Pôquer sem blefe

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“[…]Faço esses registros apenas para reafirmar que não existe bom sem defeito, e que, ademais, tenho constatado que a história está aí muito mais para nos condenar pelos nossos erros que para nos absolver pelos nossos acertos, afinal seremos todos julgados pelos nossos semelhantes que nem sempre julgarão com a necessária isenção , a considerar, ademais, que quem julga o faz sempre a partir do seu ponto de observação, à vista de incontáveis variáveis[…]”

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Reconheço que, como qualquer pessoa, sou muitas vezes contraditório. Na maioria das vezes – absoluta maioria, registro-, no entanto, tenho procurado ser coerente na minha vida pessoal e profissional.  Nesse sentido, o meu discurso tem sido a minha prática de vida. Eu não uso máscaras e nem gosto de dissimulações. Sei, todavia, que, como qualquer ser humano, vou errando aqui e acolá, erros  procuro exorcizar sem  me penitenciar, pois que, na sua absoluta maioria, são pecados veniais.

Claro que quem pensa e age como tenho agido, sobretudo porque tenho o grave defeito de dizer o que penso, termina por amealhar desafetos, muitos dos quais são capazes, até, de plantar notícias ou estabelecer discórdias envolvendo o meu nome. É que, nas corporações,  não se perdoa o que consideram uma ousadia.

Tenho convicção,  entrementes, as coisas tendem a ser assim mesmo, daí que não me surpreendo mais com as ações de algum desafeto. Ser amado ou odiado nada mais é que uma consequência natural do risco que corremos quando assumimos posição.

Como a maioria dos mortais, tenho medo da mentira; não sei tergiversar, conquanto, aqui e acolá, me sinta compelido a fazê-lo, até mesmo por questão de sobrevivência ou para salvar as relações pessoais.

Reafirmo que tenho medo da mentira, mas sei que, nesse quesito, muitas vezes, somos compelidos às inverdades; na maioria das vezes por conveniência; noutras por cordialidade e/ou elegância.

Faço esses registros apenas para reafirmar que não existe bom sem defeito, e que, ademais, tenho constatado que a história está aí muito mais para nos condenar pelos nossos erros que para nos absolver pelos nossos acertos, afinal seremos todos julgados pelos nossos semelhantes que nem sempre julgarão com a necessária isenção, a considerar, ademais, que quem julga o faz sempre a partir do seu ponto de observação, à vista de incontáveis variáveis.

Um registro histórico, para ilustrar. Ernesto Geisel, quarto presidente do período revolucionário,pelo menos publicamente, foi o único dos presidentes militares a defender, sem enleio, a tortura.  Disse ele, em entrevista publicada após a sua morte, que achava que “a tortura, em certos casos, torna-se necessária, para obter confissões“. É consabido  que essa afirmação infeliz é muito mais enaltecida que as ações desenvolvidas por ele para, na condição de presidente, acabar com a tortura.

Quiçá tenha feito essa afirmação por ser do tipo que não tolerava mentira. Dizem que um dos seus maiores medos era ser flagrado na mentira, e que, por isso, nos jogos de pôquer, nunca fora flagrado blefando. Palavras textuais do ex-presidente: “Eu nunca blefei. É um jogo que você joga com as cartas, com as fichas e com o temperamento dos parceiros. Aí é que entra o blefe. Para mim seria uma decepção tão grande ser apanhado blefando que nunca blefei.”

Nós, homens públicos, não escaparemos do julgamento da história. Espero ser julgado mais pelas minhas virtudes que pelos meus erros. Não será fácil. Mas, ainda assim, espero.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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