O TRIBUNAL MORAL DE CADA UM

batendo-o-marteloDando sequência às nossas realizações na direção do Núcleo Permanente de Conciliação, estivemos recentemente em Imperatriz para instalar o I Balcão de Renegociação de Dívida da Região Tocantina.
Instalados os trabalhos, apresentou-se um devedor ávido por renegociar a sua dívida, já que se sentia incomodado por ainda não tê-lo feito em face de suas dificuldades financeiras. Detalhe relevante: a dívida do cidadão era no importe – pasmem! – de R$ 26,17 (vinte e seis reais e dezessete centavos).
Pois bem. Sentados, civilizadamente, credor e devedor, numa mesa de (re)negociação – o que só foi possível em face da implementação do Balcão de Renegociação, projeto do Núcleo de Conciliação do Tribunal de Justiça -, chegaram a um acordo: o credor aceitou que o débito fosse quitado por cerca de R$ 6,00(seis reais), que era o que podia pagar o devedor.
Conquanto seja exemplar esse fato, não foi o valor da dívida nem o valor da quitação, que motivaram essas reflexões. A motivação decorre da reafirmação, definitiva, de que cada um de nós tem um tribunal moral interior que nos impulsiona para o bem e para o mal: o tribunal da consciência que, tenho certeza, impulsionou o devedor a buscar a quitação da dívida que o incomodava.
Eu tenho, tu tens, todos nós temos, sim, um tribunal moral ou de consciência, que guia, que conduz, que determina as nossas as ações, a nossa maneira de ser, a visão que temos do mundo e, de consequência, a maneira como devemos lidar com os nossos problemas.
Posso dizer, nesse sentido, que o que não é moralmente aceito por mim pode ser admitido como normal para o semelhante, de acordo, claro, com o seu tribunal moral. É por isso que há homens públicos honestos e desonestos, por exemplo.
Tudo está a depender, portanto, do tribunal moral ou de consciência de cada, ou seja, da forma como fomos criados, de como fomos preparados para as vicissitudes da vida, de como lidamos com os nossos problemas, que são resultantes, não tenho dúvidas, dos valores que incorporamos à nossa personalidade.
Nos dias presentes, é a frouxidão dos tribunais de consciência que nos leva a esse quadro de descalabro moral, de licenciosidade, de benevolência de muitos para com os desvios de condutas, convindo anotar, ainda que para desalento de muitos, que até mesmo nas instâncias de controle, há os que se predispõem a dar guarida ao malfeitor, sempre de acordo com o seu tribunal moral interior.
Muitos homens públicos estão aí a nos envergonhar, os quais, como eu já disse em outro artigo, nos fazem perder a esperança, não nos deixam sonhar. Por isso, estamos desalentados, contristados, acabrunhados, macambúzios, desesperançados, vendo, quase em estado de estupor, muitas vezes inertes e descrentes, o esfacelamento das instituições, decorrente dessa grave, gravíssima degradação moral pela qual passamos.
O cidadão de bem, revoltado, reage, vai às ruas, grita, esperneia, e depois percebe que tudo voltou a ser como antes. Desalentados, mas crédulos, todos nós clamamos aos céus, na quase certeza de que só nos resta mesmo aguardar por uma providência divina.
Diante desse quadro é que aparecem os heróis nacionais, os salvadores da pátria. Heróis que, no geral, apenas cumprem as suas obrigações. Contudo, em virtude de fazê-lo com destemor e sem distinção, se destacam como super-homens, super-heróis nos quais terminamos por depositar as nossas esperanças.
Devo admitir que, apesar de já ter visto muito, nunca havia testemunhado antes tamanha licenciosidade, tamanha falta de vergonha, tamanha falta de compostura, de pudor dos nossos homens públicos, os quais, triste ter que admitir, só visam mesmo à defesa dos seus próprios interesses.
Lê-se, ouve-se dizer que é assim mesmo, que sempre foi assim, desde que o país foi descoberto. É possível que sim. Isso, no entanto, não arrefece a minha, a nossa indignação, mesmo porque – para mim, pelo menos – esse é um argumento fajuto de quem deseja que tudo permaneça como está.
A verdade é que, aos olhos dos desinformados, os homens públicos do Brasil parecem ser rigorosamente iguais, uma vez que poucos são os que se destacam por uma postura compatível com o que se espera de um homem que esteja a serviço do interesse comum.
Por isso, reafirmo, parecemos todos iguais aos olhos do cidadão que, descrente de tudo, nos nivela por baixo; por isso, a sua intolerância em relação aos homens públicos.
É nesse ambiente de desesperança e de grave degradação moral que aparecem os farsantes, os que aproveitam as nossas fragilidades, para nos vender falsas promessas, nos fazendo acreditar que, doravante, tudo será diferente, para, depois, estarrecidos, constatarmos que nada mudou.
Num país em que as instâncias de controle são quase sempre lenientes e frouxas, o que nos resta mesmo é esperar que o tribunal moral de cada um cumpra o seu papel, pois, infelizmente, as ações tendentes a obstar as condutas daninhas dos homens públicos do nosso país ainda parecem ser uma exceção.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “O TRIBUNAL MORAL DE CADA UM”

  1. Gostaria de parabenizar o articulista pela sobriedade e sensatez das exposições que amiúde nos brindam com lições que transcendem as raias do mero saber jurídico, tornando-se lições de moralidade, civilidade e vida em comunhão com o próximo.

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