QUEM CALA CONSENTE?

ThemisCSei que é difícil separar o homem do magistrado. A maior prova disso é que a minha história, a minha formação moral, os valores que incorporei à minha vida, fruto da minha criação e do meio em que vivi e vivo, sempre tiveram um enorme peso nas minhas posições, quer como juiz, quer como cidadão, o que me leva a acreditar que assim o será sempre.
Por isso, a diferença que faz, para a atividade cognoscível, a relação do intérprete com o objeto do conhecimento, donde exsurge, poderosamente, um poder invisível que controla o seu psiquismo, ou seja, o seu inconsciente (Luis Roberto Barroso).
A verdade é que é muito difícil separar o que penso como cidadão do que penso enquanto magistrado, conquanto eu tenha consciência de que nem sempre posso externar tudo o que penso como cidadão em face do óbice natural que decorre da minha condição de magistrado, a qual me impõe limites, muito embora eu reconheça que tenho compartido muito da minha visão de mundo com muitos jurisdicionados que, de rigor, sabem o que penso sobre os mais variados temas, em face do que escrevo, Se me imponho limites, são apenas os que decorrem dos cânones éticos que sou compelido a respeitar.
Assim sendo, o que digo, o que penso, o que afirmo, tudo, enfim, que transmito nos meus artigos, são quase sempre, senão sempre, a junção dos meus pensamentos de magistrado e homem, aqui consideradas todas as minhas circunstâncias, todas as minhas pré-compreensões, todas as forças materiais que concorrem para a formação das minhas convicções.
Faço essa linha de introdução só para dizer que eu, como homem – e, claro, como magistrado – sempre encarei com certa desconfiança o silêncio do acusado, sobretudo perante uma autoridade judicial, conquanto saiba ser um direito seu e que, ademais, essa postura, de lege lata, não deve ser interpretada em desfavor de sua defesa (nemo tenetur se detegere).
Todavia, sinceramente, reluto em aceitar, sem estupefação, que uma pessoa acusada injustamente prefira o silêncio, ao invés de se defender com veemência de uma injusta acusação. Nesse sentido, fico sempre pensando que se um dia me vir acusado injustamente da prática de um ilícito, administrativo ou penal, vou gritar aos quatro cantos do mundo, a plenos pulmões, que sou inocente, por entender que o silêncio é incompatível com a inocência de alguém.
Diante de uma injusta acusação, eu não vou calar, definitivamente. Vou, até se necessário, provocar situações que me permitam gritar a minha inocência, ainda que o faça fora do ambiente próprio.
Por pensar assim, é que acho estranho – apenas estranho, sem antecipar, claro, nenhum juízo de valor – o indiciado ou acusado, que, diante de uma acusação que diz ser injusta, ao invés de gritar a sua inocência, prefira o silêncio. Essa, pelo menos, é sempre a primeira impressão que fica, pois é difícil crer que alguém, tendo um álibi que lhe favoreça, por exemplo, prefira não falar, o que, para mim, é uma estranha estratégia de defesa.
É cediço que não basta o silêncio do acusado para que o magistrado conclua, definitivamente, e a priori, pela sua responsabilização penal. Não é sobre isso que pretendo refletir, pois, afinal, a sua responsabilidade penal, quer opte pelo silêncio, quer decida falar, poderá não ser definida apenas em face do silêncio ou em razão do que eventualmente alegue em sua defesa, se existirem outras provas que conspirem contra o silêncio ou contra os argumentos apresentados a guisa de defesa.
O que definirá a sua responsabilização pelo crime são as provas que vieram a ser produzidas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal. Todavia, nada impede que o magistrado, como cidadão que é, veja, em principio, com certa reserva, o silêncio daquele que, podendo gritar a sua inocência, opte por calar-se, uma vez que, nas nossas relações informais, ainda viceja a velha máxima segundo a qual quem cala consente.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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