Nossas excentricidades

O Brasil é, definitivamente, um país, digamos, excêntrico. Aqui ocorre, por exemplo, de o eleitor trocar o voto por uma garrafa de cachaça ou por uma dentadura. Mas isso tem explicação na miséria do povo, na falta de cultura e de educação. Pode ser inusitado. Pode alimentar o folclore. Poder alimentar a inspiração de um cronista. Mas é uma excentricidade que encontra justificativa  na miséria, no estado de necessidade de um povo.

A verdade é que a necessidade, como a falta de educação, compele. Não há cidadania com a barriga vazia. O eleitor carente é suscetível de se submeter a essa, digamos, troca bizarra, a solapar a própria cidadania. Cidadania, para essas pessoas, não representa nada.

Imagino que o eleitor faça a seguinte reflexão: “tu me ajudas a mastigar com a dentadura ou a me entorpecer com álcool e eu, em troca, te dou meu voto. O que farás depois de eleito a mim não me importa, afinal, todos roubam, e a minha vida não vai mudar mesmo; tu pelo menos me destes alguma coisa em troca do meu voto.”

Essa a cultura. Por enquanto, nada se pode fazer. Educação ainda é preocupação de uma minoria.

Vê-se, assim, que não surpreende, de rigor, essa troca entre o eleitor e o candidato, sobretudo porque há algo muito mais relevante e subjacente que condiz  a nossa falta de educação; educação que, afinal, é o que pode libertar as pessoas, dar a elas a dignidade que a ignorância lhes nega.

Até aí não tá tudo bem, mas é assim mesmo que as coisas funcionam. E quando é um ex-presidente que diz a um ex-ministro, acusado de corrupção, para que não se preocupe, pois a acusação sai na urina (Jornal Folha de S. Paulo de hoje, na matéria ‘Lula me falou: esquece, isso sai na urina, diz Lupi sobre denúncia)*? Aí, meu amigo, é de estarrecer. É estupefaciente mesmo. É desanimador, sobretudo se a afirmação é feita por um dos mais festejados líderes políticos que o Brasil já teve em qualquer época, e que construiu a sua carreira pregando moralidade e retidão. É como se dissesse: “fui presidente deste país e sei que isso é natural, pois no Brasil grassa a impunidade. Fica na tua, não se desespera, que, nesses casos, as instância persecutórias não funcionam.”

A gente pensa que já viu de tudo, mas cada dia mais os políticos no nosso país nos conduzem à conclusão de que eles não merecem a nossa confiança. É uma pena, pois ainda há os que pensam de forma diferente. Mas esses são poucos… De tão poucos, a sua ação não é sequer notada. Não passam de uns radicais, na visão dos oportunistas e inescrupulosos.

*Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho do governo Lula e presidente do PDT, um dos partidos da base de sustentação do governo, foi acusado pela empresária Ana Cristina Aquino de ter recebido R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em propina.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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