar. Sendo um órgão administrativo do Judiciário obviamente não pode extrapolar das suas funções, que sequer são jurisdicionais, mas apenas, em escala constitucional superlativa, administrativas.

Embora com poder regulamentar e disciplinar em seu amplo âmbito de atuação, o regime democrático jamais reconheceu a órgão administrativo o poder de legislar, criando normas gerais vinculantes para a sociedade, ainda mais quando versam sobre matéria constitucional. A Resolução nº 175 de 14/05/2013 do CNJ viola o preceito.

Não se discute a aceitação do casamento homoafetivo e de seus efeitos civis, mas sim que nenhum órgão administrativo pode interferir na vida civil-constitucional do cidadão. Como importante valor fundante o casamento tem sua disciplina prevista na Constituição, daí sua inquestionável situação de base da família e da sociedade.

O ministro Gilmar Mendes abriu polêmica no meio jurídico, assinalando que a decisão do STF de 2011 não tratava de casamento, mas apenas de união estável. Segundo ele, a decisão não legitimou automaticamente o casamento homoafetivo, afirmando que “o tribunal só tratou da questão da união estável, mandou aplicar a união estável”.

Também o subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino afirmou que seria necessária “ou edição de uma lei ou uma nova decisão em outra ação do STF”. A conselheira Maria Cristina Peduzzi votou pela rejeição da Resolução, destacando que a regra não poderia ser estabelecida pelo CNJ sem previsão legal.

No regime da separação de poderes, órgão administrativo quando legisla atua com usurpação, viola o ordenamento legal e avança contra o direito dos cidadãos, praticando verdadeira heresia jurídica. O fantástico laboratório de casuísmos nacionais estaria produzindo, como nova assombração, a Medida Provisória – ainda mais gravosa pela maior imunidade a meios de controle – gestada no ventre surreal de órgão administrativo do Judiciário.

A família recebe destaque constitucional por ser seu regramento essencial à ordem social, não podendo ter sua estrutura modificada à deriva, por mera resolução. Se assim for, amanhã outra poderá alterar a atual para restabelecer a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que este último derive dos valiosos postulados de liberdade e de dignidade. Mas se a admissão da união estável homoafetiva veio da decisão do STF, não há razão para que o instituto do casamento receba tratamento diverso.

A legislação sobre direito civil é privativa da União, competindo ao STF a interpretação final da Constituição. A nação não suporta o papel de uma instituição-curinga que, ao invés de cumprir sua finalidade, enverede pelo perigoso surto da usurpação de poder.

O CNJ não deve vulgarizar-se, escorregando pelo movediço terreno do delírio institucional.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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