Uma lixa de unhas

Essa crônica tem muitas probabilidades de surpreender alguns, sobretudo os que não me conhecem, os que construíram a minha imagem à luz de uma percepção equivocada da minha personalidade, definida a partir de um estereótipo, provavelmente construído em face de algumas posições por mim assumidas no passado, que eu próprio denominaria de heterodoxas, próprias da idade e da inexperiência.
Essa crônica, noutro giro, certamente que não surpreenderá os que me conhecem, os que convivem comigo mais amiúde, os que sabem quem eu sou, ou seja, a minha família e os funcionários que convivem comigo mais de perto.
Essa crônica, importa dizer, ademais, é como um retrato inacabado de mim mesmo, pois, como sói ocorrer, revela apenas uma parte da minha personalidade, da minha maneira de ser, das coisas simples que valorizo, e do que penso.
Feita essa breve linha introdutória, devo dizer que não sou uma pessoa sofisticada. Eu gosto, na verdade, das coisas simples. Meu carro, meu apartamento, meus ternos, meus sapatos, minha meias, tudo que tenho e consumo é marcado pela simplicidade.
Nasci e cresci nesse ambiente simples e dele não consigo me separar, resultando daí, quem sabe?, as dificuldades que tenho conviver com a ostentação, pela qual, importa anotar, tenho, até, certa aversão. Por isso, não sou muito simpático ao esnobe; esnobismo que, para mim, é pura bobagem.
Vivo como posso e não vou além, conquanto tenha lutado muito para não estar aquém, mas tudo dentro de certos limites. Só vou até onde é possível ir, pois não me apraz, repito, a magnificência, a pompa, a exibição vaidosa, razão pela qual não simpatizo com o exibicionista, para quem as coisas simples parecem não ter valor.
Além disso, não tenho ambição material; não tenho ambição de poder. Não me vejo, por exemplo, presidente do Tribunal de Justiça, pois acho o cargo muito grande para mim. Muito mais do que sempre sonhei, mesmo porque sou avesso às solenidades e não me julgo preparado para administrar um Poder, conquanto venha me preparando para a hipótese de a minha contribuição mostrar-se inevitável.
Aduzo que não me vejo presidente, dentre outros motivos, porque me agastam, sobremaneira, os discursos longos, formais e cansativos, sendo difícil, pois, suportá-los na condição de representante do Poder Judiciário. Da mesma forma, não sei encarar com naturalidade os cumprimentos desnecessariamente efusivos, os chamados elogios de ocasião, já que tudo isso me causa certo desconforto.
Ademais, não me vejo corregedor. Acho, igualmente, a responsabilidade muito grande. Tendo sido, como efetivamente sou, um crítico assaz da leniência dos órgãos de controle interno, é evidente que só seria corregedor se pudesse exercer, plenamente, o poder a mim conferido, o que, sei, não é possível, por óbvias razões
Sem grandes ambições materiais e funcionais, eu prefiro ser apenas o que sou. Se não posso trafegar num Posche Cayman, a mim me satisfaz, completamente, a direção do meu SUV médio, compatível com o meu modo de ser e com as minhas possibilidades materiais.
Mas como eu disse acima, gosto e dou valor às coisas simples, como uma lixa de unhas, por exemplo; serra de unhas que, afinal, foi o que me deu inspiração para essa crônica.
Explico. Estava lendo, nos dias de folia (carnaval), quando uma unha se partir e passou a me incomodar; incômodo que me agastou, principalmente, porque tirou a minha concentração da leitura. Nesse cenário, fiquei agastado e confesso que nunca desejei tanto uma serra de unhas como naquele momento.
Pensei, pensei, até que lembrei onde eu tinha visto uma. Levantei, rapidamente, deixei o livro de lado e saí, na expectativa de encontrar o meu objeto de desejo; encontrando-o, lixei as unhas, voltei ao sofá e ao livro.
Uma coisa simples, aparentemente banal, sem grande valor material, como uma serra de unhas, me devolveu a paz de espírito que eu precisava para continuar lendo.
Por isso – e muito mais – é que gosto, empresto valor às coisas simples. É nelas, definitivamente, que encontro o que preciso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Uma lixa de unhas”

  1. Bela crônica. Simples e de muita agradável leitura. Como não poderia deixar de ser, discordo do senhor em um só ponto, para mim a sofisticação está na simplicidade. O senhor é um homem sofisticado,tenha certeza disso.

  2. Admiravel a forma como procurou colocar que nas coisas simples encontramos paz e conforto, usando um exemplo basico. e simples mas que tem grande valor . Nas pequenas coisas simples nos acalmamos e. encontramos paz.
    Expressou com muita sutileza , parabens!

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